SP: A lei dos desmanches
A nova lei que regulamenta de forma muito mais rígida o desmonte e a reciclagem de veículos – uma das medidas nas quais o governo paulista aposta para reduzir o latrocínio e o roubo de veículos, crimes estreitamente ligados e que têm crescido muito tanto na capital como no interior – pode realmente produzir bons resultados. O destino de dezenas de milhares de carros, caminhões e motos roubados todos os anos são oficinas de desmanche que funcionam mancomunadas com os bandidos. É importante quebrar a ligação que alimenta esse negócio criminoso.
O aumento do índice de latrocínio foi de nada menos que 42,9% na capital, em novembro, e de 33%, entre janeiro e novembro do ano passado, em comparação a igual período de 2012. O de roubo de veículos foi, respectivamente, de 38,8% e de 13,7%. Em números absolutos, estima-se que foram roubados no ano passado cerca de 90 mil veículos em São Paulo. Não há dados precisos sobre isso, mas as autoridades da área de segurança pública calculam que 50% dos latrocínios tenham ligação com o roubo de veículos, de forma indireta, com os desmanches que funcionam como receptadores.
Há muito é sabido que o roubo de veículos – que frequentemente leva à morte do proprietário, porque ele reage ou porque os ladrões, inexperientes, se assustam e se descontrolam – alimenta o negócio milionário de oficinas que os desmancham para a venda de peças. Existem na capital cerca de 250 mil desmanches – dos quais 10% clandestinos -, onde são desmontados perto de 100 mil veículos todos os anos. Uma moto, por exemplo, é desmontada em 20 minutos. Esse é um mercado que movimenta R$ 200 milhões por ano.
É difícil de compreender por que se demorou tanto tempo para atacar para valer um negócio desse vulto, ligado a um dos crimes mais temidos pela população. Porque até a aprovação dessa lei os desmanches só eram atacados de vez em quando, em operações que produziam mais barulho do que resultados.
A legislação anterior tinha falhas graves. Ela permitia enquadrar o dono da oficina no crime de receptação, mas não fornecia instrumentos para impedir que ele continuasse a funcionar. Agora, para vender peças legalmente, os desmanches terão de ser cadastrados tanto no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) como na Secretaria Estadual da Fazenda. Para que possam ser rastreadas e controladas, as peças terão de ser identificadas e ter notas fiscais eletrônicas. Serão também verificados os antecedentes dos proprietários dos desmanches e de seus empregados para que os envolvidos em crimes contra o patrimônio sejam impedidos de atuar no negócio. E a revenda de peças no atacado, por essas oficinas, fica proibida.
Com todas essas medidas, o governo aposta que o número de empresas que atuam nesse setor vai diminuir bastante, o que facilitará o controle das restantes. As primeiras reações à nova lei mostraram que o governo contará com o apoio das que restarem, interessadas em se livrar da concorrência desleal e em limpar a imagem do setor, há muito ligada a atividades criminosas.
Se a lei for rigorosamente aplicada, além do grande objetivo de reduzir os altos índices de roubo de veículos e de latrocínio a ele associado, haverá também benefício econômico para os proprietários. O seguro dos veículos deverá ficar mais barato e, tendo São Paulo 42% desse mercado, isso terá importante impacto.
Tudo isso, porém, esbarra num velho e grave problema da administração pública, que é a deficiência da fiscalização. Por melhor que seja essa lei – a exemplo de tantas outras -, ela de pouco valerá, se o governo do Estado não se empenhar a fundo para vencer as conhecidas dificuldades desse setor e assegurar o seu escrupuloso cumprimento. Como o que está em jogo é a vida de muitos paulistanos, e como o governador Geraldo Alckmin deixou claro seu empenho nesse sentido, é de esperar que dessa vez, finalmente, se ponha ordem nos desmanches.
Do Jornal Estado de S. Paulo.