A habilidade do inovador de ignorar regras

Monica Magalhaes*

“To live outside the law, you must be honest”, Bob Dylan

 

Qualquer negócio que escolha empreender, uma coisa é certa: você irá tomar algum risco.

Provavelmente investirá todo seu capital em um sonho que pode mudar sua vida. Todo empreendedor estuda bem os espaços da lei antes de iniciar o seu negócio e normalmente opera dentro do seu limite, muitas vezes se colocando em risco ao longo da exploração e crescimento da empresa. Esse é o empreendedor risk-taker.

Mas aí tem outro tipo de empreendedor que é o startupeiro, e aqui é outra história. Lidar com a inovação disruptiva é trabalhar em meio ao incerto e ao desconhecido. Se ideia a ser explorada é um serviço que não existe, então por consequência não existem órgãos regulatórios ou leis que a regulamentam. Para esse tipo de empreendedor o risco vai além, ele entra no negócio sem saber ainda por qual motivo poderá no futuro ser julgado ou penalizado. Esse é o empreendedor risk-maker, aquele que constrói o próprio risco.

Quando a Uber chegou em São Paulo em 2014 haviam duas formas  para começar a explorar o negócio.

A primeira opção era ir até as cooperativas de táxi, negociar um acordo com taxistas para inclusão de todos no sistema, alinhar as taxas, fazer lobby e depois submeter à prefeitura uma proposta de credenciamento de um modelo de serviço novo, que contribuiria com a geração de empregos e melhoria na mobilidade para a cidade. Isso demandaria um ciclo longo de tempo, custoso em debates entre a empresa, os taxistas e as autoridades, muitas mudanças seriam feitas na ideia original até que todos os requisitos fossem cumpridos e a empresa estivesse apta a funcionar.

Mas existe uma segunda opção que foi a escolhida: ignorar completamente os grupos que organizam as atividades, as regulações locais e simplesmente escolher um lugar adequado aos testes e iniciar a operação. Essa opção pode expor o empreendedor ao risco de uma multa por exercício indevido de tal atividade, fechamento do seu negócio ou até mesmo o risco de ser preso.

Mas também pode funcionar.

Se seu produto ou serviço se mostrar necessário para o consumidor, ele irá se popularizar rapidamente e quando as categorias protetoras do uso do lampião começarem a se unir para barrar a sua entrada, então será tarde. Todas as tentativas de barrar a Uber só a tornaram mais popular. Desde o seu desembarque nas cidades brasileiras foram quase 2 anos até que chegou a hora da regulamentação. Durante esse período, a empresa se muniu de dados e pesquisas sobre a aceitação do seu serviço pela população e a prefeitura de São Paulo, por exemplo, não teve outra alternativa a não ser aceitar os termos propostos pela empresa do aplicativo. Em pesquisa Datafolha em 2016, 8 a cada 10 paulistanos já conheciam a empresa e 93% avaliaram o serviço como ótimo ou bom. É preciso trabalhar muito e fazer bem feito para provar seu valor no “tempo da ignorância”.

Imagine uma empresa que está construindo carros autônomos, claro que em algum momento será preciso testar e validar essa inovação em ambiente real. Novamente temos duas opções. A primeira é fazê-lo junto com as autoridades locais, que certamente irão propor uma série de regras, restrições e alterações em seu projeto inicial limitando a quantidade de dados coletados para sua prova de valor. Porém, ao final desse processo de testes monitorados o resultado poderá ser um produto ou serviço mais seguro e pronto para ser lançado no mercado.

E tem a segunda opção, que é simplesmente colocar vários carros pelas ruas da cidade e esperar para ver o que acontece.

Se um fiscal de trânsito, por exemplo, observar um carro dirigindo corretamente, mas sem motorista, qual infração segundo a lei vigente ele poderá estar infringindo? Em algum momento, os testes deixarão de ser testes e passarão a ser o próprio negócio em operação. Quando isso acontecer, muitos carros estarão pelas ruas e isso irá chamar a atenção das autoridades. A empresa então poderá ser autuada. Até lá, muitos dados foram coletados para que o inovador possa provar que seu serviço é seguro, traz benefícios ou é essencial à população.

Claro, existe o risco do inovador não se sair bem em seus testes. Se houverem acidentes ou mortes nesse período será muito difícil que as autoridades concedam qualquer tipo de autorização.

Existe um ditado que diz “é melhor pedir desculpas do que pedir por favor”.

Cuidado, aqui tem um detalhe que faz toda a diferença no caso do inovador quando falamos em ignorar regras. Inovar em um ambiente altamente regulado é como nadar em um oceano azul, mas aqui não existe espaço para falhas. É preciso ter certeza de que sua ideia irá funcionar. Pois falhar não se resume apenas em um pedido de desculpas, será a morte do seu negócio.

Foi assim com a chegada do Uber, Airbnb, Yellow e Grin. O poder público não pode enquadrar os novos modelos de negócio com base nas leis existentes, não funciona assim. E nunca o direito irá se antecipar e acompanhar as inovações, pois é preciso tempo para trazer clareza e entendimento a todos os envolvidos sobre como novas tecnologias funcionam.

Em 2015 surgiu o conceito de Sandbox Regulatório, que são esses ambientes abertos para testes, mas com acompanhamento das autoridades competentes. Um baita incentivo para o universo das startups que irá impulsionar muitas inovações. Inicialmente desenhado para o mercado financeiro porém com a aprovação na Câmara dos Deputados na semana passada do Marco Legal das Startups esperamos ver o Sandbox se expandindo para outras verticais de negócio.

Um ótimo dia e até a próxima terça-feira, be fearless!

* Monica Magalhaes é especialista em Inovação Disruptiva, Future Thinker e mentora de startups

Fonte: Época Negócios

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