LOCALIZA roda firme na crise e expande
O mercado brasileiro do veículo de aluguel cresceu a um ritmo enorme nas últimas duas décadas.
No final da década de sessenta, um auxiliar de escritório de 17 anos chamado Salim Mattar foi a uma agência de aluguel de carros pagar uma conta. Filho de um comerciante de origem libanesa da pequena cidade de Oliveira, em Minas Gerais, ouviu várias vezes de seu pai sobre a importância de se ter o próprio negócio. “Quando vi a conta que a agência me passou, tive uma revelação”, contou em uma conversa para empreendedores em agosto. “Fiz uma regra de três simples e disse para mim mesmo: se recebem isso por alugar um carro durante um dia, quanto ganham nos 365 dias do ano com esse carro? Esse é o negócio em que quero estar!”.
Hoje a empresa fundada por Mattar em 1973, a Localiza, é a maior firma de aluguel de carros da América Latina, com um faturamento de 1,954 bilhão de reais em 2015 e lucro de 200 milhões de reais nos seis primeiros meses do ano, 3,8% a mais do que no mesmo período do ano anterior. A empresa tem mais de 120.000 veículos e 565 agências, 71 delas em sete países latino-americanos.
O simples fato de obter bons lucros em um mercado tão problemático como o latino-americano – e o que dizer sobre obtê-los no Brasil, um país imerso em sua pior recessão em três décadas – atraiu a atenção dos investidores, que levaram as ações da empresa a preços recorde. Para seu executivo-chefe, Eugenio Mattar (irmão de Salim), o bom resultado é fruto da previsão. “A crise não nos pegou de surpresa”, diz. “Sabíamos que após as eleições [de 2014, quando Dilma Rousseff foi reeleita] ocorreria um ajuste da economia, com juros mais altos. Nós nos preparamos para isso já nessa época, revisando nosso perfil de crédito e reforçando nossa capitalização para poder manter nossa qualificação da dívida e não precisar recorrer ao mercado”. Ele procurou assim evitar a situação de 1997, quando a empresa evitou uma crise de dívidas vendendo um terço do capital a três fundos norte-americanos.
Além disso, o negócio da Localiza é especialmente resistente às recessões. O setor de carros usados, que representa um quarto do faturamento, cresceu, ao contrário do de carros novos. As empresas também estão sendo um impulso. “O brasileiro prefere ter do que alugar”, afirma Paulo Nemer, presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA). “Com a crise, muitas empresas estão vendendo suas frotas, mas as necessidades de deslocamento continuam, e é aí de onde vem o crescimento”. Em 2015, o número de veículos para as frotas da Localiza se reduziu em 1,5% enquanto a frota total de automóveis da empresa cresceu 9,5%.
O próprio Salim Mattar descobriu em primeira mão essa característica ao fundar a empresa em plena crise do petróleo com oito Volkswagen Sedã comprados a crédito. “Ninguém acreditava que eu iria dar certo, nem minha namorada”, explicou. “Como você vai abrir uma agência de aluguel de carros se não existirá gasolina?”, me diziam. Tivemos que comprar os oito carros com oito créditos diferentes e fazer inúmeros malabarismos com vários gestores para que a operação pudesse funcionar”.
Salim Mattar também foi prudente em sua expansão: no lugar de tentar no eixo Rio-São Paulo, a Localiza se expandiu no pouco disputado interior do país antes de se lançar na competição com os gigantes internacionais como a Hertz e a Avis. “O Brasil é um país de crise”, explicou. “Se você ficar sentado esperando a crise passar, talvez seus netos possam empreender. O ambiente de crise é propício para o empreendimento”.
Jogos neutros
Para Eugenio Mattar, a empresa teve sorte ao poder passar pelos Jogos Olímpicos com um resultado neutro: “Por um lado éramos a empresa oficial dos Jogos, foi um mercado que aproveitamos”, afirma o executivo-chefe. “Por outro lado, o tráfego de veículos privados no Rio de Janeiro foi muito reduzido [pelas restrições de circulação]. O mercado dos carros de aluguel se contraiu drasticamente. Também ganhamos um pouco em outras cidades”.
O Governo formado após o impeachment de Dilma Rousseff pode realizar uma transformação que beneficiará o setor, de acordo com Paulo Nemer. “A tendência é que os Governos, tanto no âmbito federal como no local, comecem a subcontratar suas frotas de veículos do setor privado”, explica o presidente do sindicato. “Nossas perspectivas são boas, assim que a economia começar a se recuperar”.
A Localiza, por sua vez, coloca suas expectativas em conseguir uma fatia de mercado em um setor muito fragmentado, com mais de 5.000 pequenas e médias empresas. “Está claro que vamos continuar crescendo organicamente”, afirma Eugenio Mattar. “E sempre nos expandimos através de compras, apesar da falta de oportunidades nos últimos anos. Continuamos atentos ao que possa aparecer”.
Fonte: EL PAÍS – Madri – Por Thiago Ferrer Morini