Flavio Tavares, diretor da GolSat e PARAR Leader
“Meu sonho é ter um grupo de empresas comprometidas em transformar a mobilidade e a vida das pessoas”
Sempre foi preciso se pensar muito no hoje para se concretizar um melhor amanhã, mas na história da segurança viária brasileira, são as escolhas do ontem que refletem nossos desgostos do hoje. Um país construído, do ponto de vista do trânsito, sem muitas preocupações com o futuro, só pode ter como resultado o caos operante e as primeiras colocações entre as nações que mais mata no trânsito no mundo. Felizmente, as coisas parecem mudar. E, mesmo observando a realidade atual, muita gente aposta no otimismo de daqui a pouco. É o caso de Flavio Tavares, diretor de marketing e vendas da GolSat e PARAR Leader. Nosso entrevistado desse edição da Revista SINDLOC-MG detalha sua visão sobre o trânsito no país e quais seus olhares para o futuro.
Por Leandro Lopes, da Revista SINDLOC-MG.
Revista SINDLOC-MG – Você tem uma atuação – muito a partir do PARAR, de uma preocupação com o futuro do trânsito. O mundo pode ser melhor do que é hoje?
Flavio Tavares – Sim, eu acredito muito que o mundo pode ser muito melhor do que é hoje. O Peter Diamandis, fundador da Singularity University, fala muito sobre a Teoria da Abundância, que diz que vamos viver tempos que vão ser muito melhores dos que estamos vivendo hoje. E a gente já vê exemplos claros disso: muitos empreendedores estão resolvendo problemas que nós mesmos criamos. O Elon Musk, por exemplo, está trabalhando na Tesla para resolver alguns problemas como a produção de energia, emissão de CO2, cultura de segurança – o carro autônomo já é uma solução para esses problemas. Então eu acho que sim, no presente a gente já vê sinais de que as coisas podem ser melhores e, no futuro, temos gerações que estão se preparando de maneira muito forte para fazer a diferença e solucionar problemas muito significativos.
Revista SINDLOC-MG – Quais são nossos principais defeitos no que diz respeito ao trânsito no Brasil?
Flavio Tavares – O Brasil é um dos países que mais mata em acidentes de trânsito no mundo. Quando a gente olha para o trânsito aqui, vemos um problema generalizado em várias esferas: não temos uma infraestrutura boa, não temos os carros mais seguros e temos os condutores mais indisciplinados na direção – hoje, 93% dos acidentes são causados por falha humana no Brasil, o que nos faz perceber que o papel do homem no trânsito é muito grande. Agora o que está acontecendo, e eu acho isso uma evolução, é o surgimento dessa geração que está abrindo mão da posse para o serviço, isso muda toda a perspectiva: as pessoas não querem mais dirigir e isso traz novos ares ao trânsito. Tivemos uma diferença muito grande entre 2015 e 2016 na redução de mortos e sequelados no trânsito: o DPVAT pagou, em 2016, 434.246 mil indenizações, 33% menos que em 2015. Isso já é uma esperança, talvez uma nova consciência esteja sendo despertada em relação aos condutores, como nas pessoas que começaram a trocar o próprio carro por Uber, por exemplo – eu conheço inúmeros casos de pessoas que já vão para a balada, para um jantar, para uma festa de Uber, Cabify ou outros serviços, isso também porque a oferta de serviços de mobilidade aumentou muito no Brasil, o que justifica a melhoria dos indicadores.
Revista SINDLOC-MG – A maioria dos brasileiros (74%) é a favor de ações que reduzam o espaço do veículo particular nas ruas se o motivo for dedicar esse espaço para ciclovias, corredores de ônibus e calçadas. Isso segundo o Greenpeace e Datafolha. O que esses dados dizem é uma contradição entre o que quer a população e as ações tanto governamentais como da iniciativa privada, não? O que você acha disso?
Flavio Tavares – Eu concordo, mas a gente tem que avaliar também a nossa trajetória histórica: o espaço urbano no Brasil, talvez até no mundo, foi criado para o carro e não para o pedestre, para o ciclista, para o motoqueiro ou para o transporte público. Vemos isso quando percebemos o quanto de espaço público é destinado para estacionamento, por exemplo, porque não tem onde guardar tanto carro que se desloca. Então, quando se pensa nessa questão de que as pessoas estão sim dispostas a abrir mão dos espaços dos carros para bicicletas ou para outros modais, tem que se considerar que é preciso reinventar todo o processo de releitura urbana e como que vamos adequar um modelo planejado para um modal exclusivo, que é o carro, para lidar com todos os outros modais. Acho que ainda existe uma resistência muito grande por vários motivos: você vai para um lugar da cidade sempre de carro e aí se estabelece ali uma ciclovia. A ciclovia, no entanto, não resolve seu problema, porque não liga o bairro que você mora ao destino final e quando se percebe que o problema continua lá e até pior, já que dividir uma via com uma ciclovia pode piorar o trânsito, você volta atrás.
Revista SINDLOC-MG – Em um dos seus artigos você diz que o trânsito urbano está fazendo retorno ao passado com os carros elétricos e o abandono da posse. Você poderia explicar isso aos nossos leitores?
Flavio Tavares – Eu acredito que o mundo está ficando mais vintage, a gente está fazendo um regresso aos nossos valores do passado. Apesar de estarmos vivendo casos de corrupção no país, com casos graves de falta de moral, eu percebo algumas coisas acontecendo que nos remetem a nossa história. Quando a gente vê o carro elétrico, por exemplo, não é uma novidade: o carro elétrico surgiu com os bondes elétricos, no País de Gales, lá em 1807. Ou seja, isso já nasceu há muito tempo, o que a gente está fazendo agora é um resgate ao que foi criado lá trás para trazê-lo como um alternativa viável para os nossos problemas atuais. Quando você pega os jovens que estão abrindo mão dos carros para andar a pé e de bicicleta, pensamos: “mas como nossos avós se locomoviam?”, a bicicleta já era um meio de transporte naquela época. Então, acho que tudo isso é uma nova forma de olharmos para os nossos valores e vermos onde a gente errou e resgatar as alternativas que já funcionaram no passado, agora com mais força.
Revista SINDLOC-MG – Que tipo de ação e/ou ideias são capazes de mudar a mobilidade no Brasil?
Flavio Tavares – O que acontece muito, principalmente na Europa, e funciona muito bem, é a integração de modais: metrô, ônibus, carro, carsharing, bike. Essa integração consegue trazer um resultado muito significativo na mobilidade. Já no Brasil, pela nossa infraestrutura ter sido criado pensando no carro, construir projetos onde esses modais fiquem integrados e funcionem é um grande desafio para repensar a cidade e o espaço público e aí é que entra a iniciativa privada. A empresa sabe onde seu colaborador mora, como ele se desloca e ela pode começar a pensar em sugestões de modais e ofertas de mobilidade que resolvem os problemas desses colaboradores. É o exemplo do case que fizemos na GolSat: a gente levou uma bicicleta elétrica e deixou vários colaboradores usando a bicicleta para ver se fazia sentido, se realmente diminuía o tempo de deslocamento, se facilitava o transporte, se eles chegavam bem ao trabalho e no fim concluímos que ajudou mais de 90% dos funcionários. A partir disso, instalamos uma estação de bicicletas elétricas para os colaboradores. Então, a iniciativa privada precisa trabalhar para fazer a mobilidade fazer sentido para quem depende dela.
Revista SINDLOC-MG – Como as locadoras de automóveis podem colaborar para isso? E para o melhoramento do trânsito no país?
Flavio Tavares – Quando pensamos no trânsito no Brasil, vemos que mais de 30 mil mortes e 300 mil pessoas sequeladas são resultados de acidentes, o que custa quase 30 bilhões de reais por ano à Previdência. As locadoras são uma amostra dessa realidade: se ela tem cinco mil veículos, tem cinco mil condutores expostos a esses riscos. E qual é o negócio da locadora? Administrar um veículo para que ele volte nas melhores condições no fim do contrato, assim ele pode ser vendido da melhor forma e continuar o ciclo do negócio. Se esse é o que move a locadora, elas deveriam estar engajadas na mudança de comportamento dos condutores: deveriam combater para que não dirijam usando celular, não bebam e dirijam, não ultrapassem os limites de velocidade. Então, se for pensar no papel da locadora, é pensar principalmente no que é intrínseco ao negócio: levantar a bandeira da cultura de segurança e preservar o seu condutor, assumindo o compromisso de que todo condutor volte para casa em segurança depois de um dia de trabalho e possa abraçar seu filho e sua esposa e isso também faz parte do negócio da locadora. Uma vez que ele não se acidente, o bem volta preservado e gera receita, então, nenhuma locadora deve querer acidentes, carros sinistrados, manutenção corretiva. Mas, se ninguém tem interesse nisso, por que ninguém levantou essa bandeira ainda? E essa é a indagação que venho fazendo para as locadoras, para os sindicatos e para a própria Abla [Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis]: por que não fazer essas campanhas e assumir esse protagonismo?
Revista SINDLOC-MG – Você tem um sonho em relação a mobilidade brasileira? Se sim, qual seria?
Flavio Tavares – Acho que meu sonho vai dentro da medida do trabalho que exerço, eu não posso ter sonhos irrealistas. Não posso sonhar que o Brasil vai mudar a mobilidade e que todas as cidades vão ter um trânsito que vai fluir. O meu sonho, hoje, é ter um grupo de empresas muito engajadas em valores e em assumir um papel de transformação social. Eu acredito que existe um potencial reprimido dentro de locadoras, montadoras, players do setor que eles podem colocar em disposição da sociedade. Meu sonho é ter um grupo de empresas comprometidas em transformar a mobilidade e a vida das pessoas, porque discutir mobilidade é discutir a vida das pessoas – quando se pensa que uma pessoa passa quase um mês e meio por ano dentro de um carro no trânsito, é muito tempo. É preciso discutir o home office, o horário alternativo de trabalho, os novos modais – nós estamos em um caminho em que pessoas que tem uma capacidade de produção e de inteligência acima da média não vão mais conseguir trabalhar em empresas que não pensem na qualidade de vida desse indivíduo, que não pensem se ela vai demorar pra chegar em casa, em quanto tempo vai poder estar com a família dela. Meu sonho é ter mais empresas que coloquem as pessoas no centro do seu negócio e trabalhem com esse propósito. Isso é o que o PARAR está tentando fazer: conseguir despertar nas empresas a vontade de que os nossos valores sejam os valores delas e, assim, queiram fazer diferença no mundo.
Fonte: SINDLOC-MG