Montadoras adiam projetos e lançamentos de novos modelos por coronavírus
Justamente no momento de maior transformação de sua história, em que a reinvenção é mandatória, as montadoras se veem diante da necessidade de postergar projetos e lançamentos de novos modelos, no país, por causa do novo coronavírus. Sem os investimentos previstos para este ano, a receita futura das empresas deve ficar comprometida, afinal, a indústria automotiva vive — e sobrevive — de novidades.
Quando uma fábrica se prepara para receber um modelo totalmente novo ou apenas a versão atualizada de um veículo já existente, dezenas de milhões de reais em investimentos são aplicados para renovar áreas de estamparia, funilaria, pintura, entre outras da unidade. Com isso, a cadeia de fornecedores é movimentada e, dependendo do escopo, sindicatos e empresas negociam salários e novas contratações.
No entanto, agora o cenário é incerto. Conforme apurou a reportagem da EXAME, a General Motors suspendeu, por ora, todos os projetos de novas linhas de produção, incluindo os que estão em andamento. A nova Montana (picape) e um utilitário esportivo (SUV), que ainda não foi anunciado, estão na lista.
“As negociações com os fornecedores foram suspensas por tempo indeterminado, inclusive aquelas que já estão em curso”, afirma uma pessoa próxima à GM. Procurada, a montadora informou, em nota, que “em relação às implicações da pandemia na cadeia produtiva a GM está em contato diário junto com seus fornecedores globais” e que, até o momento, “a produção local não foi impactada.”
A Ford mantém, até o momento, as negociações para o projeto de seu novo SUV, que ainda será divulgado e vem para ampliar o portfólio de utilitários esportivos da marca, juntamente com o EcoSport. Contudo, o prazo para a nova linha de produção ser implantada na fábrica de Camaçari, na Bahia, é incerto. Procurada, a Ford disse, em nota, que não comenta planos futuros “por questões estratégicas.”
A Fiat Chrysler Automobiles (FCA) tem planos de lançar um novo SUV compacto da Jeep, a ser produzido em Goiana, Pernambuco, e seu primeiro utilitário esportivo sob o selo Fiat, que deve ser fabricado em Betim, Minas Gerais.
“Os orçamentos para estes novos carros não estão parados, mas a atualização das linhas foi temporariamente postergada. Esses lançamentos devem ser adiados”, diz um executivo próximo à FCA.
Em nota, o grupo afirma que o plano de investimentos no Brasil está mantido, “mas seu prazo de execução foi alongado em um ano.” Dessa forma, o planejamento que previa 16 bilhões de reais até 2024 será concluído somente em 2025. “O calendário de lançamentos será alterado, de modo ainda não definido, mas todos serão postergados em alguns meses”, diz o grupo italiano.
A Volkswagen anunciou no final do ano passado o lançamento de seu novo SUV coupé, o Nivus, previsto para chegar ao mercado no primeiro semestre deste ano. Porém, diante da antecipação das férias coletivas dos funcionários de todas as suas fábricas no país, o risco de atrasos não pode ser descartado, conforme pessoas próximas à empresa. Em nota, a montadora informa que o cronograma de lançamento do Nivus está mantido, mas não forneceu detalhes.
Parceria global
A Ford e a Volkswagen anunciaram no início do ano passado uma parceria global para desenvolvimento e compartilhamento de know-how. O primeiro passo da aliança seria no rentável segmento de picapes.
Segundo apurou a EXAME, o projeto estava começando a ganhar corpo quando veio a crise do coronavírus. Na Argentina, a parceria começaria pela unidade da Ford em General Pacheco, na província de Buenos Aires. A ideia inicial era utilizar a plataforma da picape média Ranger para produzir a Amarok, sua concorrente da Volks — que também é fabricada no município, na unidade da montadora alemã.
Mas, na Argentina, as medidas de isolamento começaram bem antes do Brasil e devem ser prorrogadas. “A linha da Ford em Pacheco estava em processo de atualização, mas agora parou tudo. Os planos serão adiados”, diz uma pessoa próxima às negociações. A Volkswagen informa que “o projeto permanece em fase de estudos.” A Ford não comenta planos futuros.
Para executivos ouvidos pela EXAME, o período mínimo previsto de postergação dos investimentos é de três meses, o que pode acarretar prejuízos lá na frente: sem grandes lançamentos, a indústria automotiva, que depende de novidades, vai padecer ainda mais.
De acordo com Murilo Briganti, diretor de produto da Bright consultoria automotiva, os impactos imediatos da crise do coronavírus são a redução drástica no fluxo de caixa das empresas, queda brusca na receita da rede de distribuição — principalmente os grupos de grande porte, que têm despesas maiores — e necessidade de repasse de custos devido à desvalorização do real, já que uma parcela importante dos componentes usados na produção nacional é importada.
“Essa é certamente a maior crise que já afetou a indústria automotiva”, diz Briganti. Segundo projeção da Bright, as vendas de veículos no segundo trimestre, no Brasil, devem recuar 53%. Para o ano, a estimativa é de uma queda de 13,9% em relação a 2019 — considerando o fim da quarentena no início de maio. Na produção, o declínio deve ser ainda maior, de 16,5%, impactada pela deterioração das exportações. Caso o cenário da covid-19 piore no país, a retração pode ser ainda mais brutal.
O consultor acrescenta que a indústria enfrenta a necessidade de captar vultosos investimentos para o desenvolvimento de novas tecnologias ligadas à eletrificação, automação e conectividade. Os recursos têm sido obtidos por meio de parcerias e alianças. “Essa crise afeta o setor justamente no momento que ele passa por sua maior transformação”.
Trabalhadores
Mais de 50 fábricas de montadoras anteciparam as férias coletivas dos funcionários da produção no país, diante da quarentena imposta pelo novo coronavírus. A ideia, segundo as empresas, é retornar aos trabalhos próximo do início do mês de maio. Reuniões têm sido feitas periodicamente na indústria para reavaliar o cenário.
Embora as montadoras consultadas pela EXAME não descartem medidas adicionais para conter os impactos negativos da pandemia, apenas a GM anunciou que está negociando redução da jornada e suspensão temporária do contrato de trabalho, mecanismo previsto em lei e conhecido como lay-off. Em ambas as hipóteses, haveria corte de salários.
A GM informou, em nota, que vem tomando medidas que “visam proteger a saúde dos colaboradores”, incluindo banco de horas, férias coletivas, planos de redução de custos e “adiamento de investimentos.” Ao mesmo tempo, ressalta a busca alternativas para “garantir o futuro do negócio.”
“Neste momento de crise sem precedentes e num esforço para manter os empregos, a empresa está discutindo com os sindicatos outras medidas, que incluem redução da jornada e lay-off”, disse a empresa em nota. “Importante ressaltar que essas medidas são emergenciais e temporárias, tendo como objetivo a preservação dos empregos, contribuindo com os esforços do governo federal e governos estaduais e municipais.”