Por que o petróleo ficou barato – e como isso afeta o mundo
O mundo está engasgando em petróleo. O preço do barril, cotado a US$ 100 em 2006, caiu quase 60% em dez anos – na quinta-feira, dia 21, mal passou dos US$ 29. O preço do petróleo é, fundamentalmente, o resultado de uma equação de oferta e de demanda. Quando o preço desaba ou dispara, cenários perigosos de desequilíbrio se formam – na economia e na geopolítica internacional.
A demanda por petróleo, nos últimos anos, caiu por causa do ritmo mais lento de crescimento das economias dos países grandes consumidores, como Estados Unidos, China, Japão e os países ricos da Europa. Ao mesmo tempo, a produção total mundial de petróleo seguiu o caminho inverso – 7,5 milhões de barris a mais por dia, entre 2009 e 2014, segundo a Agência Internacional de Energia (EIA, na sigla em inglês) –, a ponto de a oferta global, há dois anos, ter começado a ultrapassar a demanda.
O aumento incomum e inesperado da produção veio de uma variedade de fontes. Elas são, principalmente, oriundas da exploração nos Estados Unidos do folhelho, uma rocha capaz de gerar gás energético e uma outra modalidade de óleo, o “tightoil”(em tradução livre para o português, “petróleo apertado”). No final de 2012, graças ao folhelho e também ao aumento da extração nas águas profundas do Golfo do México, a produção de petróleo dos Estados Unidos superou a da Arábia Saudita – até então, a maior produtora mundial. O cenário atual de excesso de oferta é resultado também de uma decisão tomada, no final de 2014, pela Arábia Saudita (menor custo de produção de petróleo do mundo). Numa decisão surpreendente, ela se recusou a cortar a produção de petróleo para manter os preços (leia no quadro outros países que entram na conta do petróleo).
O movimento dos sauditas teve dois objetivos. O primeiro se deve a uma tentativa de recuperar a fatia do mercado que antes dominava, tentando expulsar produtores de custo mais elevado, como os que exploram o folhelho. O outro visa minar o principal rival da Arábia Saudita no Oriente Médio, o Irã. Após a revogação das sanções econômicas internacionais contra o país, em seguida ao acordo nuclear com as principais potências mundiais, o Irã está pronto para começar a exportar petróleo novamente para o mercado internacional.
Apesar dos ganhos decorrentes da suspensão das sanções, o Irã, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), precisa que o preço do petróleo chegue a US$ 100 por barril para conseguir equilibrar seu orçamento. Na disputa por influência no Oriente Médio, o objetivo da sunita Arábia Saudita é impedir que o xiita Irã fomente governos e grupos armados aliados na região.
“O colapso dramático dos preços do petróleo é o resultado de uma guerra de preços iniciada pelos sauditas contra os produtores de petróleo que não fazem parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep)”, diz Tyler Priest, historiador do petróleo da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos.
A última vez que o preço do petróleo teve uma queda significativa, no fim dos anos 1980, empurrou a União Soviética para o buraco e ajudou a desmoronar o império soviético. Agora, a queda deve causar solavancos políticos importantes – inclusive em países que são membros da poderosa Opep, como Angola, Nigéria e Venezuela. A essa lista, podem ser acrescentados países que não fazem parte da organização, como Brasil e Rússia.
A crise econômica na Venezuela, que aos poucos tem levado o chavismo à derrocada, é efeito direto da queda do preço do petróleo. A receita da Venezuela depende em 96% da venda de petróleo bruto. Com ela, o país financia as importações de quase todas as outras mercadorias. Como as exportações de petróleo caíram, os venezuelanos sofrem agora uma severa crise de desabastecimento.
Assim como Hugo Chávez, na Venezuela, se beneficiou politicamente da alta dos preços do petróleo, a disparada da popularidade de Vladimir Putin, na Rússia, coincidiu também com o período em que o valor do barril do óleo chegou às alturas. Os resultados das vendas de petróleo e gás representam metade da receita do governo russo. Por causa da derrocada dos preços, a projeção para a economia russa neste ano é de uma contração de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Em um cenário de crise, só restará a Putin, para mostrar força interna, flexionar os músculos militares.
A queda dos preços deve ter também um efeito devastador na indústria de petróleo. Só em 2015, a indústria paralisou mais de 1.000 plataformas de perfuração e registrou um corte de gastos de US$ 100 bilhões. Uma análise da CreditSights, agência independente de pesquisas dos Estados Unidos, projeta que 20 empresas americanas do setor de petróleo deverão falir nos próximos meses. “Há uma total carnificina na indústria de petróleo no momento. Dezenas de pequenas companhias petrolíferas e empresas de perfuração nos Estados Unidos entraram com pedido de falência, e provavelmente haverá muitos mais para vir”, afirma Priest, da Universidade de Iowa.
Mesmo os gigantes petrolíferos estão sentindo os impactos negativos. Sete dos 20 maiores produtores de petróleo e de gás dos Estados Unidos e da Europa destacaram perdas no terceiro trimestre de 2015. “Quando o preço do barril estava alto, as petroleiras lançaram muitos projetos que não estavam maduros tecnicamente, pois o mais importante era garantir logo receita. Os erros de muitos projetos estão aparecendo agora”, diz Dario Gaspar, sócio e responsável pelo setor de óleo e gás da consultoria A.T. Kearney. Ninguém sabe quando os preços do petróleo voltarão a subir e muitos especialistas apostam que o atual ciclo deverá ter efeitos duradouros. Fontes renováveis de energia poderão ganhar mais espaço e investimentos, alternativas ao petróleo ganharão força e países que sempre dominaram o abastecimento mundial de energia – e por consequência determinaram seus preços – terão de se adaptar a uma nova configuração para se manter no mercado.
Por Graziele Oliveira e Rodrigo Turrer, da Revista Época.