Segunda fase do carro elétrico no Brasil completa 10 anos com muito trabalho a ser feito
A usina de Itaipu Binacional está comemorando os 10 anos do Programa Veículo Elétrico, iniciado em 2006 em parceria com a KWO, uma hidrelétrica suíça. O primeiro fruto do projeto já foi colhido em 2007, com a homologação do protótipo de um Fiat Palio Weekend elétrico. “Como não tínhamos nenhum especialista na área automotiva, procuramos por empresas que entendiam do ramo. Neste primeiro momento, apenas a Fiat se interessou em participar do projeto. O desenvolvimento do veículo foi rápido graças ao conhecimento compartilhado pela KWO”, relembra Celso Novais, coordenador do Programa VE.
A perua elétrica tem autonomia de 110 quilômetros e desenvolve velocidade máxima de 110km/h. O protótipo foi homologado para rodar nas ruas, com direito a testes de impacto e tudo o mais que era necessário, dando origem à produção de 100 veículos iguais, usados em Itaipu e na frota de várias empresas em caráter experimental. Concluído esse primeiro desafio, uma nova questão veio à tona, conta o coordenador do Programa VE: do que adianta fazer um veículo elétrico sem termos postos de abastecimento ou pessoal para fazer a manutenção?.
SOLUÇÕES A partir daí, foram desenvolvidas várias tecnologias ligadas ao veículo elétrico, a começar pela bateria de sódio, um projeto do Parque Tecnológico de Itaipu. Inicialmente, as baterias de tração foram importadas, uma vez que o Brasil estava muito defasado nesse setor. Esse tipo de bateria apresenta muitas vantagens: são estáveis (não explodem), não têm efeito memória e sua durabilidade é longa, chegando a 15 anos. Além disso, seus componentes são baratos e estão disponíveis em abundância. Do ponto de vista ambiental, elas são 100% recicláveis, e com baixo custo. “O custo da reciclagem da bateria de sódio corresponde a 1% do seu valor de produção, enquanto a reciclagem da bateria de lítio custa o dobro do seu valor de produção, por isso não e feita”, avalia Celso Novais.
Mas essa bateria tem uma desvantagem. Como ela não pode ser dividida em vários módulos, de forma a preencher os espaços ociosos do interior do veículo, acaba tendo um volume grande, inviabilizando seu uso em veículos de passeio. Em compensação, ela é uma opção interessante para veículos maiores, como ônibus. Outro tipo de uso para as baterias de sódio pensado pela equipe do Programa VE é em uma engenhosa estação de recarga de veículos elétricos. Como de forma geral as redes de energia locais não estão dimensionadas para o abastecimento rápido de vários veículos elétricos ao mesmo tempo, foi desenvolvido um sistema baseado no conceito caixa d’água. Trata-se de um contêiner cheio de baterias que são recarregadas lentamente para não sobrecarregar a rede, porém capazes de fazer a recarga rápida de vários veículos simultaneamente.
A equipe de Itaipu também desenvolveu um eletroposto para recarga de veículos elétricos. São centenas espalhados dentro da usina e em alguns pontos na cidade de Foz do Iguaçu. Também voltado à recarga de elétricos, foi construída uma garagem para dois carros com o telhado repleto de painéis fotovoltaicos, o bastante para recarregá-los sem recorrer à rede elétrica. Já o Programa de Mobilidade Elétrica Inteligente (mob-i) faz a gestão em tempo real de uma frota de 22 veículos dentro de Itaipu, em Curitiba e em Brasília, fornecendo uma plataforma para o compartilhamento. Por meio do aplicativo do mob-i, o usuário tem acesso à localização desses veículos, podendo se deslocar até o mais próximo disponível.
VEÍCULOS Dentro do galpão onde funcionam diversos laboratórios do Programa VE, o visitante “esbarra” com várias curiosidades. Uma das maiores surpresas é uma compacta linha de montagem do pequenino Renault Twizy. Em regime de CKD, já foram montados 17 de um total de 32 veículos. Claro que não se trata de uma produção voltada para a comercialização do carrinho elétrico, mas um estudo de tecnologias, assim como a proposição de ideias para seu aprimoramento. A frota do Programa VE ainda tem para estudos os Renault Zoe e Fluence elétrico, BMW i3 e os Fiat 500e e Panda elétrico.
Depois do Fiat Palio Weekend, a equipe do Programa VE ainda desenvolveu um Agrale Marruá 100% elétrico, com direito a tração 4×4, e dois ônibus elétricos. Visto que o híbrido é uma solução para o momento, já que não precisa de nenhuma infraestrutura adicional a ser implementada, um dos projetos mais promissores é o ônibus híbrido a etanol. “Na Europa, que usa o diesel no ônibus híbrido, a redução das emissões é de 30% a 40%. No Brasil, com o etanol, a queda das emissões varia entre 80% a 90%. Nós temos atualmente o percentual de emissões que a Europa terá apenas em 2025”, compara Celso Novais. Outro projeto em andamento é um Veículo Leve sobre Trilho (VLT) elétrico, mas um dos feitos mais importantes da equipe foi o desenvolvimento de um avião elétrico tripulado.
IMPACTO E qual seria o impacto se, da noite para o dia, todos os carros emplacados no Brasil passassem a ser elétricos? Haveria produção de energia elétrica suficiente para mais essa demanda? Nas contas de Celso Novais, sim. Ele levou em conta dados de 2011, quando a frota de carros do país era de 34 milhões de veículos e o emplacamento anual de automóveis e comerciais leves estava na casa dos 3,4 milhões. Considerando um veículo que roda em média 60 quilômetros por dia, haveria um acréscimo de 3,3% no consumo de energia. Como a renovação completa da frota ocorreria em 10 anos, no fim desse período seria necessário aumentar a produção de energia em 33%. “Como haveria um aumento gradual da demanda, a produção de energia elétrica daria conta do recado. Portanto, não existe essa preocupação”, garante Celso.
Por Pedro Cerqueira, do Jornal Estado de Minas.