Usina de inovações
Um antigo depósito para peças da usina de Itaipu se transformou em um dos maiores celeiros de pesquisa e desenvolvimento de veículos elétricos no Brasil. O galpão funciona como uma oficina eletromecânica e ali já foram fabricados 84 protótipos de carro, caminhão, ônibus e veículo leve sobre trilhos (VLT).
A iniciativa é parte da estratégia de Itaipu de se tornar protagonista no fomento de tecnologias relacionadas à energia, visando ao desenvolvimento da indústria nacional e à obtenção de royalties com o licenciamento de produtos inovadores.
O envolvimento da usina com os projetos de veículos elétricos começou por acaso, após um acordo de cooperação técnica fechado com a empresa suíça de geração de energia KWO, em 2005. A KWO queria o conhecimento de Itaipu de gestão ambiental e, em troca, ofereceu à usina o acesso a suas tecnologias. Uma delas era o carro elétrico, desenvolvido para atender à necessidade de usar um veículo sem emissão de CO2 para percorrer túneis subterrâneos que ligam nove usinas da empresa nos Alpes suíços.
Na época, Itaipu pesquisava formas de aproveitar sua energia para mover a frota própria da usina. Considerando que Itaipu tem incentivos fiscais, por ser uma instituição sem fins lucrativos, e gera a própria energia, a empresa concluiu que valia à pena trazer a tecnologia da KWO para desenvolver os veículos elétricos. “Na época, fizemos a conta e vimos que o carro elétrico era viável”, afirma Celso Novais, engenheiro que entrou no projeto como intérprete na reunião com os suíços – ele tinha na época o melhor inglês do departamento – e hoje é o coordenador do Projeto Veículo Elétrico (VE) de Itaipu.
Sua primeira missão foi encontrar uma montadora disposta a ser parceira do projeto e aplicar o kit elétrico da KWO nos seus carros. Depois de receber diversos “nãos”, Itaipu foi procurada pela Fiat em 2006. “O (Cledorvino) Belini, presidente da Fiat, me ligou para propor a parceria depois que viu um banner da KWO anunciando o acordo com Itaipu no Salão do Automóvel de Genebra”, lembra Novais.
O interesse da Fiat era buscar soluções para o carro elétrico, e esse foi o primeiro projeto do gênero da montadora no mundo. Com a parceria, o depósito de peças ao lado da usina deu lugar ao Centro de Pesquisa de Desenvolvimento e Montagem de Veículos Elétricos de Itaipu. As primeiras atividades da oficina foram adaptar a tecnologia da suíça KWO para viabilizar uma versão elétrica do Palio Weekend. “Itaipu e a KWO entendem de eletricidade e nós de carro. A transferência tecnológica viabilizou o projeto”, disse Leonardo Cavaliere, gerente de planejamento e estratégia de veículos elétricos da Fiat.
O carro sai da fábrica da empresa em Minas Gerais e segue para Itaipu, onde recebe o kit elétrico. Ao todo, 200 componentes são diferentes dos usados pelo mesmo modelo a combustão – o principal deles é a bateria de níquel e sódio, que pesa 165 kg e fica no porta-malas do carro.
O Palio Weekend Elétrico ainda é um veículo conceito e, por custar cinco vezes o preço da versão a combustão, é inviável comercialmente. Desde 2006, saíram da oficina apenas 40 unidades do carro da Fiat na versão elétrica – e a maior parte delas compõe a frota da usina. Do ponto de vista técnico, porém, o projeto é vencedor.
Ampliação. O burburinho provocado pelo Palio Weekend Elétrico trouxe novos parceiros – e desafios – para os engenheiros de Itaipu. Uma das empreitadas foi designada pelo próprio ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. Ele pediu à Itaipu para criar o primeiro ônibus híbrido do mundo movido a etanol e eletricidade em um prazo de seis meses. A intenção de Lula era usar o carro para transportar autoridades na 40.ª Cúpula de Presidentes do Mercosul e Estados Associados. “Viramos muitas noites no projeto. O ônibus ficou pronto duas horas antes do evento”, lembra Novais.
A intenção de Itaipu é refinar o projeto do ônibus híbrido movido a etanol e eletricidade e licenciar a tecnologia para uma montadora que tenha interesse em produzir o veículo no País.
O ônibus trouxe novos parceiros para a usina, como a integradora de projetos Eletra, que já tinha um acordo para o desenvolvimento de um ônibus elétrico com a Mitsubishi. Depois chegaram também empresas para trabalhar em projetos de caminhão, VLT, avião elétrico e diferentes modelos de carros.
A Renault, por exemplo, aderiu ao projeto em outubro e cedeu 32 kits desmontados do elétrico Twizy, ainda não homologado no País, para testes em Itaipu. “Queremos que Itaipu nos ajude a desenvolver fornecedores nacionais de peças para o carro elétrico”, disse Silvia Barcik, chefe do projeto de veículo elétrico da Renault no Brasil.
Os fornecedores já estão se aproximando de Itaipu. A WEG, por exemplo, produziu motores para a maioria dos protótipos criados pela usina binacional. “Itaipu é a Petrobrás da energia. O que a Petrobrás faz para trazer conteúdo nacional para os negócios ligados ao pré-sal, Itaipu pode fazer na área elétrica”, disse o diretor técnico da WEG Automação, Umberto Gobbato. A WEG também vende motores elétricos para navios da Petrobrás, usados para dar suporte às plataformas de petróleo. “Já usamos o motor elétrico na indústria. Vamos fazer adaptações para o setor de transporte se tiver demanda.”
Royalties. Itaipu também quer ganhar com o projeto. “Até agora, as nossas parcerias visavam a um refinamento técnico. Daqui pra frente vamos fechar acordos pensando em receber royalties com as inovações”, disse Margaret Groff, diretora financeira de Itaipu.
A intenção, no entanto, não é engordar o lucro da empresa com inovações que saiam da oficina de veículos elétricos. “Vamos reinvestir os recursos que recebermos de royalties em inovação”, explica Margaret.
Hoje a usina investe toda a receita não operacional, que vem de turismo e aluguel de imóveis pertencentes à usina, em projetos de pesquisa e inovação. A maior parte do orçamento, de US$ 20 milhões por ano, vai para o parque tecnológico adjacente à usina. Neste ano, US$ 4 milhões foram aplicados no projeto de veículo elétrico, sem considerar os aportes de parceiros. “Itaipu não tem fins lucrativos. Nossa missão é mais do que vender energia.”
Por Marina Gazzoni, do O Estado de S.Paulo.