27% dos gestores não estão prontos para a mobilidade
Projetos Expresso. Mudança. A transição digital é um desafio para muitas empresas, que ainda procuram a melhor forma de a implementar
O mundo faz-se de desafios e oportunidades, e a digitalização, que está cada vez mais presente no dia a dia das empresas portuguesas, entra nesse binómio. A transição digital “é uma oportunidade de criação de valor sem precedentes no passado recente, permitindo reduzir custos, incluindo a otimização do capital empregue e o retorno dos investimentos, aumentar receitas e criar novos negócios rentáveis à escala global”, explica o presidente da Accenture Portugal, José Gonçalves. O grande objetivo é que as “organizações consigam capturar este potencial de criação de valor”, o que deve passar por vertentes como “liderança, cultura, formas de trabalho, competências, ecossistemas de parceiros, local de trabalho e, claro, novas tecnologias”.
No papel, adotar a transição parece uma opção lógica, mas os constrangimentos das estruturas empresariais, sejam económicos ou de mentalidade, fazem com que a opção não seja tão tácita quanto parece. É a razão por que 27% dos gestores sentem que a sua empresa não está preparada para os desafios da mobilidade e um número ainda maior, 64%, acredita não ter as ferramentas necessárias para o comércio eletrônico. Os dados do estudo “Novos Desafios Digitais, a Gestão das PME” dão conta de um grupo de líderes que, apesar de reconhecer a inevitabilidade da digitalização, ainda procura entender exatamente o que o processo vai implicar.
“As empresas têm de lutar contra uma natural tendência de resistência à mudança em certos sectores”, aponta António Saraiva. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal lembra que a pandemia levou à ultrapassagem de “muitas barreiras, por vezes culturais, na adoção tecnológica”, ao mesmo tempo que deixa um aviso: “É importante que não nos iludamos. Uma adaptação circunstancial, por muito eficaz que tenha sido, não deve ser confundida com um processo estruturado de transição digital.”
Competitividade digital
A questão das competências digitais vem sempre à baila, e António Saraiva reforça que “qualquer ranking internacional mostra que, nesta matéria, comparamos muito mal com os nossos parceiros europeus”, o que “acaba por se refletir na vida das empresas”. Veja- -se, por exemplo, a mais recente lista da competitividade digital feita pelo IMD World Competitiveness Center, onde Portugal surge no 37º lugar entre 67 países, o que representa uma descida de três lugares face à posição anterior e o terceiro ano consecutivo em que o país piora, apesar das melhorias nos índices de conhecimento e tecnologia.
Para o sócio sénior do Boston Consulting Group em Portugal, Miguel Abecasis, “se quisermos medir o progresso conseguido, podemos observar a baixa penetração dos canais digitais em banca em Portugal” relativamente “à média europeia”. Neste campo, “continuamos uns 10% atrás da média e a léguas de distância dos melhores”, o que, na sua opinião, “mostra que não só a sociedade portuguesa demonstra alguma inércia na adoção, como a maior parte das empresas ainda não desenhou e entregou as experiências de cliente necessárias para mover esta dinâmica de forma mais decisiva”.
Software de controlo financeiro e de produtividade no local de trabalho são os que registam investimentos mais elevados e as ferramentas digitais de gestão assumem uma importância crescente na maioria das empresas, com ênfase nas que oferecem “uma maior capacidade de ‘libertar e democratizar’ o acesso a dados coerentes e de qualidade dentro da organização” ou de marketing digital, entre outras. “Para assegurar agilidade e adaptabilidade na sua transformação, as empresas têm de apurar as suas capacidades no desenvolvimento de tecnologia nos seus diversos aspetos, tais como a capacidade de testagem automática e a integração e entrega de softwares contínuos que assegurem a qualidade exigida”, defende Miguel Abecasis.
“As lideranças empresariais têm de ter presente que as ferramentas tecnológicas são um recurso excecional que não pode ser desperdiçado”, garante António Saraiva, enquanto José Gonçalves acrescenta que “não podemos ficar dependentes apenas de startups que conseguem ter sucesso e escalar”. Neste campo, “as grandes empresas portuguesas têm claramente um papel fundamental a desempenhar”, com a certeza de que estamos só no início. “São mudanças importantes? Sem dúvida. Mas são também apenas a ponta do icebergue no que se refere à efetiva transformação digital”.
Texto originalmente publicado no Expresso de 17 de outubro de 2020
Fonte: https://expresso.pt/economia/2020-10-19-27-dos-gestores-nao-estao-prontos-para-a-mobilidade