Momento pode ser favorável para desmobilização de ativos
Num ano em que a venda de veículos está desapontando e a carteira de crédito dos automóveis encolhe, o mercado de usados e seminovos tem andado na contramão. No período de janeiro a julho, foram negociados 5,57 milhões de veículos nessas condições, um avanço de 5,3% na comparação com igual intervalo de 2013. Já as vendas de novos, entre veículos de passeio e utilitários leves, caíram 8,3%, somando menos de 1,9 milhão de unidades até julho.
Ou seja, a cada carro zero quilômetro vendido numa concessionária, três veículos usados são negociados no país. Assim, conforme avaliação da ABLA, o momento pode ser favorável para a desmobilização de ativos das locadoras. “Temos repetido que a atividade das locadoras é obviamente a de locar automóveis, ou seja, o negócio do setor é o de alugar veículos e não o de comprar e vender”, explica Paulo Nemer, presidente do Conselho Nacional da ABLA. “Isso significa que a renovação de frota se dá apenas como a necessária desmobilização de ativos, pois no nosso setor ter produtos sempre novos à disposição dos clientes é uma necessidade e não uma escolha, em função das exigências dos próprios clientes”, afirma.
Nemer também garante que as locadoras não revendem veículos recém-comprados diretamente dos fabricantes: “A prática demonstra que os automóveis permanecem nas locadoras em torno de 17 meses e meio, conforme números apurados no mais recente Censo Anual da Abla”, afirma. “Depois disso, a grande maioria das locadoras trabalha com as concessionárias, com leiloeiros e com outras formas de desmobilização de seus ativos”.
Não é a primeira vez, contudo, que os mercados de novos e usados estão em rumos opostos. A história recente mostra que a ruína de um é muitas vezes a tábua de salvação do outro. Em 2012, por exemplo, a decisão do governo de cortar até zero o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis para socorrer as montadoras derrubou ainda mais os preços dos usados e provocou forte prejuízo aos lojistas desse segmento. Nas contas da Fenauto, a entidade que abriga as revendas dos chamados seminovos, cerca de 4,5 mil lojas fecharam nesse período. Mas a crise mudou de lado quando o governo começou a retirar, ainda que gradualmente, os descontos no IPI, numa medida que, combinada à obrigatoriedade de airbags e freios ABS em todos automóveis, pressionou os preços dos carros novos.
Pesquisa feita pela agência AutoInforme, que monitora os preços praticados no varejo, revela que o carro zero chegou a ficar 4% mais caro no primeiro trimestre. Nos meses seguintes, os preços caíram, mas ainda assim acumulam alta de 2,8% neste ano. Entretanto, a diferença de preços não explica isoladamente a inflexão do consumo de veículos novos para os usados. Parte disso também se deve a uma postura mais cautelosa dos consumidores em assumir compromissos muito pesados num momento de menor confiança na economia e maior endividamento das famílias. “As pessoas estão procurando valores menores de empréstimos, o que favorece os usados”, diz o presidente do Banco Votorantim, João Teixeira.
Comparativamente ao mercado de novos, o segmento de usados tem aproveitado um melhor ambiente de crédito. No acumulado até julho, foram desembolsados R$ 41,24 bilhões em crédito para compra desse tipo de veículo, o que significa um aumento de 1%. O dado, fornecido pela Cetip (que registra as garantias dessas operações), inclui não só os automóveis leves, mas também motos e veículos pesados. Parece pouco, mas nos desembolsos de crédito para compra de veículos novos houve queda de 11,67% no mesmo intervalo, para um total de R$ 51 bilhões.
O levantamento sugere que o melhor desempenho se concentra na faixa de automóveis de quatro a oito anos de uso. Segundo a Cetip, entre janeiro e julho, foram financiados cerca de 1,69 milhão de carros usados no país, queda de 3% na comparação anual. Porém, considerando apenas o universo de veículos entre quatro e oito anos, houve um crescimento de 3,1% na quantidade de carros financiados. Para encerrar a comparação, o número de carros novos financiados caiu 11% no período. “Os bancos que trabalham mais com o segmento de usados podem ter um ano melhor que os demais”, aposta Marcus Lavorato, gerente da unidade de financiamentos da Cetip.
Mas ainda que os veículos usados tenham se recuperado, vale lembrar que, em termos de oferta de crédito, eles estão longe do período áureo do setor, vivido em 2008. Em julho, para cada carro novo financiado, os bancos financiavam 1,5 usado. Em janeiro de 2008, por exemplo, essa proporção era de 2,9 usados para cada novo financiado.
Os bancos com operações mais robustas no financiamento de usados têm colhido os benefícios do aquecimento recente do setor. É o caso do Banco Votorantim, que lidera esse mercado junto com o Santander. No Votorantim, os desembolsos de crédito de veículos como um todo avançaram 0,2% no primeiro semestre, para R$ 6,6 bilhões. A questão é que os desembolsos para veículos leves usados cresceram 9% no período, enquanto a originação de crédito para os demais tipos de veículos caiu 24,2%.
“No carro zero, o espaço do mercado é fortemente preenchido pelos bancos de montadora. No usado, a bandeira Santander é mais forte”, diz André Novaes, superintendente-executivo da Santander Financiamentos. Para ele, contudo, o desempenho mais forte do usado pode ter um componente sazonal, o que faria com que a diferença em relação aos novos fosse se reduzindo ao longo do ano. “Em agosto, a diferença entre o crédito para novos e para usados já foi menor do que em julho”, afirma.
Até a Omni, financeira especializada em atuar no que chama de “usadinho” – carros acima de dez anos de idade – se beneficiou do atual momento. Entre janeiro e julho, seus desembolsos cresceram 20%, para R$ 350 milhões, taxa de avanço que espera manter também no ano que vem, afirma Tadeu Silva, vice-presidente da financeira. Segundo Silva, a região Nordeste tem crescido acima das demais nesse segmento. “O usado tem uma depreciação menor e exige um menor endividamento do consumidor.”
A inadimplência, porém, também é significativamente maior. A Omni, por exemplo, opera com uma taxa de calotes na casa dos 10% – ante 4,9% na média do crédito de veículos como um todo. Por isso mesmo, a taxa de juros também é bem maior.
fontes: ABLA e Valor Econômico