Com 'boom' de fábricas, México cola no Brasil na produção de veículos
Brasil e México revivem neste ano uma disputa acirrada pelo título de maior produtor de veículos da América Latina. Na parcial do ano, a indústria mexicana abriu ligeira vantagem, somando 1,86 milhão de unidades fabricadas de janeiro a julho contra 1,82 milhão que saíram das montadoras brasileiras no mesmo período.
Na última semana, quando esses resultados foram divulgados, analistas disseram à imprensa estrangeira que, ainda neste ano, o México deverá superar o Brasil no ranking mundial de produção de veículos, o que não acontece desde 2002, de acordo com dados da associação internacional das montadoras, a Oica.
“Não acredito que seja ainda neste ano. Não colocaria minha mão no fogo, ainda tem todo um segundo semestre. Mas o México vai terminar (o ano) muito mais perto do Brasil”, diz Gerardo San Roman, mexicano que preside no Brasil a consultoria Jato Dynamics, especializada no setor.
No ano passado, o Brasil foi o sétimo maior fabricante do mundo, com 3,74 milhões de unidades, uma alta de 9,9% frente ao ano anterior.
Logo atrás, a indústria mexicana somou 3 milhões, 1,7% a mais que em 2012.
Neste ano, porém, apesar do volume semelhante de veículos montados até julho, os dois países vivem situações bem diferentes.
A produção brasileira caiu 17% frente aos primeiros sete meses de 2013, enquanto a mexicana subiu 7,4%.
México exporta; Brasil vende aqui
O México tem a produção em ascensão com um “boom” de fábricas de carros: três foram inauguradas em menos de um ano. Mas a grande maioria dos veículos produzidos não fica no país: praticamente 80% da produção é voltada à exportação, a maior vocação da indústria de veículos mexicana. Parte vai para o mercado brasileiro; mais de 70%, para os EUA.
No Brasil, é o contrário: cerca de 80% da produção é consumida no mercado nacional. O que as montadoras brasileiras exportam vai, principalmente, para a Argentina. Acontece que esses dois “clientes” estão comprando menos neste ano do quem em 2013.
A Argentina enfrenta uma crise econômica e reduziu importações, fazendo o Brasil depender ainda mais do mercado interno.
Apesar de o desconto no Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) continuar valendo até o fim do ano, as marcas reclamam que as vendas no mercado brasileiro não crescem porque os bancos estão limitando financiamentos.
De janeiro a julho, foram emplacados 8,6% menos veículos de veículos do que mesmo período de 2013. Como consequências, há paralisações temporárias nas fábricas, por meio de férias coletivas, e redução de turnos, além do chamado lay-off, que é a suspensão de contratos por tempo determinado.
Ainda que projete uma melhora neste segundo semestre, a associação de montadoras, a Anfavea, prevê é que o país fechará 2014 com queda de 10% na produção, somando 3,34 milhões de veículos. A “Anfavea” mexicana, chamada Amia, prevê alcançar 3,32 milhões.
Segredos do México
O México era o maior produtor de veículos da América Latina no início dos anos 2000. Em 2003, foi superado pelo Brasil. A disputa só voltou a esquentar há poucos anos, com o início da recuperação dos mercados dos EUA e do Canadá, após a crise financeira mundial.
Para o presidente da consultoria Jato, a indústria automobilística mexicana foi embalada por uma série de fatores. Veja abaixo.
– geografia: o México é vizinho dos Estados Unidos, o país que mais compra carro no mundo, depois da China, e está perto do Canadá. “Esses países agora estão consumindo, precisando de importação. O mercado americano se recuperou, voltando ao patamar de 17, 18 milhões de veículos (emplacados ao ano)”, diz Gerardo San Roman.
Além disso, o território é banhado por dois oceanos, Pacífico e Atlântico, facilitando o escoamento de mercadorias tanto para a Europa quanto para a Ásia. Como resultado, o especialista explica que o país possui uma região com forte presença da indústria automotiva, uma espécie de ABC mexicano, no chamado Bajio, “bem no meio do México”.
Lá estão duas fábricas da Nissan e as de General Motors, Honda, Mazda, além das futuras plantas da BMW -bem maior que a que será inaugurada no Brasil- e da parceria Renault-Nissan-Daimler, para compactos das marcas de luxo Mercedes e Infiniti. E tudo cercado por uma série de fornecedores.
– acordos comerciais: o mais importante são as dezenas de acordos de livre comércio com os principais mercados do mundo. Essas negociações permitem, por exemplo, que carros sejam produzidos naquele país e vendidos em outros lugares, como o Brasil, sem taxa de importação. Ou seja: com preço similar ao dos veículos nacionais.
– moeda desvalorizada: outra atração para as montadoras é que a moeda mexicana está desvalorizada frente ao dólar, aponta San Roman.
– custo menor de produção: os custos de produção naquele país são menores do que nos EUA e na Europa, e também no Brasil, em parte porque as leis trabalhistas “são mais relaxadas”, diz o consultor mexicano. “O Brasil, apesar de ter uma boa mão de obra, se tornou muito caro (produção de veículos”, compara.
– qualificação: além de ter menos encargos, o México conseguiu qualificar trabalhadores para atingir os padrões americanos, europeus e asiáticos. E se aproveitou do fato de que a língua inglesa é a segunda do país, completa San Roman.
E o Brasil?
Para o consultor, o Brasil ainda tem muito potencial para crescimento da frota de veículos, tanto que há novas fábricas confirmadas para este e os próximos anos, incluindo as de marcas de luxo.
Mas o momento atual, diz ele, é de incertezas, com a proximidade das eleições e o desaquecimento das economias que influenciam a indústria, a da Argentina e a da China.
San Roman alerta que, apesar de o México viver esse “boom” automobilístico, a produção é apoiada em veículos leves (automóveis, picapes, SUVs, etc) e o Brasil ainda é maior na fabricação de veículos pesados (caminhões e ônibus).
“O Brasil já é o maior da América Latina, e pode se fortalecer na produção de caminhões. O México não tem essa capacidade. Essa é uma ciência à parte, requer muita tecnologia, investimentos enormes”, explica. “Se o Brasil se tornar um gigante em caminhões, será gerada mais riqueza do que o México com veículos leves.”
Por Luciana de Oliveira, do G1.