Só o poder público pode cuidar da falta de educação do nosso trânsito

Em recente pesquisa, o UOL perguntou aos internautas quem é o novo vilão do trânsito em São Paulo. Na disputa pelo título estavam “motos”, “carros particulares”, “táxis”, “bicicletas” e até “rush da hora do almoço”. A enquete foi respondida por mais de 15 mil pessoas, que elegeram as motos como vilãs urbanas (48% dos votos).
O resultado é preocupante, pois a frieza dos números traduz a predisposição dos motoristas contra usuários de motocicletas.
Sou motociclista há mais de três décadas, uso moto diariamente e a defendo como alternativa racional ao transporte público e como instrumento de lazer. Porém, em determinados casos, concordo que alguns comportamentos transformam motociclistas em verdadeiras “pragas urbanas” com a capacidade de causar congestionamentos, estressar ainda mais as pessoas e disseminar violência.
Tento usar moto de forma sensata, racional, trafegando com velocidade compatível às condições do tráfego. Mas quem usa moto dessa forma sofre com a agressividade de outros motociclistas, que adoram acelerar como alucinados entre automóveis.
NÃO PRECISA CORRER
Recentemente uma cena foi ao ar mostrando um acidente entre motos em pleno corredor. Infelizmente, o motociclista causador do acidente sofreu ferimentos graves. Com isso a pista ficou interditada até seu atendimento. O resultado foi um enorme congestionamento, justamente o que faz a opinião pública votar contra motociclistas. Pergunto: precisa correr tanto? Por mais que exista urgência para fazer entregas ou pressão para executar tarefas, velocidade elevada não justifica.
Outro comportamento que irrita motoristas é ver uma dupla de motociclistas conversando e rodando em baixa velocidade. Atitude de gente folgada que atrapalha o fluxo dos veículos — inclusive de outras motos.
POLUIÇÃO SONORA
Atualmente os motoristas de São Paulo convivem com congestionamentos que desafiam à sanidade mental. Nessa condição alguns motociclistas testam paciência ao buzinarem de forma intermitente. Um hábito desnecessário que não aumenta a segurança, e que apenas joga motoristas contra os usuários de motos. Além das buzinas, alguns estúpidos ainda insistem no estouro de escapamento ou, pior, abusam do barulho com escapes abertos.
Em 2013 os motofretistas de São Paulo promoveram manifestações contra a nova a legislação imposta à categoria. Eles interromperam o trânsito na Marginal Pinheiros causando enorme congestionamento na cidade. Não vou entrar no mérito da discussão, se tinham razão ou não, mas com certeza manifestações como essa também ajudam a criar visões distorcidas dos motoboys.
VIOLÊNCIA
Não são raras agressões verbais e físicas. Já acompanhei motociclistas que chutam retrovisores ou portas dos carros — atitude vergonhosa que pode levar a graves lesões ou mesmo causar a fúria do motorista, que parte para o revide. Nos dois casos, não há justificativa. É uma afronta à racionalidade dos envolvidos.
Para alimentar a rixa (e o medo) entre motoristas e motociclistas, há bandidos que usam motos para cometer crimes. Segundo levantamento feito pela TV Bandeirantes, a cada dez crimes ocorridos nas áreas nobres de São Paulo, em sete deles motos foram usadas na fuga.
Infelizmente não faltam exemplos que justifique os resultados da enquete. Enquanto muitos usuários de motos não mudarem seu comportamento, o clima entre motoristas e motociclistas continuará pesado.
A esperança recai sobre o poder público, que tem a responsabilidade de formar melhores motociclistas e motoristas. Por outro lado, deve-se fiscalizar de forma mais eficaz e punir exemplarmente usuários que se comportam como animais, seja de carro ou moto.
Mas essa possível esperança acaba quando vemos a atitude de um agente da CET de São Paulo agredindo um motoboy que furou um bloqueio em uma avenida. Uma situação capaz de exemplificar o quanto estamos longe de agir com a razão e aplicar a legislação de uma forma sensata, sem abusar do poder.
O que vimos é a lei do mais forte como instrumento para resolver as estressantes diferenças entre motoristas e motociclistas. Temos que mudar esse tipo de situação, afinal, em nosso trânsito assassino, todos somos vítimas, em duas ou quatro rodas.
Por Cícero Lima (especialista em motos e motociclistas), do Uol.

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