Paulo Veras e a corrida de US$ 1 bilhão da 99: “Quase entregamos a empresa para os chineses”

A 99 táxi desbravou o mercado brasileiro de start-ups ao se tornar o primeiro unicórnio brasileiro. Em “Unicórnio verde-amarelo”, o co-fundador Paulo Veras narra os bastidores dessa corrida de 1 bilhão de dólares, desde a fundação em 2012 até a venda para a chinesa Didi, em janeiro de 2018.

No livro, escrito em co-autoria com a jornalista Tania Menai e que está sendo lançado esta semana pela Companhia das Letras, Veras revela histórias emocionantes e pouco conhecidas do negócio — que escapou por pouco de uma falência e passou por momentos tensos na negociação da venda para os chineses.

Nesta entrevista à coluna, Veras conta sobre os aprendizados com a 99, as mudanças no ecossistema de start-ups na pandamia e as suas apostas de novos unicónios.

Refletindo sobre a trajetória da 99 para escrever o livro, o que você teria feito diferente se pudesse reescrever a história?

Olha, a gente demorou para entender que seria um jogo de muito capital intensivo. Começamos com R$ 100 mil dos três sócios, que deu para tocar a empresa no primeiro ano. De repente chega a Uber com bilhões de dólares e dando enormes descontos. O jogo ficou caro e a gente sentiu. Não tínhamos dinheiro para competir com a Uber. Começamos a perder participação e em dado momento só tínhamos fôlego para mais oito meses. Olhando hoje, vejo que teria sido bem útil colocar alguém dedicado a levantar mais capital, mais cedo.

Outro aprendizado é entender que as regras do jogo são mutáveis. A gente era muito caxias, tinha postura de sempre seguir as regras do jogo. E quando a Uber entrou era ilegal transportar pessoas sem ser táxi. Aprendemos com eles que se uma lei é ruim, trabalhe para mudá-la. Saímos de uma postura inicial passiva e passamos a atuar na política pública para tentar mudar a regra.

Um dos momentos tensos do livro trata da venda da empresa. Como foi essa negociação? 

Negociar a venda é sempre difícil. E a gente estava vendendo para um sócio minoritário. Ele já conhecia bem o negócio, estava lá dentro, então não precisou fazer due diligence e tal. Mas houve uma tensão quando começamos a substituir o nosso código de programação no app pelo deles: de repente vimos que estávamos entregando a empresa antes de vender. E se a negociação não desse certo? Negociar com chineses foi um MBA em si.

Hoje você é um investidor em start-ups. O que você mais olha ao decidir fazer um investimento?

Minha cabeça é de empreendedor. Olho times que gostaria de trabalhar junto atacando problemas gigantescos. Gosto de entrar bem no comecinho e estar bem perto dos fundadores.

Os investimentos estão em alta, mas ainda há poucas saídas para os fundos de venture capital. O Brasil ainda não chegou em um ponto de maturidade? É uma questão de tempo?

É sempre bom lembrar que a grande maioria não vai dar certo. E é parte do jogo. O fato de ter muito mais startup, não aumenta a chance de cada uma dar certo, ao contrário. Mas o ecossistema nunca esteve tão forte. Fomos o primeiro unicórnio há dois anos e hoje já tem uns 20 dando retorno pra muita gente. Tem várias aquisições acontecendo e da fila de 200 empresas para abrir capital várias vieram de tecnologia.

Qual o impacto da pandemia para o mercado de venture capital? Os fundos sairão mais seletivos ou o excesso de liquidez vai continuar fomentando hypes irracionais, como empresas de patinetes? 

Acho que vai ter uma parcela que vai continuar fazendo besteira e outra que ficará um pouco mais seletiva. Tem muito dinheiro sobrando. Por outro lado, a pandemia reforçou a importância de controles e de uma boa governança. O pessoal entendeu que crescimento a qualquer custo não é incrível. Tinha muito a tese de que se está crescendo eu ponho mais dinheiro. Agora tem um pouco mais de profundidade. Como está crescendo? Lá na frente vai fazer sentido o quando a gente colocou de dinheiro?

E para o empreendedor? 

Empreender é provocar mudança. E na hora em que você tem uma pandemia e o mundo é forçado a mudar instantaneamente, isso cria muita oportunidade. O mundo de tecnologia foi extremamente acelerado. Muita gente que nunca tinha comprado pela internet, testou e gostou. É indiscutível que a adoção da tecnologia subiu de patamar. E não volta ao anterior. Vai ter mais vídeo conferência, mais home office e ferramentas de produtividade. É um bom momento para empreender.

Quais as suas apostas em termos de empresas/setores?

Nestes dois anos desde a venda da 99, já investi em 9 startups, de setores bem diversos. Entre elas, a Looqbox (inteligência empresarial) e a Digibee (plataforma de integração de sistemas e serviços). A Sami e a Alice, que estão levando dados para o setor de planos de saúde — um setor que premia a ineficiência. Tem uma que não está operacional, a K2, de consórcio, setor que tem muito para crescer. O brasileiro adora consórcio e esse segmento está parado na idade da pedra.

Na pandemia investi na The New Butchers, de hamburger de planta, um negócio que vai ser super importante para o mundo e para a saúde das pessoas. Tem também a Letz, que substitui o ônibus fretado de empresas por carro com três pessoas, pelo mesmo preço e que está bombando nesse momento pós-pandemia.

Outro setor que vai mudar bastante é o de educação. Investi na Arbyte, uma empresa que certifica pessoas para novas disciplinas, aquelas em que as pessoas aprendem sozinhas, como programação, data science, interface de usuário. A tese é que não importa onde você aprendeu. Se você é bom programador e é autodidata, não importa se você fez USP ou não. Devo investir em mais uma ou duas, não mais. E espero que os próximos unicórnios venham todos do meu portifólio. (risos)

*Para marcar o lançamento, os fundadores Paulo Veras, Ariel Lambrecht e Renato Freitas participam de um bate-papo com a mediação de Tania Menai. Nesta quinta-feira, dia 3, às 19h30, no canal da Companhia das Letras no Youtube.

 

FONTE: O GLOBO

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