Investir no Brasil é fazer o plano A, o plano B e o plano C, diz chefe da chinesa GWM no Brasil

Oswaldo Ramos, Chefe da área comercial da montadora chinesa GWM, fala, nessa entrevista, sobre os desafios da GWM no Brasil. Ramos trabalhou por mais de 30 anos na Ford e teve passagem pela Peugeot. É formado em engenharia de produção pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). 

 

O andar ocupado pela GMW em um prédio da zona sul de São Paulo tem mesa de pingue-pongue, máquinas com petiscos e café grátis. Não é nada diferente de outras tantas empresas da região, mas essas comodidades agradam aos funcionários chineses.

A montadora está se adaptando aos modos do Brasil, e esse trabalho passa por tropicalizar os escritórios. Oswaldo Ramos, o principal executivo da montadora no Brasil e CCO (chefe da área comercial) da empresa, fala dessa transformação e das expectativas da fabricante no mercado nacional, em que está investindo R$ 10 bilhões.

Após lançar os importados da linha Haval, como o Haval H6, a GWM se prepara para iniciar a produção em Iracemápolis (interior de São Paulo), na unidade que já pertenceu à Mercedes-Benz. A data de início será anunciada nesta quinta (27), e o primeiro modelo a sair das linhas de montagem deve ser a picape Proer.

O Brasil teve algumas fábricas de automóveis fechadas nos últimos anos, inclusive a que foi adquirida pela GWM em Iracemápolis. Nesse cenário, por que a montadora chinesa decidiu produzir veículos no país?

O Brasil, independentemente do momento da economia, se tiver um crescimento de PIB mais forte, estará no top 10 mundial. E se não tiver, vai continuar lá. O país sempre terá um mercado relevante.

A empresa produzirá híbridos flex. Pretende também lançar modelos híbridos que combinem apenas eletricidade e etanol?

Tecnicamente, o híbrido flex também é um carro híbrido 100% a etanol. A tecnologia fica até mais simples se for retirado o restante do software da gasolina. Não há obstáculo nenhum, e se for essa a regra do jogo, estamos prontos. Mas é importante definir essa regra.

O que queremos para a sociedade? O que queremos em sustentabilidade? Não adianta fazer regras de laboratório e não ser exatamente o que o consumidor quer.

Sabemos que a maioria dos carros flex roda somente com gasolina, e hoje não existe nem produção suficiente de etanol caso todo mundo vire a chave da noite para o dia. É preciso planejamento, estratégia.

E como a montadora vê essa tecnologia?

É preciso planejamento de médio prazo para aumentar a produção de etanol e substituir a gasolina em toda a frota circulante. É uma conta a ser feita, muito mais complexa do que só o automóvel. Há todo um ecossistema.

Mas nós estamos inovando, trazendo um produto para o Brasil que é prioritariamente elétrico, o híbrido plug-in [que pode ser recarregado na tomada] com uma bateria que permite rodar 170 km no modo elétrico.

Para a maioria das pessoas, 80% do uso é nesse modo elétrico. Se precisar, você pode utilizar o motor a combustão. Em termos de tecnologia, há muitas vantagens para o consumidor e para o meio ambiente.

Mas o híbrido plug-in não é um projeto muito caro pelo fato de ter uma bateria bem maior, além dos dois motores?

Sem dúvida alguma existe um custo, que depende da escala.

E a escala depende do quê?

Se escolhermos que essa é uma opção tecnológica para o Brasil, boa para 80% dos consumidores, concentrarmos investimento na direção do híbrido plug-in —que pode ser flex ou a etanol, conforme for a diretriz energética do país— e conseguirmos escala, é possível viabilizar.

É mais barato, às vezes, fazer um plug-in híbrido com uma boa bateria do que fazer um carro 100% elétrico com uma bateria ainda maior. Ou, por outro lado, ficar tentando viabilizar o motor a combustão, seja com combustível sintético, seja com outras soluções.

Enxergamos que, para a matriz energética do Brasil, o híbrido flex é uma grande solução, olhando pela demanda do consumidor.

Qual é o papel do etanol?

Se a gente analisar o ecossistema inteiro, da produção ao nosso interesse no meio ambiente, sem dúvida o etanol pode ter um espaço ainda maior.

A tecnologia nova, a eletrificação, não vem para substituir o flex ou o etanol. O Brasil tem um espaço para ser protagonista nessas novas fontes de energia.

O biocombustível combinado a um sistema plug-in híbrido é uma solução excepcional, mais barata e mais viável do que o carro 100% elétrico, e não requer tamanha infraestrutura.

A GWM já anunciou a produção nacional da picape Proer.

Ao mesmo tempo, existe a discussão sobre retomar a cobrança do imposto sobre importados elétricos e híbridos. Há alguma preocupação com esse tema?

Investir no Brasil é fazer o plano A, o plano B e o plano C, temos que trabalhar com todos os cenários, e estamos prontos para qualquer um.

Teríamos muito mais investimento, muito mais tecnologia e muito mais opções se tivéssemos um planejamento claro de médio e longo prazos, previsibilidade. Quem acaba pagando essa conta é o mercado consumidor.

Se você definir a regra do jogo, nós vamos investir no Brasil, vamos ter dez carros em três anos aqui.

A isenção que existe no Imposto de Importação está ligada a não haver um carro nacional similar. Na hora em que houver, será natural que se tenha esse controle, essa barreira alfandegária.

A complementação sempre vai ocorrer nos segmentos que são mais de nicho, de menor escala. Esses vão ser importados.

Em relação a exportações, como a GWM vê as possibilidades? A empresa pensa apenas no mercado da América Latina ou tem ambições de enviar os carros nacionais para Europa e África, por exemplo?

O Brasil realmente é uma plataforma para a América Latina e temos até uma demanda interessante, podendo passar para a América Central. Mas o país pode ser protagonista em novas energias, e a nossa visão de longo prazo vai muito além dos produtos que vamos lançar no ano que vem.

O híbrido fica mais eficiente se é flex. Temos essa tecnologia, temos como desenvolver o software do Brasil, temos empresas especializadas, temos engenharia, temos o que exportar.

Já o carro 100% elétrico envolve as fontes de energia que o Brasil está trabalhando, seja eólica, seja fotovoltaica. Ou seja, o país também tem protagonismo no carro elétrico.

Olhando a longo prazo, o Brasil pode, sim, ser um polo não só de produção de hidrogênio verde, mas de produção de veículos movidos a esse combustível.

Por quê?

O Brasil é um país em que o transporte da maioria das mercadorias é feito por rodovias, não temos ferrovias aqui. Essa ausência é suprida com caminhões, que é onde o ecossistema de hidrogênio se paga primeiro, porque se elimina o peso da bateria [de um caminhão elétrico].

Temos dentro da nossa holding a FTXT, que já tem rotas de caminhões na matriz utilizando hidrogênio. O Brasil tem que olhar no longo prazo, ter estratégia e ver qual é o nosso papel para sermos protagonistas.

A empresa pensa em também atuar no segmento de veículos pesados no mercado brasileiro?

Hoje a GWM fornece as células de hidrogênio [para caminhões] e seus reatores para três montadoras parceiras. Ou seja, somos tanto fornecedores como podemos ser fabricantes no futuro.

Sobre o retorno dos carros populares: a GWM tem interesse de entrar nesse segmento no mercado nacional?

Desde o início, o DNA das marcas que compõem a GWM são SUVs e picapes, e vamos ser fiéis a isso. É a nossa expertise, vamos dar continuidade nesse projeto.

Se houver espaço para outros nichos viáveis no Brasil, poderemos, sim, analisar. Mas o plano de hoje é a continuidade em picapes e SUVs.

O que a equipe brasileira tem feito para esclarecer aos chineses as mudanças de regras que ocorrem no Brasil?

Trabalho há três décadas na indústria automobilística, lidei com várias culturas diferentes. A GWM tem uma cultura extremamente curiosa, perguntando e querendo entender.

Na maioria das culturas, o que é bom na matriz tem que ser bom para a filial, e não se tem muita voz como Brasil. Mas aqui está acontecendo exatamente o oposto.

Fizemos um carro de brasileiros para brasileiros, usando a melhor tecnologia que tínhamos lá na matriz. Eu acredito muito que, quando se fazem as coisas orientadas para o mercado, o destino é o sucesso.

Mas toda essa discussão existe, os chineses perguntam muito e, como eu disse, é preciso investir um tempo extra no Brasil e fazer o plano A, o plano B e o plano C, porque os cenários podem mudar.

É um trabalho grande explicar que o país tem mudanças de curto prazo. Neste momento em que temos um governo muito recente, se abre novamente uma janela.

Eu não estou dizendo que não havia conversa com o governo anterior, eu estou dizendo que a área industrial tem uma interlocução aparentemente melhor agora.

Parece que a GWM tem conversado muito com Brasília.

A reindustrialização do Brasil é um esforço coletivo. Isso independe do momento político e do ciclo econômico. Nós compramos a fábrica da Mercedes no ciclo anterior, tomamos a decisão de investimento independentemente do governo.

É muito bom, sim, ter uma interlocução. Muito antes de falar “vamos brecar a importação”, falar “como nós vamos viabilizar a produção local?”.

Há uma revolução acontecendo lá fora, e o Brasil está assistindo de longe. Nós precisamos trazer essas novas tecnologias, e não é com soluções antigas que o país vai ganhar escala. Não adianta voltar ao passado.

Será que daqui a dez anos veremos montadoras chinesas no top 5 das marcas mais vendidas do Brasil?

Independentemente da nacionalidade, enxergamos que vai sobreviver quem olhar para o mercado, quem olhar para o consumidor.

Se, como já ocorreu algumas vezes no passado, os chineses tentarem chegar aproveitando a oportunidade do Imposto de Importação, uma taxa de câmbio favorável ou uma sobra de produção, isso não vai dar certo.

E não dá certo para chinês, não dá certo para americano, não dá certo para europeu. Se alguém tentar empurrar a tecnologia que está sobrando na matriz para cá, isso não se sustenta.

E quando vai chegar o carro 100% elétrico nacional da GWM?

O 100% elétrico ainda é um nicho, e não há escala para produzir no Brasil. É aquela discussão que tivemos anteriormente.

É por isso que a importação vem primeiro, para criar o mercado e a infraestrutura. Quando isso acontecer, haverá escala para se produzir no Brasil.

O ponto é: entendemos que o híbrido flex é muito bom para quem roda longas distâncias sem acesso a um carregador. Já o híbrido plug-in é excelente para o dia a dia na cidade e, no fim de semana, permite fazer percursos maiores. Ele é flexível para os dois ambientes.

Na outra ponta temos o carro 100% elétrico, ideal para quem só roda na cidade. Mas é a tendência, vai acontecer.

Esse nicho vai virar segmento, por isso é importante começarmos a oferecer esses produtos com uma visão de longo prazo. A nacionalização é uma questão de escala, de volume.

Raio-X

Oswaldo Ramos, 56 Chefe da área comercial da montadora chinesa GWM, trabalhou por mais de 30 anos na Ford e teve passagem pela Peugeot. É formado em engenharia de produção pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo).

Fonte: www1.folha.uol.com.br

Investir no Brasil é fazer o plano A, o plano B e o plano C, diz chefe da chinesa GWM no Brasil

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