Trânsito e os presidenciáveis
No último debate à presidência, ainda no primeiro turno, não descolei os olhos da televisão na expectativa de que algumas perguntas essenciais fossem feitas aos candidatos, mas nada! Não sei se ficaram no fundo da cestinha do apresentador ou se não foram levadas em conta mesmo. Pior é quando se lê o programa de governo dos presidenciáveis e nada se encontra de relevante em relação ao trânsito. Afinal, vivemos em um país em que morrem anualmente mais de 60 mil pessoas em acidentes de trânsito, mais de meio milhão ficam sequelados, pendurados nas cordas da Previdência, que já gasta mais de R$ 40 bilhões por ano por conta de vítimas de acidentes de trânsito.
Tudo isso onera o atendimento em hospitais públicos, atrasa cirurgias eletivas, sobrecarrega as equipes médicas, ocupa leitos de UTI que poderiam e deveriam ser ocupados por pacientes com doenças por causas naturais. A cada 10 leitos de UTI, 7 são ocupados por acidentados de trânsito. Em todo o país, mais da metade dos atendimentos de emergência feitos pelo Corpo de Bombeiros – uma instituição criada para apagar fogo – é para socorrer vítimas de acidentes.
Talvez, alguns se perguntem, o que trânsito tem a ver com política ou com agenda dos presidenciáveis. Mas, tem muito sim. Na pasta da Saúde e da Previdência, pesam as cirurgias de politraumatizados em acidentes de trânsito. Pesam os auxílios e os seguros e os demais atendimentos previdenciários, que oneram ainda mais a Previdência.
Na economia e nas políticas econômicas, trânsito pesa muito, porque pratica-se um tipo de política do morde e assopra em que se privilegia as montadoras incentivando a população a comprar mais carros e motos sem oferecer estradas decentes e seguras para se rodar. Olha aí a pasta da Infraestrutura!
O modal rodoviário é o que transporta a expressiva parte da riqueza produzida no país, cargas vivas morrem, perecem e apodrecem enquanto os caminhoneiros ficam parados em estradas interrompidas por catástrofes naturais ou por catástrofes causadas pela má qualidade do material asfáltico. A própria BR-101 tem trechos em que o asfalto termina e o caminho deve ser feito por pontilhões de madeira, em estrada de barro, lama, buracos, sem sinalização, em que é comum tombarem caminhões e vidas.
Por isso, é que o trânsito e a segurança das pessoas no trânsito é um tema que não poderia ter faltado nos debates, nos programas de governo dos candidatos à todos os cargos eletivos em todas as esferas de governo e até nos discursos de campanha.
Nas casas legislativas do país tem-se bancada de tudo: bancada disso, bancada daquilo, bancada não sei do quê, mas quando será que se elegerão homens e mulheres compromissados com a bancada da proteção à vida no trânsito?
Não incluir trânsito em plataformas de governo mostra o despreparo de candidatos à todas as esferas de governo em um país em que morrem mais pessoas no trânsito do que em guerras, do que todas as doenças cardiovasculares juntas. Mas, será que isso não é importante para o país que não pára de contar mortes e prejuízos no trânsito?
“Candidato, o que o senhor ou a senhora pretende fazer para evitar que tantas pessoas morram e fiquem sequeladas no trânsito, já que os custos oneram grande parte dos serviços públicos, sobretudo em Saúde, Infraestrutura e Previdência Social?” Será que iam saber responder? Será que sabem do que se trata?
“Candidato, no país não é só a indústria automobilística que gera empregos. O que o senhor ou a senhora pretende fazer a respeito do incentivo para a compra de veículos novos se o governo não dá conta nem de fazer a manutenção da malha viária já existente?”
“Candidato, o senhor ou a senhora têm a estimativa de custos de acidentes de trânsito no país? Têm ideia do que daria para gerar de benefícios para a população o combate à violência no trânsito, que já mata mais do que armas de fogo, até então a expressão máxima da violência urbana?”
“Candidato, se for eleito, o senhor ou a senhora, pretende continuar utilizando a verba arrecadada e administrada pelo FUNSET para pagar outras dívidas e compromissos da União ou vai, realmente, cumprir com o compromisso de investir em políticas e ações para a diminuição da violência no trânsito?”
Claro, que têm muito mais perguntas em relação ao trânsito que gostaríamos de ver respondidas pelos candidatos em todas as esferas eletivas de governo, mas que não foram feitas, não entraram em pautas, em discursos, em listas de prioridades ou em programas de governo. Por exemplo, o que os candidatos que se dizem tão arrojados e preocupados com o futuro do país pensam de estarmos vivendo em pleno século 21 e com um Código Penal medieval de 1941. Ou, ainda, o que pensam sobre penas brandas para quem mata no trânsito, seja sóbrio ou de cara cheia. E por aí vai…
Enquanto as questões nevrálgicas e mais do que urgentes relacionadas ao planejamento, gestão e problemática do trânsito no país não forem levadas a sério, continuaremos assim: pequenos, pitocos, nanicos de pensamento e de intenção. Não adianta jurar amor eterno ao nosso povo e à Constituição do nosso país enquanto aquilo que justifica a existência da própria Carta Magna não for respeitado: a vida.
Fonte: Porta do Trânsito