O setor de locação e o mercado de capitais
O Setor de locação e o mercado de capitais.
Artigo de Carlos Tristão*, economista e sócio da Go2 Capital.
Uma característica marcante da atividade de locação é o fato de ser intensiva em capital.
O setor é, de modo geral, alavancado.
No início de nov.23 a alavancagem média (DL/Ebitda) das empresas listadas na B3 estava em 1,6x (base XP semanal), tendo alguns setores média superior, principalmente aqueles que investem hoje para colher amanhã, como é o caso de locação e logística (média 3,3x), saúde (3,1x), educação (3,2x), indústrias de base e de infraestrutura (que variam a depender do estágio da companhia e de seus projetos).
Um dos motivos para que empresas do setor de locação sejam alavancadas é conhecido, assumir o endividamento total em balanço e performar no longo prazo apropriando mensalmente resultado, mas, um outro motivo vem contribuindo para esse aumento, o crescimento do setor.
Alugar é a nova compra. Cada vez mais as empresas e pessoas desejam pagar pelo uso e ter menos ativos próprios. Empresas ainda tem a vantagem da dedutibilidade fiscal, o que faz com que a locação se torne mais vantajosa. E essa demanda crescente, acentuada pela pandemia e um novo olhar sobre o core business das empresas fez com que a demanda do setor crescesse muito (CAGR de 23% a.a. entre 2018 e 2022, segundo a ABLA).
E aí surgiu um novo gargalo. A falta de crédito? Não! O perfil da dívida!
Por mais que a alavancagem do setor seja alta, os bancos comerciais e de montadoras conhecem o histórico de pagamento de seus clientes e mantem limites – claro, com a alienação do bem e talvez garantias adicionais – mas o score não vem apenas do balanço, mas da recorrência de operações pagas. Além disso, se trata de dívida com lastro líquido (veículos e máquinas) e backlog.
Assim, há demanda, há crédito, e há preço que justifique rentabilidade, porém, há também a limitação no fluxo de caixa para sustentar crescimentos mais robustos, visto que o perfil médio da dívida é de curto prazo (36 a 48 meses com amortização mensal). E essa disciplina no planejamento financeiro não é comum a todos – quando vemos uma locadora quebrar, normalmente não é por falta de resultado ou de crescimento, mas por falta de caixa.
E é justamente aí que o mercado de capitais pode contribuir.
O mercado de capitais é um balcão de negócios altamente regulado, onde investidores buscam maximizar seus patrimônios e empresas tomar recursos para aplicar em seus negócios e gerar rendimentos superiores ao custo de captação. Em 2016 o mercado de capitais brasileiro transacionou em emissões primárias R$ 125 bilhões e deve finalizar 2023 com volume próximo a R$ 340 bilhões, tendo registrado recordes em 2022 (R$ 545 b) e 2021 (R$ 610 b), sendo quase metade disso operações envolvendo modalidades de debêntures.
No Brasil o mercado de capitais de dívida representa ~23% do total de financiamento de empresas não financeiras – alinhado com Europa, Japão e um pouco abaixo da China, mas ainda longe do mercado americano ~77%. De qualquer forma, seu desenvolvimento no Brasil tem sido crescente e de grande importância na matriz de crédito do país, possibilitando para empresas que entregam rentabilidade futura a preservação de sua liquidez, como para as locadoras.
Quais seriam então os motivos para que poucas empresas do setor de locação operem? Alguns de nossa percepção:
- Apesar do crédito via CDC não ser operacionalmente perfeito, devido principalmente a alienação do bem, se trata de uma modalidade de amplo crédito e que é competitiva em taxas;
- A maioria dos médios players do mercado ainda não atuam com as melhores práticas em finanças, contabilidade e governança. Que são itens essenciais para se operar com investidores institucionais;
- A comunicação com investidores e banqueiros de investimentos é diferente, demanda profissionalismo, disciplina e visão de longo prazo. Os fundos adquiriram 44% das debêntures colocadas em ofertas públicas em 2022;
- Operações estruturadas demandam maior planejamento financeiro, visto que demoram mais para se viabilizar e terão prazos de amortização nem sempre casados com os de locação nem com a venda de seminovos, como é o caso do CDC e leasing
Muito se questiona também sobre volume mínimo.
A média em 2023 está em ~R$ 185M por emissão, porém volumes menores não são impeditivos. Operações de diferentes modalidades a partir de ~R$ 10M já se mostram viáveis, inclusive para empresas que não sejam S/A. Mas não se pode limitar a análise da viabilidade apenas na taxa em si. Os principais players do país captaram em 2023 a uma média de CDI + 2%, enquanto entrantes CDI + 7%, incluindo garantias reais. Mas deve-se agregar no estudo de que com um perfil alongado de dívida é possível aproveitar a demanda de novos e bons projetos. Dessa forma criando um ciclo virtuoso = crescimento – escala – competividade – crescimento sustentável – liquidez e criação de valor. Lembrando, a taxa mais cara é aquela não você não tem.
Por último, a gestão da estrutura de capitais envolve não apenas dívida, mas também equity (participações). Companhias com capital aberto tem maior liquidez ao subscrever novas ações (follow-ons) e balancear sua estrutura. Mas e quem tem sua estrutura de capital fechada? Cenas para os próximos capítulos.
Não fiquemos para trás. Vamos juntos!
Carlos Tristão é economista e sócio da Go2 Capital. Uma das principais boutiques financeiras e de M&A do Brasil, com expertise nos setores de locação e logística.
O setor de locação e o mercado de capitais