Compartilhamento de carro já garante renda extra ao brasileiro, mas empresas sofrem para sobreviver
Nesta semana, a empresa mais antiga de car-sharing no Brasil fechou as portas; mas outros players não se abalaram e ainda apostam alto nesse mercado
(Shutterstock)
SÃO PAULO – No feriado do Ano Novo de 2017 para 2018, muitos clientes de locadoras de veículos se viram sem saber o que fazer quando não encontraram nenhuma opção disponível para viajar. Em tempos de crescente população que opta por não ter um carro próprio, esse problema tende a crescer – a não ser que o compartilhamento entre em cena.
Ao menos é nisso que Tamy- Lin, empreendedora com experiência com consultoria e diretoria de grandes empresas, acreditou ao lançar a moObie. Na ativa desde 2017, a sta1tup oferece uma solução semelhante ao Airbnb onde usuários podem anunciar seus veículos para uso de terceiros. De um lado, o proprietário que não usa tanto ganha dinheiro; do outro, quem precisa de um carro pontualmente paga mais barato do que nas locadoras tradicionais.
“Quando saí do ambiente corporativo para um ano sabático, fui pesquisar o que existia fora do Brasil e aprendi mais sobre o modelo de compartilhamento – tanto usando fota própria como peer to peer, que é o que trabalhamos”, contou Tamy ao lnfoMoney. Nos Estados Unidos e na Europa, ela descobriu mercados bastante avançados – uma das empresas, a Turo, possui 130 mil carros listados em 4.700 cidades.
O problema é que a An1érica Latina ainda não tem a mesma mentalidade que esses mercados mais dis1uptivos. Nesta semana, a empresa brasileira mais antiga do ramo, PegCar, anunciou o encerramento das atividades, confirmando o que já estava indicado: o car-sharing tem cambaleado com força por aqui. Para entender todos os aspectos desse negócio, o InfoMoney conversou com pessoas que estão nesse mercado, que falharam na empreitada e que utilizam o serviço no dia a dia.
Tarifas e modo de funcionamento
Os chamados “parceiros” da moObie podem cadastrar quantos veículos quiserem na plataforma, que paga entre R$ 54 e R$ 107 por dia, dependendo do modelo. Alugando por 30 dias, o proprietário de um SUV completo pode arrecadar R$ 3.210, por exemplo. A taxa cobrada pela plataforma – que muda de empresa para empresa – é de 20% para cada pedido aceito e a avaliação de cada carro antes de entrar para a lista da plataforma demora cerca de dois dias.
De acordo com os porta-vozes da plataforma, os colaboradores recebem cerca de R$ 500 por mês no geral. Tamy fala em ganhos de cerca de R$ 1.500 para alguns perfis de clientes, e usuários mais assíduos com veículos mais potentes chegam a arrecadas R$ 2.500 com aluguéis. Considerando gastos inerentes ao veículo, como IPVA e a própria desvalorização causada pelo uso constante, é preciso ter ótima regularidade para realmente considerar o aluguel como uma opção lucrativa – caso contrário, vale mais como alívio para quem já tem um veículo “parado”.
lslane Lemos, analista de cultura empreendedora no Sebrae, usa regularmente a moObie e era cliente também da Pegcar. Ainda assim, não consegue muito dinheiro mensalmente por falta de demanda compatível. “Como moro perto do metrô, deixo disponível durante a semana [útil], mas a procura maior vem aos fins de semana e feriados, quando eu quero usar mais. Então tem meses que eu consigo tirar 200, 400, até 500 reais’; conta a colaboradora, que usa os ganhos para ajudar no financiamento do veículo. “Dá um alívio bom”.
Para o usuário, os preços ainda estão próximos de locadoras tradicionais – ao menos para carros mais populares. Além do valor do veículo, o usuário locador paga uma taxa de R$ 35 reais do seguro obrigatório. Com isso, diz Tamy, chega-se até à metade dos valores cobrados nas locadoras tradicionais, como a Localiza e a Hertz, nos modelos mais robustos. “Mesmo no modelo 1.0 você vai encontrar opções mais em conta na nossa plataforma”, garante.
Mas a vantagem principal é outra: comodidade. Quem aluga pelo moObie pode combinar horário, local e outras especificações da entrega diretamente com o proprietário. Normalmente, isso é vantagem, mas, claro, há riscos envolvidos. “Teve 11.1m usuário que alugou meu carro, eu avisei que tinha abastecido com gasolina e ele me devolveu com álcool. Ele tem que entender que não funciona como uma locadora, nesse caso ele quis sair na vantagem”, relata a colaboradora lslane. Segundo ela, foi um problen1a pontual, resolvido rapidamente. “Pedi para que ele nunca mais alugasse meu carro, eles foram atenciosos, até me ligaram. Normalmente as pessoas seguem as reg1·as combinadas”.
No Brasil, futuro nebuloso
De acordo com estudo publicado nesta terça-feira (16) pela PwC, o compartilhamento de veículos corresponderá a um terço do tráfego de países europeus e dos EUA até 2030. O número será inflado pelo uso de carros autônomos, mas o aluguel de carros por terceiros entra nessa conta – principalmente considerando outra estatística: a frota de automóveis deve cair drasticamente na Europa e nos EUA, de 550 milhões na soma atual para 412 milhões em 2030.
Tamy, que usa bicicleta para ir ao trabalho, acredita que o cenário brasileiro, ainda que mais atrasado, segue o mesmo caminho. “Temos colaboradores que se mudaram para perto do metrô e não usam o carro durante a semana, outros que alugam só pelo final de semana, alguns que alugam mais de um veículo”, diz.
Mas, para realmente entrarem na rotina da maneira como Tamy prevê, aplicativos como o moObie e o Parpe – que também compartilha outros meios de transporte, como bicicletas e barcos-, ainda precisam “conquistar” o público geral. Segundo os que se arriscaram nesse sistema, de usuários a empreendedores, a cultura do brasileiro ainda está longe de permitir um mergulho de cabeça no car-sharing.
Essa falta de demanda foi definitivamente um dos. principais motivos para o fim da Pegcar, que até então era a empresa mais antiga desse mercado no Brasil, anunciado nesta quarta-feira (17). A empresa teve relevância in1ensw·ável no mercado: foi responsável,junto à Mapfre, pela criação do seguro especial que hoje é usado por outros players nesse negócio. Mesmo assim, segundo os sócios Bruno Hacad e Conrado Ramires, faltou a sustentabilidade que garanthia a rodada de financiamento institucional – essencial para qualquer startup tradicional se manter antes da lucratividade.
“O mercado ainda está embrionário”, explicou Conrado logo após o anúncio do fechamento do negócio. “No Brasil, a gente vê que para ser disruptivo, o player precisa agregar muito valor à maneira que o consumidor resolve seu problema. Talvez o país ainda não esteja preparado para isso”, lamenta.
Bruno concorda. “Acho que o car sharing pode ser uma realidade, mas é um negócio de longo prazo e, na minha opinião, muito arriscado”, opina. De qualquer maneira, ele tem plena convicção de que o mercado, se bem explorado, é realmente promissor. “Acreditamos no compartilhamento. Sempre acreditamos. Mesmo quando fechamos, percebemos que ajudamos muita gente, tivemos várias mensagens lamentando o fim da empresa. Isso mostra que podemos fazer a diferença”, conforta-se.
Por isso mesmo, a frustração recente de empresas como a Pegcar não desanima os planos da MoObie. Além dela, em janeiro de 2017, a Fleety, que oferecia basicamente o mesmo serviço, declarou que fecharia as portas por falta de dinheiro em caixa. Quanto a isso, Tamy argumenta: com certeza, não foi por falta de oportunidade de mercado. “Em São Paulo, existem 18 milhões de carros próprios, enquanto a frota de locadoras tradicionais está em 100 mil veículos”, diz a
empreendedora. “Claramente há uma demanda não atendida e que pode ser preenchida”.