Multas aplicadas pela Susep contra locadoras de veículos poderão ser canceladas

Multas aplicadas pela Susep contra locadoras de veículos poderão ser canceladas

Nova lei cria oportunidade de regularização e extinção de penalidades injustas aplicadas contra locadoras pela “cláusula de proteção” em contratos de locação de veículos.

Fonte: Linkedin Adriano Castro

Introdução

Muitas locadoras de veículos foram multadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) em virtude da “cláusula de proteção” inserida nos contratos de locação de veículos. Historicamente a Susep interpretou essa prática comercial como comércio irregular de produtos securitários, o que se entende como grave erro técnico.

É essencial à atividade de locação de bens móveis a estipulação de cláusulas relacionadas às condições físicas de entrega e devolução da coisa ao término da locação. São exemplos a obrigação do locador “entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina” (Código Civil, art. 566, I), a responsabilidade do locador pelos “vícios, ou defeitos, anteriores à locação” (Código Civil, art. 567) e, por outro lado, a obrigação do locatário em “…restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular” (Código Civil, art. 569, IV). É esperado e típica a previsão dessa espécie de cláusula contratual na locação de veículos.

A Susep historicamente tem fiscalizado e aplicado pesadas multas às locadoras de veículos, as quais também foram ameaçadas de penalização adicional em ações civis públicas caso não interrompessem a prática da “cláusula de proteção”, como será explicado no final do texto. As locadoras de veículos afetadas estão dentre aqueles que terão oportunidade de regularizar a situação com possibilidade de cancelamento das multas e extinção de processos judiciais e administrativos.

A Nova Lei de Proteção Patrimonial Mutualista

Primeiro, a boa notícia. A recente Lei Complementar nº 213, de 16 de janeiro de 2026, trata de diversos assuntos relacionados ao mercado de seguros e, em especial as operações de proteção patrimonial mutualista realizadas por cooperativas e associações especializadas, conhecidas popularmente como “associações de proteção veicular”.

Na transição dos modelos regulatórios a nova LC nº 213/2026 criou as seguintes possibilidades de solução consensual dos litígios judiciais e administrativos:

  • Extinção, em decorrência da não exigibilidade, das multas pecuniárias aplicadas e ainda não pagas pela SUSEP em processo administrativo sancionador (PAS) já com trânsito em julgado (art. 9º, §4, II);
  • Extinção das ações civis públicas ajuizadas antes da publicação da lei pela Procuradoria-Geral Federal, mediante a mera comprovação da cessação da atividade imputada no PAS (art. 9º, §5, IV).

A extinção da exigibilidade exigirá o cumprimento de determinados requisitos previstos em lei. No caso das locadoras de veículos não se antecipam maiores dificuldades do que alguns ajustes na redação e execução dos contratos de locação e da comprovação da interrupção da (suposta) prática de comércio irregular de produtos securitários.

Os interessados devem discutir com suas assessorias jurídicas sobre a melhor maneira de proceder para o atendimento das condições legais para extinção. A oportunidade é excelente mas envolve várias condições técnicas e assessoria especializada será necessária.

A Cláusula de Proteção no Contrato de Locação de Veículos

Noticiada primeiro a nova Lei Complementar, aproveita-se a oportunidade para melhor explicar a prática comercial legítima da “cláusula de proteção” no contrato de locação de veículos.

“Cláusula de Proteção”. “Proteção” ou “Garantia” são os nomes comerciais que geralmente se dão a cláusula do contrato de locação que exonera ou reduz a responsabilidade do cliente indenizar a locadora de veículos no caso de danos ao veículo locado. Mediante o pagamento antecipado de quantia no ato da contratação o cliente terá a “proteção” ou “garantia” que não será processado judicialmente pela locadora de veículos em caso de danos ao veículo locado. Trata-se de importante disposição contratual que pode responder por até 10% do valor econômico da operação, mas sua relevância não se reflete na limitada atenção que recebe dos estudiosos e tribunais.

Por que proteger?

A popularidade da “cláusula de proteção” revela o grande interesse dos clientes e locadoras nesse dispositivo. Ela permite, a preço módico e de forma prática e descomplicada, limitarem substancialmente os riscos envolvidos na locação de veículos.

Pelo lado dos clientes, é da essência do contrato de locação a preservação da coisa alugada (Código Civil, art. 566, I). O cliente assume todos os riscos de conservação do veículo durante a sua posse, inclusive por fatos que em outras circunstâncias seriam considerados caso fortuito ou força maior, como inundações e outros eventos da natureza.

Pelo lado das empresas, as receitas auferidas lhes permitem executar pequenos reparos em avarias que lhes seria antieconômico cobrar judicialmente dos clientes de boa-fé. Os padrões de conservação dos veículos que hoje imperam no mercado de locação obriga as empresas a consertar até mesmo pequenos arranhões que poderiam ser considerados consequência do “uso normal” do veículo. Esses pequenos consertos são frequentes e corroem a rentabilidade do negócio.

Cláusula de Não Indenizar.

A “cláusula de proteção” é na verdade a figura da cláusula de não indenizar. Por esta cláusula se convenciona que uma das partes será total ou parcialmente exonerada de responsabilidade pelos danos emergentes do contrato. É mecanismo de limitação contratual da responsabilidade de amplo emprego no exterior (nos Estados Unidos se chama “collision damage waiver”), no comércio internacional (cláusula FOB) e no Brasil.

O Código Civil regula só indiretamente a “cláusula de não indenizar”, mas isso não é motivo para confusão. O Código Civil, art. 946, determina que “se a obrigação for indeterminada” e “não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização”, as perdas e danos serão apuradas pelo juiz na forma da lei processual.

Ora, se na assinatura do contrato de locação não se sabe se haverá ou não sinistro com o veículo, nem o valor da indenização (eventos futuros, incertos e indesejados), a “cláusula de proteção” estipula obrigação indeterminada. E se o valor da responsabilidade do cliente se limita ao adicional sobre o preço da locação, isso significa que o contrato fixa a indenização, dispensando a apuração judicial das perdas e danos. Nos espaços do Código Civil, art. 946, está regulada a “cláusula de não indenizar”.

Justificativa da Susep.

Quando a Susep iniciou a fiscalização e penalização das “associações de proteção veicular” muitas locadoras foram penalizadas por suposta natureza securitária na “cláusula de proteção” no contrato de locação de veículos com seus clientes. As justificativas apresentadas pela Susep geralmente envolviam algo genericamente referido como “transferência de riscos aos consumidores” ou que a “cláusula de proteção” envolveria intermediação de riscos análoga àquela existente em produtos securitários.

Refutação.

Enganava-se a Susep nessa análise. O seguro protege patrimônio alheio, a seguradora protege o patrimônio de seus clientes segurados. Por outro lado, a “cláusula de perdas e danos antecipada” protege o patrimônio das próprias partes contratantes, locadora e locatário. Não há a intermediação de riscos que é da essência do contrato de seguros na contratação da “cláusula de proteção” da locação.

Sem intermediação de riscos a terceiros ou a seguradora é impossível se considerar a “cláusula de perdas e danos antecipados” como espécie de “seguro”. Note-se também que os riscos não saem da esfera patrimonial da própria locadora de veículos, não havendo a socialização de riscos (cosseguro, resseguro etc) que caracterizaria a atividade securitária. O veículo avariado ou sinistrado é de propriedade da locadora, quem suporta exclusivamente com seu próprio patrimônio eventual prejuízo, sem repassá-lo a terceiros.

Conclusão

Independentemente de quem tem razão nesta discussão jurídica, recomenda-se que as locadoras de veículos interessadas não percam a oportunidade de encerrar o contencioso com a Susep. A oportunidade será por prazo limitado e algumas condições adicionais precisarão ser atendidas.

 

Referências

BRASIL. Lei Complementar nº 213, de 15 de janeiro de 2025. Brasília: DOU, 16 jan. 2025.

SENADO FEDERAL. Lei regulamenta cooperativas de seguros e proteção patrimonial. Brasília: Agência Senado, 16 jan. 2025, 17h23.

SUSEP. Publicada lei que trata das Cooperativas de Seguros e dos Grupos de Proteção Patrimonial Mutualistas .  Lei Complementar 213/2025 foi sancionada pelo Presidente da República e publicada no DOU de hoje. Brasília: Susep, 16 jan. 2025 09h05.

 

 

Fonte: Linkedin Adriano Castro

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