Versão invertida do dilema de Tostines

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Apesar do amplo leque de promoções que montadoras e concessionários vêm adotando, a média diária de vendas permanece abaixo de 11 mil unidades. Com isso, as vendas de veículos mantêm 220 mil unidades/mês como teto, o equivalente a 2,7 milhões/ano, cerca de 20% abaixo do ano passado, conforme comprovaram os dados divulgados nesta semana pela Fenabrave.
As promoções têm sido fartas e generosas: descontos, financiamento sem juros, troca com troco e muito mais. Nada disso, todavia, conseguiu impedir que diversas montadoras entrassem neste junho com funcionários horistas em férias coletivas, último recurso para reduzir estoques.
Acontece que, desta vez, ao contrário do ano passado, o esfriamento do mercado não se deve a questões financeiras diretas. A crise, agora, conforme define Décio Carbonari, presidente da Anef, é basicamente de confiança. O que, aliás, a torna mais complexa e difícil.
Em 2014, vale recordar, as vendas de automóveis esfriaram depois que a inadimplência nos financiamentos automotivos subiu, algum tempo antes, para além de 7% e então os banco privados, para se proteger, aumentaram a seletividade na concessão de crédito: passaram a recusar 60% das solicitações para financiamento acima de 24 meses, índice que subia para 70% nos prazos superiores a 36 meses. E a opção de 60 meses foi eliminada.
Consumidores interessados em comprar carros novos continuavam existindo a mão cheia. No entanto, muitos e muitos deles passaram a esbarrar nesta maior seletividade do crédito.
Na área de caminhões, que é umbilicalmente dependente do Finame, o resultado do inicio do ano passado foi prejudicado pela demora do governo federal em formalizar as regras para o novo período que se iniciava, bem como pela mudança na operação da linha por parte do BNDES. O que derrubou as vendas nos dois primeiros meses de 2104 e gerou estoque que montadoras e concessionários carregaram até quase o final do ano.
Lição vivida, lição aprendida. E, assim, todos trataram de interromper a produção nos meses finais de 2014 para ingressar no novo ano com estoques mais próximos dos normais.
Mas aí veio a nova surpresa: outras mudanças nas regras do Finame já em janeiro aumentaram os juros e reduziram sensivelmente a parte do valor do veículo que poderia ser financiado. Desta vez as financeiras dasmontadoras reagiram rápido: logo passaram a bancar o financiamento da parte não finamizável em condições bem próximas às do Finame.
Só que, nesta altura das coisas, as novas projeções para o PIB do ano já haviam invertido o sinal. E nada gera mais insegurança nos empresários do transporte de carga do que projeção de PIB negativo, sinônimo de menos cargas e fretes depreciados. Consequência: mesmo com o entrave de crédito razoavelmente equacionado pelas montadoras e suas financeiras, a crise de confiança manteve até agora o mercado de caminhões frio como há muito não se via.
No caso dos automóveis, o poder aquisitivo relativo dos consumidores foi de fato comprometido no inicio do ano pelo fim dos incentivos de IPI e aumento dos juros.
Tudo isto, todavia, poderia ter sido revertido até com certa facilidade pelas generosas promoções logo acionadas pelas montadoras e concessionários. Só que, neste meio tempo, a inflação em alta, centrada nos alimentos e na pesada elevação no preço da energia elétrica, já fizera sumir do orçamento a folga antes destinada à prestação do carro novo.
E, para complicar, entra em cena outro fator ainda mais decisivo: férias coletivas nas montadoras, lay-offs, PDVs e demissões em massa ganham espaço nos noticiários da televisão. Muitas vezes nos mesmos noticiários em cujos intervalos comerciais as promoções das montadoras eram anunciadas. Um anulando o outro.
Foi assim que mais uma vez a história se repetiu: com agilidade e rapidez, montadoras e concessionários logo equacionaram o lado financeiro do esfriamento do mercado. Mas, quando isto aconteceu, a crise de confiança gerada pelo temor dos consumidores em relação à manutenção futura do emprego já anulava a tentação de compra gerada pelas ofertas.
Vivemos hoje, em síntese, neste setor, uma espécie de versão invertida do chamado dilema de Tostines:
Indústrias e concessionários demitem porque a insegurança dos consumidores não permite que vendam? ou, na direção oposta,
As demissões geram a insegurança nos consumidores que impedem as montadoras e seus concessionários de vender?
Dúvidas tostinianas a parte, o certo é o que o setor automotivo mais uma vez entrou nesta espiral negativa extremamente perigosa: a falta de confiança dos consumidores derruba as vendas, o que aumenta os estoques, interrompe a produção e força novas demissões que, por sua vez, aumentam ainda mais a insegurança dos consumidores…
O grande desafio, agora, é inverter o sentido desta rotação e abrir um novo ciclo, desta vez positivo, no qual contratações aumentem a segurança dos consumidores, o que eleva as vendas, reduz os estoques, gera maior produção e provoca novas contratações que, por sua vez…
Fonte: AutoData

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