O boom dos usados
O boom dos usados
Essa foi uma decisão tomada relativamente rápida pela bancária Patrícia Silva, de 32 anos, que acabou de trocar de carro na loja de Fernando.
No começo de agosto, ela tinha cerca de R$ 40 mil e pensou em adquirir seu primeiro automóvel novo. Nas primeiras pesquisas de preços, porém, mudou de ideia. “Eu me assustei com o quanto precisaria desembolsar”, conta. A estratégia dela, então, foi comprar um seminovo de uma categoria superior. Que, embora já tivesse uma quilometragem elevada, encaixava no seu orçamento e ainda atendia o que ela procurava.
Essa explosão no mercado de automóveis seminovos e usados se deve a uma composição de fatores. O primeiro é o impacto econômico da pandemia sobre a renda. Fez com que boa parte da população adiasse a compra de carro. Ou, então, preferisse a alternativa adotada por Patrícia. O segundo é que muitas fábricas relatam estar sem componentes (semicondutores) importados para produzir seus modelos. Enquanto outros alegam a falta de componente por causa do câmbio, como é o caso dos derivados de aço. Quando esses insumos chegam mais caros ao País, o valor é repassado aos consumidores.
O boom dos usados. É por isso que um Volkwagen Gol 0km, outrora o “carro popular” mais vendido no Brasil, sai por cerca de R$ 88 mil.
Com isso, as vendas de veículos seminovos e usados subiram 47% nos oito primeiros meses de 2021. Isso na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados da Federação Nacional das Associações de Revendedores de Veículos (Fenauto). “O mercado entrou neste ano com força total, como não víamos há muito tempo”, afirma Ilídio dos Santos, presidente da entidade. Até agosto de 2020, 6,94 milhões de carros desse tipo tinham sido comercializados no País. Número que subiu para 10,2 milhões entre janeiro e agosto deste ano.
Para se ter uma ideia, enquanto o segmento de seminovos vendia 1,4 milhão de unidades no mês passado, as concessionárias de carros 0kms experimentavam seu pior mês de agosto desde o início da série histórica do Denatran. Com 158 mil emplacamentos de comerciais leves (queda de 8,5% em relação ao mesmo mês de 2020). “Em 2019, para cada carro novo que saia da loja havia quatro usados vendidos. Hoje, esse número é de um para sete”, revela Fernando Deotti, da consultoria especializada QWST. “Até as locadoras estão preferindo adquirir automóveis já rodados para compor suas frotas. Porque os preços dos novos estão altos e não há estoques suficientes”, completa.
Anfavea
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) afirmou que os pátios das montadoras chegaram agora ao seu menor nível desde 1999. Com apenas 76 mil carros já prontos para entrega. Essa mudança tem impacto também nos preços que, por conta do crescimento da demanda nos últimos meses, ficaram mais altos. Segundo o monitoramento da consultoria Kelley Blue Book Brasil (KBB), os seminovos tiveram uma alta de 9,75% no primeiro semestre deste ano. Enquanto os usados valorizaram ainda mais: 13,04%. Essa situação vai perdurar, pelo menos, até o início do segundo trimestre de 2022. “Será quando teremos, pelas previsões, a retomada da produção de semicondutores”. Espera Joel Leite, um dos principais especialistas do segmento no País.
“O mercado automotivo se recuperou das quedas da pandemia. Mas esse processo mudou de cara: deixou de ser 0km e se voltou para os seminovos”, explica Fernando Deotti. Para ele, essa é uma tendência que veio para ficar. Ao menos até que a crise econômica atual passe, já que adquirir um automóvel é, para muitos, uma questão de confiança em um futuro em que terão condições de pagar por ele. “Andar de carro usado é um reflexo das perspectivas do País”, diz. E, hoje, elas não possibilitam manter os luxos do passado.