Mamãe, sem as mãos! Pegamos carona no Volvo S60 autônomo, que ‘dirige sozinho’

Rio, ano 2064. No colégio, meu bisneto conta vantagem para os coleguinhas.
— Meu bisavô era um maluco. Uma vez ele dirigiu um carro do Rio a Curitiba usando as mãos e os pés!
— Uaaauu! — espantam-se em coro as crianças.
Se tudo acontecer como prevê a indústria automobilística, este diálogo será possível dentro de 50 anos. Até lá, a frota atual terá dado lugar a modelos autônomos, que dispensam um motorista humano. A justificativa é que os carros que dirigem sozinhos permitiriam um melhor fluxo de trânsito (com consequente redução de emissões) e acabariam com acidentes por falha humana.
Os estudos avançam como nunca. Em junho, a Google mostrou um carro robô sem volante ou pedais. Mercedes e Nissan também estão bem adiantadas no assunto. Em outubro, um Volvo S60 autônomo chegou ao Brasil para ser exposto no Salão de São Paulo. Na semana passada, fomos a Itupeva (SP) pegar uma carona nessa revolução.
AINDA NÃO É UM AUTÔNOMO PLENO
Visto de fora, o sedã só chama a atenção pelas placas suecas e pelos adesivos com o nome do projeto Drive Me (Leve-me). Não há antenas aparentes ou qualquer sinal de que este S60 anda sozinho.
Ao volante está Jorge Mussi. Diretor da Volvo, ele passou por um treinamento para operar o protótipo. Vou para o banco de trás e o sedã começa a percorrer uma estradinha dentro de um condomínio fechado — pelas leis brasileiras, este carro ainda não pode rodar nas ruas.
Já nos primeiros metros, Mussi aperta um botão à esquerda no volante e o S60 passa a seguir um utilitário XC60 comum (com motorista humano) que vai uns dez metros à frente. Aí o executivo solta as mãos do volante, tira os pés dos pedais e… voilà: viramos passageiros da tecnologia!
Quando o carro da frente freia, a ação é repetida imediatamente pelo S60 autônomo. No começo dá nervoso e vontade de segurar o volante, mas logo a gente se acostuma ao chofer robô.
Curva para a direita, para a esquerda, e o sedã segue milimetricamente o caminho feito pelo XC60.
Em dado momento, o carro líder faz um retorno sobre a grama e nosso automatizado o acompanha. O sistema da Volvo, como se vê, estava em modo “autônomo limitado” (que será o primeiro a chegar às lojas). Haja confiança no motorista da frente…
Após um tempo, Mussi põe as mãos no volante e aperta o freio. O autônomo lê que o motorista quer assumir o controle e “devolve” os comandos na hora. O S60 vira um carro normal.
O painel digital muda de acordo com o modo de condução. Quando o robô está no comando, o quadro mostra radar, autonomia e velocímetro digital. No modo “humano”, aparecem velocímetro com ponteiro, conta-giros e elementos coloridos.
O sistema da Volvo segue o carro da frente até os 50km/h. Acima disso, a orientação se dá pelas faixas da rua ou estrada. Há um modo autônomo ainda mais avançado, que conecta o Volvo a órgãos que regulam o tráfego nas cidades suecas. Assim, o sedã recebe informações de trânsito, sinais, vias bloqueadas etc.
A Volvo venderá seus primeiros autônomos em 2017. Inicialmente, serão só cem carros aptos a rodar no modo automático mais avançado (e apenas em Gotemburgo, na Suécia). O motorista-robô custará € 2.100, o equivalente a R$ 7 mil.
A ideia é que a tecnologia chegue ao Brasil em 2019 (opcional de R$ 10 mil). Aqui, o autônomo se limitará a seguir o carro da frente.
A “mágica” do S60 autônomo acontece longe dos olhos. Nas extremidades de cada para-choque radares emitem sinais de ultrassom e leem objetos nas laterais — carros, motos, ciclistas ou pedestres. Na grade dianteira uma caixinha retangular é o ACC (piloto automático adaptativo), sistema já presente em vários modelos importados, que lê o trânsito e monitora a distância para o carro à frente.
APENAS 5 QUILOS A MAIS
Atrás do retrovisor um “V” invertido bem discreto é o lidar, radar a laser que, entre outras funções, mantém o carro na faixa. A parafernália tecnológica inclui ainda antenas e computadores escondidos no porta-malas (o qual não pudemos abrir). Ao todo, são adicionados apenas 5kg ao peso do S60.
Juntos, esses equipamentos leem 360° em torno do carro 250 vezes por segundo (!). Toda essa informação é transmitida para um módulo central, que interpreta o mundo ao redor e toma as decisões em milésimos de segundo.
— Alguns destes radares já equipam os S60 vendidos nas lojas — explica Jorge Mussi.
A base do sistema é um GPS superpoderoso, com margem de erro de apenas 10cm de distância — o GPS comum pode errar de 10 a 20 metros. Mas, no condomínio onde andamos de carona, não havia sinal nem da Tim, imagine do GPS…
AUTÔNOMOS FORA-DA-LEI
O autônomo esbarra em questões legais para sair às ruas (não só aqui, mas em quase todo o mundo). O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não reconhece os carros guiados por robôs e, consequentemente, não existem leis específicas para estes modelos. Sendo assim, este S60 fica proibido de andar no trânsito comum, já que a lei obriga que, por exemplo, o motorista mantenha as duas mãos no volante.
Para um passeio na cidade ainda seria preciso autorização da Anatel, para certificar que os radares e antenas usados no modelo não interfiram nas conexões existentes.
Na Suécia, a Volvo mantém parceria com a prefeitura de Gotemburgo e o governo federal para testes em trechos urbanos. Ainda assim, os suecos construíram uma cidade inteira em tamanho real (!) para testar os carros que andam sozinhos.
Em outro teste, o S60, um XC60 e outro XC90 seguiram um caminhão por 470km, entre Gotemburgo e Estocolmo, sem que os motoristas interferissem no andamento.
Outra questão complexa envolve as seguradoras. Em caso de acidente com um carro dirigido por robôs, a culpa seria do motorista, da fabricante ou da cidade, que é responsável pela infraestrutura?
JOVENS NÃO QUEREM DIRIGIR
A Volvo calcula que a “automação total” seja atingida em 2034. Aí, será possível fazer como nos filmes: entrar no carro, indicar o endereço para o sistema de navegação e deixar o robô fazer o resto sozinho.
A ideia por trás da automação é construir um trânsito eficiente: carros guiados por robôs podem andar mais próximos, fazer caminhos inteligentes e eliminam a necessidade de passar por situações chatas como procurar vaga em um shopping center. Outro grande trunfo é a segurança. Calcula-se que 95% dos acidentes são causados por falhas humanas.
O lado ruim é que podemos perder o prazer de dirigir. Esta atividade, num futuro mais pessimista, poderá ser limitada a autódromos.
Por Marcelo Cosentino, do O Globo.

plugins premium WordPress
Receba as últimas notícias

Assine a nossa news gratuitamente.
Mantenha-se atualizado com
as notícias mais relevantes diretamente em seu e-mail.