BH: Prefeitura propõe mudanças polêmicas para o perímetro da Avenida do Contorno
Transformar imóveis degradados do Hipercentro em prédios de moradia popular, estimular edifícios a ter comércio e residências, incentivar a implantação de espaços culturais e restringir a atividade de estacionamentos. Estas são algumas das ações que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) quer pôr em prática com a criação da Área de Diretrizes Especiais (ADE) Avenida do Contorno, que terá regras diferentes do restante da cidade. Se for criada, a ADE, que abrange 8,9 quilômetros quadrados e sete bairros de Belo Horizonte, será a maior da capital. Além de proteger o marco da fundação da capital, a ideia de dotar o espaço de normas específicas visa aproveitar ao máximo a infraestrutura já instalada ali. E a ADE Avenida do Contorno não chega sozinha. O Executivo pretende tirar do papel outras duas novas ADEs, a Mirantes, voltada para a proteção de vistas panorâmicas da capital, conforme o Estado de Minas antecipou mês passado, e a Barragem Santa Lúcia, para o controle de enchentes na Avenida Prudente de Morais. As ADEs existentes também não passaram em branco e são alvo de mudanças, casos da Pampulha e de Santa Tereza.
Os projetos estão sendo apresentados na 4ª Conferência Municipal de Política Urbana, em que cidadãos dão o norte para o crescimento de BH e indicam mudanças na legislação, principalmente no Plano Diretor. Para sair do papel, eles ainda precisam receber o aval dos delegados da conferência, representantes dos setores popular, técnico e empresarial, e passar pelo crivo dos vereadores, na Câmara Municipal. Embora a conferência esteja prevista para acabar em maio, a discussão promete se prolongar.
Delegados pedem o adiamento do calendário do evento, já que, além das alterações nas ADEs, a prefeitura está propondo uma nova forma de enxergar a cidade, com a substituição dos antigos zoneamentos pelas chamadas categorias de estruturação urbana. “Isso muda toda a concepção de planejamento urbano. Estamos processando tudo ainda, não tivemos tempo suficiente de assimilar essa carga de informações nem entender os impactos dela na cidade”, afirma o delegado do setor técnico e membro do Conselho Superior do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Myssior.
Se for aprovada, a ADE Contorno se tornaria a maior da cidade. “Não há como descartar a diversidade que existe no perímetro da Contorno, mas queremos reconhecer e fortalecer a importância desse espaço simbólico, que guarda a história e a arquitetura do começo da cidade e abriga o maior centro de comércio e serviço da capital”, afirma a gerente de Informação e Monitoramento da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano, Gisella Lobato. A nova ADE representaria o fim de outras áreas de diretrizes especiais, como a Rua da Bahia Viva, a Polo da Moda, a Hospitalar e a Savassi. “Pelo fato dessas ADEs não disporem de parâmetros urbanísticos diferentes do restante da Contorno, não se justifica a sua manutenção”, explica a gerente.
Pelo projeto, outros setores na ADE da Contorno serão criados para tratar áreas que precisam de estímulos ou proteções específicas. No Setor Hipercentro, por exemplo, a intenção é incentivar a construção de moradias, inclusive de população de baixa renda. Edificações voltadas para unidades habitacionais de famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos poderão construir 20% a mais de área. Nesse setor, construções com unidades residenciais de pequeno porte não precisarão de grandes estacionamentos. “Acredito na boa intenção da prefeitura, mas nada vai adiantar se não houver investimento na infraestrutura do Hipercentro, com a melhoria da segurança, iluminação, coleta de lixo. Também não há como eliminar estacionamentos sem dar uma opção de transporte de qualidade”, afirma a vice-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), Cláudia Volpini, comerciante do Centro.
ADENSAMENTO
No Setor Residencial Central, será obrigatória, entre outras regras, a presença de jardins na frente dos prédios. No Setor Floresta, a ideia é resguardar o conjunto urbano marcado por casas e prédios de menor porte. Mas a maioria do perímetro da Contorno é tratada como área de ocupação preferencial, com estímulos ao adensamento. Esses locais contam com coeficiente de aproveitamento de até 4, o maior definido na capital. Significa dizer que serão permitidas edificações com área de até quatro vezes o tamanho do terreno. Mas, para conseguir o benefício, empreendedores terão que construir ou reabilitar edifícios para famílias de baixa renda na ADE Avenida do Contorno. Nas áreas de ocupação preferencial, também há benefícios para a reforma de edifícios que abrigarem, simultaneamente, residências e comércio.
Também se pretende estimular a implantação de atividades culturais na ADE Avenida do Contorno e proibir grandes áreas destinadas exclusivamente à atividade de estacionamento. Para garantir a proteção do traçado e paisagismo da época do engenheiro Aarão Reis, alterações em ruas e avenidas, canteiros e praças dentro da Contorno deverão passar pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. “Acho bastante positiva a proteção desse núcleo inicial do planejamento da cidade, que é um retrato do projeto do Aarão Reis”, ressalta a arquiteta e urbanista Jurema Rugani, colaboradora técnica do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte.
Já o conselheiro do Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur), Renato Michel, diretor de projetos do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), considera desnecessária a ADE. “Falar que o perímetro inteiro da Contorno precisa ser visto com cautela é banalizar as áreas de diretrizes especiais, que deveriam ser usadas de forma mais objetiva”, diz. Ele também vê com ressalvas a medida que obriga a construção de habitação para população de baixa renda. “Não adianta obrigar a destinar áreas para interesse social goela abaixo. Prédios antigos do Centro estão sendo adaptados para moradia, mas vendidos para a classe média. O interesse social não remunera”, afirma.
PROPOSTAS PARA A ADE DA AVENIDA DO CONTORNO
Confira o que a PBH quer modificar no perímetro central da capital
Acaba com as ADEs Rua da Bahia Viva, Polo da Moda, Hospitalar, Residencial Central e a Savassi, mas mantém a ADE Vale do Arrudas
Cria três setores dentro da área de proteção especial:
1) Hipercentro – adota parâmetros para incentivar moradias
2) Residencial Central – torna obrigatória a presença de vegetação em frente às edificações
3) Floresta – pretende garantir as características do conjunto urbano e a ocupação com edificações de menor porte
Estimula a atividade cultural, a partir de regras diferenciadas em relação ao tamanho das construções, taxa de permeabilidade vegetada e área de estacionamento para esse tipo de estabelecimento
Nas áreas de ocupação preferencial (todo o perímetro da Contorno, exceto Parque Municipal e Bairro Floresta), cria benefícios para a reforma e adaptação de edificações que tenham seu uso destinado para moradias e comércio, simultaneamente
Edificações no Hipercentro voltadas para unidades habitacionais de famílias com renda de 0 a 3 salários
mínimos poderão ter a área acrescida em 20%
No Hipercentro, permite a construção de unidades residenciais de pequeno porte sem a necessidade de grandes áreas de estacionamento
A outorga onerosa do direito de construir consiste em autorizar construções maiores do que o limite inicialmente permitido em lei, mediante contrapartidas ou cobranças. No caso da ADE Contorno, esse direito será concedido mediante a construção de empreendimentos ou a reabilitação de edifícios para famílias de baixa renda na ADE
Protege o traçado e o paisagismo original do município no perímetro urbano projetado pelo engenheiro Aarão Reis. Alterações no sistema viário, desenho urbano, canteiros e praças dentro da Contorno terão que passar pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município
Proíbe instalação de Estações de Rádio Base (ERB) que usem antenas do tipo greenfield e veda a renovação de licenças existentes, como forma de combater a poluição visual
Condiciona a concessão de alvará a estacionamentos a regras específicas, como vegetação e arborização, para minimizar o impacto visual desses imóveis
O imóvel será considerado subutilizado quando houver atividade de estacionamento sem que uma outra atividade ocupe a mesma área ou quando o edifício garagem não tiver área correspondente ao potencial de construção básico do terreno
Por Flávia Ayer, do Jornal Estado de Minas.