Entregar ou Permitir
O Código de Trânsito coíbe a direção de veículos automotores sem que a pessoa esteja devidamente habilitado através do Art. 162 como infração administrativa, e nos Arts. 307 e 309 como crimes de trânsito. Da mesma forma procura coibir o fato do proprietário do veículo deixar que pessoa não regularmente habilitada o conduza, através dos Arts. 163 e 164 da parte administrativa, e o Art. 310 da parte criminal.
O legislador, porém, criou um grande problema nos Arts. 163 e 164 ao utilizar verbos diferentes para situações que não podem ser claramente definidas na abordagem. Segundo o Art. 163 é infração o fato de “entregar a direção do veículo a pessoa nas condições previstas no artigo anterior” (162). Já o Art. 164 prevê a infração de “permitir que pessoa nas condições referidas nos incisos do art. 162 tome posse do veículo automotor e passe a conduzí-lo na via.”
Nota-se que no primeiro caso o verbo é “entregar” (a direção) e no segundo “permitir” (que tome posse e passe a conduzí-lo). O difícil é, no caso concreto em que se verifique a irregularidade da habilitação do condutor, saber-se qual será a autuação cabível ao proprietário que tornou possível essa condução, seja por “entregar”, seja por “permitir”. Há pessoas que defendem que quando o proprietário esteja presente teria ocorrido a entrega, e quando não estivesse, teria “permitido”. O primeiro verbo nos dá a idéia de que houve ação expressa do proprietário em entregar o veículo (as chaves), enquanto no segundo nos dá a idéia da omissão do proprietário em não evitar. Isso, porém, não pode ser definido pela presença ou não do proprietário. Poder-se-ia até sustentar que não somente o proprietário comete tal infração, porque o carro poderia estar na posse de uma pessoa que a entregou indevidamente, porém, na parte administrativa o Art. 257, §2º já estabelece a responsabilidade do proprietário, objetivamente, nesse caso. O que certamente não pode ocorrer é a autuação de “entregar” ou “permitir” quando condutor e proprietário forem a mesma pessoa (proprietário não habilitado), já que para ter carro não é preciso ter carteira e porque ninguém entrega a si mesmo aquilo que já é seu.
O fato é que sempre que o proprietário for autuado por um dos dispositivos poderia tentar alegar que estaria enquadrado no outro, como forma de desclassificar a autuação. Nesse ponto o Código anterior não dava abertura para isso, já que utilizava apenas o verbo “entregar”.
Na parte criminal o legislador foi mais prudente em não dar abertura para discussões quanto ao verbo, pois, incluiu ambos e mais um, coibindo o fato de “permitir”, “confiar” ou “entregar” o veículo. Destacamos apenas, que em nosso entendimento, na parte criminal não seria necessariamente o proprietário o responsável, já que no crime deve prevalecer a verdade real (quem de fato entregou), enquanto no administrativo prevalece a verdade formal.
Fonte: MARCELO JOSÉ ARAÚJO – Advogado, Presidente da Comissão de Direito de Trânsito da OAB/PR