Rodízio já deu; pedágio urbano inteligente é solução, defende especialista
- Trânsito na Radial Leste, em São Paulo: rodízio pune a todos e não ajuda em nada
A recente trapalhada dos vereadores de São Paulo, que aprovaram o fim do rodízio municipal de veículos sem sequer se dar conta do que estavam votando, e que foi seguida pelo veto do prefeito, suscita uma questão fundamental: convém insistir nesse rodízio tosco, que não gera um centavo para o transporte público e para outras medidas de mobilidade sustentável?
Mesmo com sua área de abrangência ampliada [hoje ele vale para o chamado centro expandido, mais ou menos a região entre os rios Tietê e Pinheiros] e restrição de três ou mais finais de placa por dia para acomodar o crescimento da frota [além das experiências de horário ampliado nos jogos do Brasil na Copa do Mundo], não será possível escapar deste asfixiante cenário cotidiano. Passamos horas quase parados dentro do carro ou ônibus lotado, respirando concentrações de poluentes até dez vezes maiores que os já altos níveis de poluição que atingem os pedestres.
Será que já não passou da hora de buscar uma alternativa racional a esse modelo de imobilidade urbana, e avaliar sem preconceitos o pedágio urbano inteligente (PUI), tabu entre políticos e administradores públicos? A experiência internacional mostra que o melhor promotor do PUI é seu próprio sucesso. A medida, controversa no início, é sempre revertida para uma boa aceitação pública após sua consolidação.
Trata-se de um mecanismo elaborado de restrição de demanda de tráfego, por meio de detecção e identificação eletrônica do veículo e cobrança proporcional ao tempo de permanência em trechos congestionados da via. A receita, no caso de São Paulo, deve ser garantidamente aplicada no transporte público de qualidade e na mobilidade sustentável.
O PUI tem virtudes notáveis, ausentes nas outras medidas de restrição. É democrático com viés social, ao contrário do rodízio atual, que privilegia quem pode adquirir outro veículo e escolher finais de placas alternativos. O PUI pode ser encarado como uma “política de Robin Hood”: tira do transporte individual, espaçoso e contaminante, e dá mais mobilidade aos cidadãos sustentáveis que usam meios alternativos e o transporte público — meios mais recatados quanto a emissões de poluentes e consumo de combustível por passageiro transportado e também no uso do espaço viário comum.
-
Onde pega
Por meio de fiscalização eletrônica, o PUI incidiria em vias específicas, em horários a definir e com tarifas adaptadas a cada situação de trânsito.
-
Porque pega
No PUI não se penaliza o uso de um carro com determinado final de placa no horário de restrição, e sim sua presença num determinado local, em determinado horário.
-
Como paga
É possível criar uma tributação progressiva (por exemplo, carros maiores e mais poluentes pagam mais que modelos eficientes).
-
Quem ganha
Toda arrecadação do PUI deve ser revertida para obras e custeio do sistema de transporte público.
A proposta é flexível, de adoção gradativa, tem tarifas básicas progressivas e diferenciadas por tipo de corredor viário e categoria de veículo, ajustadas pelo valor do IPVA e conforme os fatores típicos de emissão e consumo de cada modelo, de modo a não causar grandes impactos sobre a população de menor renda, especialmente no início do processo.
A progressividade deve ser ajustada ao ritmo da expansão da oferta de transporte público. Levará alguns anos, portanto, para produzir seus melhores resultados no caso de cidades com meios de transporte saturados.
Em dez anos de PUI em São Paulo, a receita poderia ser da ordem de R$ 30 bilhões; o valor equivale ao custo de 70 km de metrô, 500 km de VLT (bondes modernos) ou 1.000 km de BRT (corredores de ônibus com operação avançada). Aliás, o que o rodízio fez em prol do passageiro do transporte público — maior vítima dos congestionamentos — durante seus quase 20 anos de imposição?
SEM EXTREMISMO
A generosidade também faz parte da proposta do PUI, que pode ser ativado apenas nos trechos e horários onde, efetivamente, há congestionamentos, caracterizados por velocidades médias do tráfego consistentemente baixas. Também permite que em situações de emergência individual o motorista utilize seu carro sem severas penalidades, como multas e perda de quatro pontos na carteira, como no rodízio atual — um programa truculento que também castiga impiedosamente usuários quando presos em congestionamentos inesperados próximo aos horários-limite.
De natureza evoluída e sem o extremismo do rodízio, o Pedágio Urbano Inteligente, associado a um pacote de medidas de gestão sustentável da mobilidade, é uma forma eficiente de mitigar o caos do tráfego motorizado e a poluição na cidade. Entretanto, para que se torne realidade, autoridades e políticos devem por de lado o obcecado e cego apego às urnas.
*Engenheiro mecânico pela Poli-USP e ex-gerente da Cetesb, é consultor em meio ambiente e transporte sustentável
Fonte: UOL CARROS