As lições que o Mundial de futebol deixa para a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016
As previsões mais pessimistas em relação ao Mundial não se confirmaram — pesadelo, mesmo, foi o 7 a 1 que a seleção brasileira levou da Alemanha nas semifinais. Não houve caos nos aeroportos, manifestações capazes de suspender jogos, turistas presos no trânsito e coisas do tipo. Mas, além da vergonhosa derrota, que deve fazer a seleção reavaliar sua atuação, o Mundial traz ainda outras lições. É hora de pensar no que deu certo no Rio e nas outras 11 cidades-sede, para repetir durante as Olimpíadas, e também de identificar os erros, para corrigi-los até 2016.
Um dos itens que precisa ser reavaliado é o atendimento bilíngue. No Rio, como a maioria dos taxistas não domina a língua inglesa, a solução foi distribuir cartilhas para os motoristas se comunicarem com os visitantes. Em boa parte das outras cidades-sede, ocorreu problema parecido.
Também foi com improviso que a Prefeitura do Rio resolveu uma situação não esperada: a invasão de motorhomes dos “hermanos”. Foi preciso abrir o Terreirão do Samba, o Sambódromo e a Feira de São Cristóvão para centenas de veículos, já que ninguém pensou que essa seria uma opção usada por muitos torcedores de países sul-americanos para acompanhar as partidas na cidade.
Entre os destaques, além da grande cordialidade dos brasileiros, elogiada pelos turistas em todas as cidades da Copa, estão as investigações da polícia carioca, que descobriu uma quadrilha internacional de cambistas que atuava desde a Copa de 2002. Mas a segurança, mesmo reforçada e integrada com forças federais, deixou a desejar: manifestantes abordaram o ônibus da seleção brasileira, próximo ao Aeroporto Tom Jobim, e chilenos conseguiram invadir o Maracanã.
Houve ainda muitas queixas de roubo de ingressos no entorno dos estádios, e até um episódio, em Porto Alegre, em que o torcedor foi espancado pelos ladrões dos bilhetes. A seguir, um balanço da Copa nas 12 cidades-sede, separado pelos oito principais temas em análise.
DEU CERTO, MAS COM RESSALVAS
Mobilidade urbana
No Rio, o plano de mobilidade deu certo, com ressalvas, na Copa. Principal transporte de massa para chegar ao Maracanã, o metrô conseguiu atender à demanda, mesmo com composições bastante cheias. Para facilitar a saída do público, a empresa liberou as catracas no fim dos jogos. O uso do BRT Transcarioca também foi aprovado por turistas no deslocamento entre o aeroporto e a Barra. A ressalva é que nem todas as estações estavam abertas. Em São Paulo, o metrô e o trem até Itaquera também foram boa opção de transporte. Mas houve grandes engarrafamentos no Rio e em São Paulo em dias de jogos do Brasil, e feriados precisaram ser decretados. Obras de mobilidade não ficaram prontas. Em Belo Horizonte, desabou um viaduto em construção que será usado no BRT.
FILAS E REFORMAS NÃO CONCLUÍDAS
Aeroportos
Apesar de as reformas estruturais do Aeroporto Tom Jobim não terem sido concluídas a tempo, os visitantes não enfrentaram muitos problemas. Mas, no quesito informação, os serviços deixaram a desejar. Não há balcão de informações da Infraero no setor de desembarque. Os maiores problemas foram causados por fatores externos. No Santos Dumont, passageiros deixaram de viajar no dia de Brasil x Chile devido ao nevoeiro. Em São Paulo, na véspera da abertura da Copa houve filas de duas horas no desembarque; depois as coisas entraram nos eixos. Em Brasília, uma chuva inundou um terminal recém-inaugurado. Em Natal, os primeiros voos internacionais do novo aeroporto não puderam ser realizados. Em Curitiba, passageiros conviveram com tapumes, entulho e barulho de obra.
INTEGRADA, PORÉM COM FALHAS
Segurança
De modo geral, o plano integrado de segurança funcionou bem, mas houve falhas. As que mais repercutiram foram as invasões do Maracanã por torcedores chilenos e argentinos, mas houve muitos roubos e furtos de ingressos, inclusive em estações e trens do metrô. Quase 300 turistas foram barrados nas fronteiras, incluindo 56 “barra-bravas”, como são conhecidos torcedores argentinos violentos. Nas operações policiais, pelo menos quatro traficantes internacionais foram presos. Um deles foi o mexicano José Diaz-Barajas, detido no Aeroporto Tom Jobim quando tentava embarcar para Fortaleza. A Vila Madalena, em São Paulo, registrou confrontos entre PMs e torcedores arruaceiros, e 45 vezes mais furtos em relação ao mesmo período de 2013.
SISTEMA PARECIDO PARA 2016
Atendimento a turistas
O plano do Rio tomou como base a experiência de outros megaeventos feitos na cidade. Além dos 15 postos fixos existentes, a Riotur instalou sete temporários, incluindo um no Maracanã. Cerca de 150 funcionários da empresa circularam pelos pontos turísticos com um totem preso em mochilas com a inscrição bilíngue “Posso ajudar?” Sistema semelhante foi adotado nas Olimpíadas de Londres e será repetido em 2016, mas em maior escala, já que voluntários foram recrutados para fazer esse trabalho nos Jogos. Mas o call-center prometido para os turistas tirarem dúvidas ficou no papel. São Paulo elevou os postos de atendimento de 6 para 15; Brasília tinha 23. Em Cuiabá, o atendimento foi deficiente por falta de preparo dos funcionários. Em Recife, havia folhetos em cinco idiomas nos postos.
O GRANDE DESTAQUE DO MUNDIAL
Cordialidade brasileira
Todas as pesquisas feitas até agora, no Rio e em outras cidades-sede, indicam que esse foi o ponto alto da Copa no Brasil, e que os visitantes, em sua grande maioria, estão indo embora bastante satisfeitos. É a maior propaganda que o turismo brasileiro poderia fazer. Os cariocas reagiram com bom humor à invasão dos “hermanos” na orla de Copacabana, no transporte público e até nos bares da Lapa, apesar de alguns incidentes isolados, como brigas entre torcedores. As arenas da Fifa Fan Fest, montadas na Praia de Copacabana e em muitas outras cidades, aproximaram os povos. Muitos moradores chegaram a oferecer hospedagem de graça a estrangeiros, que lotaram os principais pontos turísticos. Mas houve exceções: na Vila Madalena, em SP, por exemplo, a arruaça dos torcedores irritou moradores.
VALOR DAS DIÁRIAS ASSUSTOU
Capacidade hoteleira
O Rio teve a maior taxa de ocupação na rede hoteleira entre as cidades-sede, acima de 90%. Mas houve muita reclamação em relação aos preços altíssimos das diárias. Os bloqueios de quartos feito pela Match, empresa licenciada pela Fifa, teria colaborado para o encarecimento. Com os incentivos fiscais concedidos pela prefeitura, 6,8 mil novos quartos de hotel foram abertos na cidade em cinco anos. Mas o perfil dos estabelecimentos não foi capaz de atender boa parte dos turistas sul-americanos, que chegaram a dormir em acampamentos, na rodoviária e em outros locais públicos. Em SP e Brasília, os hotéis perderam o público dos eventos corporativos, e não houve problemas. Em Manaus, por falta de opções, turistas tiveram de dormir até em barcos; em Cuiabá, teve gente que foi parar em motéis.
INFLAÇÃO ‘PADRÃO-FIFA’
Preços
O Rio foi a capital dos preços surreais. Na Tijuca, um estacionamento rotativo chegou a cobrar R$ 100 em dias de jogo no Maracanã. Às vésperas do evento, alguns sites anunciaram imóveis por temporada a preços elevadíssimos. Mas bares, restaurantes e quiosques de Copacabana, de modo geral, mantiveram os preços que vinham praticando desde o réveillon. Manaus se queixou de inflação “padrão Fifa” tanto nos restaurantes quanto nos hotéis. Cuiabá também se queixou do valor das diárias. Curitiba, pelo contrário, deixou como exemplo para o Rio uma preparação prévia para evitar abusos de preços. No início do ano, o Procon fez pesquisa de preços e conversou com donos de restaurantes e bares, e divulgou um número de telefone para a comunicação de abusos. Deu certo.
AINDA PRECISAM MELHORAR
Serviços
No Rio, os turistas enfrentaram um problema recorrente em períodos de alta temporada: as filas para visitar pontos turísticos, principalmente o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar. Os taxistas, de modo geral, não falam inglês, assim como os garçons e atendentes. Nas vias públicas, muitos guardadores do Vaga-Certa se aproveitaram para cobrar muito mais que o preço único de R$ 2. Em outras cidades, museus e atrações turísticas estavam preparados para receber os torcedores. Em algumas estações do metrô, funcionários usaram megafones para orientar os visitantes em português e inglês.
Por Tiago Dantas, Ezequiel Fagundes, Lauro Neto, Evandro Éboli, Eduardo Barretto, Catharina Wrede, Letícia Lins, Luiz Ernesto Magalhães e Selma Schmidt, do Jornal O Globo.