Setor automotivo está em estágio de transformação

Evolução tecnológica é rápida e modifica o ecossistema empresarial

PEDRO KUTNEY, AB

Bacellar, da KPMG: indústria precisa adotar uma agenda para ontem (foto: Luis Prado)
A indústria automotiva mundial se encontra no limiar de um estágio de transformação profunda, que muda a relação com seus clientes e fornecedores, e por consequência transforma a maneira de desenvolver, fazer e vender seus produtos, hoje vistos na forma de veículos conectados em rede móvel de dados, com introdução de sistemas automáticos e direção autônoma. Ao mesmo tempo em que esse novo ecossistema desafia empresas tradicionais e lentas para promover mudanças em seu modelo de negócios, também significa que existem novas oportunidades de mercado que poderão ser aproveitadas pelas montadoras que adotarem uma postura de liderança nesse processo. Essa foi a principal mensagem de Ricardo Bacellar, diretor de relacionamento com o setor automotivo da consultoria KPMG, em sua palestra durante o Workshop Indústria 4.0 e a Revolução Automotiva, realizado em São Paulo por Automotive Business na segunda-feira, 2.
Na mesma linha, Paulo Cardamone, diretor da Bright Consulting, avalia que as empresas do setor automotivo precisam “olhar o futuro, para voltar ao presente e tomar decisões para influenciar esse futuro”. Ele aponta que existe uma revolução tecnológica do automóvel em curso que está transformando a indústria rapidamente, com exigências cada vez maiores de aumento de segurança, mais conectividade e redução do consumo e emissões. Isso também muda a relação com os consumidores, cada vez mais conectados, que exigem o aumento das relações virtuais. “Nesse cenário, as montadoras têm de reduzir as margens e manter os preços, mas também podem aproveitar novas fontes de receitas que surgem com o tráfego de dados”, pontua.
Bacellar alerta que não se trata de exercício de futurologia, mas de realidade atual, à qual a indústria precisa se adaptar rapidamente, sob o risco de ficar para trás e perder clientes e faturamento. “É preciso estar preparado para as transformações e mudar, mas um passo em falso pode custar muito caro. Um exemplo são as empresas de telecomunicações, que não aproveitaram diretamente inovações que surgiram em seu meio, como Facebook ou Whatsapp”, diz o consultor. “Os ciclos de renovação hoje são mais curtos e constantes. É como um smartphone, que fornece o máximo de inovação em todo seu tempo de vida. Os automóveis também precisam seguir essa velocidade evolutiva para conquistar o novo consumidor”, avalia.
“AGENDA PARA ONTEM”
O consultor da KPMG entende que o carro continuará ainda a ser um bem de consumo aspiracional, mesmo com a queda de interesse dos mais jovens por ter um automóvel e o surgimento de plataformas de compartilhamento de veículos. “O carro compartilhado será um bem básico, enquanto o particular seguirá sendo atrativo desde que ofereça os diferenciais que esses jovens querem, como um ambiente 100% conectado e funcionalidades tecnológicas”, explica.
Para lidar com esses novos tempos, Bacellar sugere uma “agenda para ontem”, em que os fabricantes de veículos e seus sistemas precisam começar a tomar medidas desde agora para aproveitar as oportunidades de mercado que surgem. “Ficar parado já é ficar atrasado. A indústria automotiva precisa tirar proveito das novas tecnologias liderando as transformações, para não ter perdas como aconteceu com as empresas de telecomunicações”, enfatiza.
Entre os temas dessa agenda urgente, um dos principais é a mudança do modelo de negócio e a rápida adaptação a uma nova relação com os clientes, que hoje tomam decisões de compra em tempo real. É necessário ampliar os canais de relacionamento on-line e criar programas de fidelidade, aos moldes dos programas de milhagem das companhias aéreas, para influenciar e aproveitar os desejos de consumo. “A conectividade dos automóveis está criando um fluxo de dados imenso. Essa informação é ouro em pó que pode criar novas receitas como o fornecimento de serviços, por exemplo”, destaca Bacellar.
Contudo, para tirar proveito dessa oportunidade, o consultor alerta que as montadoras vão precisar investir mais em análise de dados (data analytics) e também em sistemas de segurança para proteger essas informações. “Haverá possibilidade, por exemplo, de um motorista fazer um check-up médico enquanto dirige, mas é o tipo de informação confidencial que precisa ser protegida. Mas a segurança nunca foi um impeditivo para nenhuma evolução tecnológica, basta aprender com o setor bancário, que conseguiu migrar seu atendimento para a internet com todas as precauções necessárias”, pontua.
Os processos produtivos e a cadeia de valor da indústria automotiva também passam por transformações. As linhas de produção estarão cada vez mais conectadas e vão fazer carros mais customizados. Alguns fornecedores irão desaparecer ou realinhar seus negócios para uma nova realidade, mas também novos participantes vão surgir, como fornecedores de baterias ou de seguros que poderão ser adquiridos on-line pelos compradores de automóveis.
BRASIL
Todas essas questões têm endereçamento lento no Brasil, mas também chegam por aqui. “A maioria das evoluções tecnológicas acontece primeiro nos países desenvolvidos, mas hoje isso vem mais rápido aqui e nossa vantagem é que chega em estágio mais aprimorado, nós também vamos tirar proveito disso”, resume Ricardo Bacellar.
Paulo Cardamone alerta que a indústria automotiva instalada no País segue atrasada em relação à evolução global, porque não resolveu seus problemas de competitividade enquanto tinha fôlego para isso, nos anos de crescimento econômico, e agora em período de recessão será difícil destinar investimentos ao desenvolvimento e modernização do setor. “O Inovar-Auto trouxe pouca inovação, foi insignificante. Deveremos atingir os níveis de consumo e emissões porque foi o único item do programa que tinha metas, prazos e multas. Mesmo assim, ainda ficaremos desfasados em relação ao resto do mundo”, critica.
Para Cardamone, o mercado brasileiro de veículos deverá continuar no nível máximo de 2 milhões de unidades por pelo menos três anos. “O problema é que esse volume não é suficiente para todas as 30 marcas que estão aqui”, destaca. Ele também avalia que as exportações, embora crescentes, não terão força suficiente para cobrir a enorme ociosidade aberta nas linhas de produção, que já ultrapassa os 50% neste início de 2016. “Câmbio não resolve os problemas de competitividade de ninguém, até porque ninguém sabe por quanto tempo a cotação fica no nível atual. Exportar um veículo não depende só do câmbio favorável. Existe excesso de capacidade produtiva no mundo todo em torno de 30% e até 2020 as montadoras já traçaram seus planos de onde e para onde vão exportar. É preciso ter produto e custo adequado para isso, coisa que o Brasil ainda não tem”, ressalta.
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