A
Localiza surgiu nos anos 70, no centro da capital mineira Belo Horizonte, como uma locadora de carros. Na época, o fundador da empresa,
Salim Mattar (hoje secretário especial de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia) começou o negócio com meia dúzia de fuscas comprados a crédito.
Passadas mais de quatro décadas, a companhia opera hoje por meio de mais de 590 agências espalhadas pelo Brasil e por outros cinco países da América Latina.
Só no primeiro trimestre deste ano, foram 115 mil veículos alugados – 26% a mais do que no mesmo período do ano anterior.
Para o presidente da Localiza, Eugênio Mattar, o crescimento robusto, mesmo em tempos de crise, tem dois motivos principais: a qualidade do atendimento e o aumento da demanda, impulsionada principalmente pela locação de carros para compor a exponencial frota de Uber, 99 e outros aplicativos de mobilidade que estão revolucionando a mobilidade e a relação de consumo no País.
CONSUMIDOR MODERNO: COMO A LOCALIZA CONSEGUIU AMPLIAR SUA PARTICIPAÇÃO NO MERCADO DE LOCAÇÃO DE AUTOMÓVEIS MESMO DURANTE A CRISE?
EUGÊNIO MATTAR: Nós temos um DNA de desafio a obstáculos. Desde 2012, 2013, o Brasil vinha dando sinais de que tempos difíceis chegariam, antes mesmo da eleição de Dilma e depois de ela ser eleita. Víamos que o Brasil estava caminhando para a recessão, com déficit fiscal. Se o mercado ia ficar mais difícil, como crescer? Procuramos então fazer um trabalho interno para melhorar o atendimento ao cliente e reter mais que a concorrência. Repensamos, ainda, o processo de vendas em todos os canais: equipe de vendas, central de reservas e site. Outro trabalho foi compreender a elasticidade do preço para saber até onde poderíamos baixar o valor do serviço sem prejudicar nossos resultados durante o ganho de escala. Além disso, repensamos em como reduzir custos e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade.
CM: VOCÊS SE CONSIDERAM BEM-SUCEDIDOS EM TODAS ESSAS INICIATIVAS?
EM: Nosso preço de aluguel de carros é mais barato do que há dez anos em termos nominais. Se você pensar numa inflação de dez anos, imagina como baixou o preço de aluguel de carro. O volume de negócios que veio compensou a redução de preços. Isso tudo virou um círculo virtuoso: eu baixo o preço, trato bem o cliente, aumento volume e produtividade. O que aconteceu com isso? As pessoas que já alugavam carro passaram a alugar mais frequentemente e quem não alugava passou a ver como opção de transporte e mobilidade. Com isso, crescemos ininterruptamente há três anos.
CM: COMO A LOCALIZA TEM COMBATIDO O AUMENTO DE FRAUDES E ROUBOS DE VEÍCULOS?
EM: O índice de fraudes e roubos no Brasil é maior que nos países desenvolvidos. Aqui, a fraude no uso do carro, nos meios de pagamento, furto, roubo e desmanche é muito forte. Precisamos do apoio do Estado e da sociedade para poder coibir, reprimir e punir essas práticas e, assim, ter um custo menor para o Brasil e os brasileiros. Por isso, a gente trabalha fortemente na prevenção a fraudes e na recuperação de carros roubados e furtados. Temos, inclusive, um sistema antifraude de reconhecimento facial. Registramos todas as pessoas que vão alugar um carro na Localiza pela primeira vez e tratamos esses dados para verificar o seu perfil. Nós também temos milhares de carros conectados que usam a telemetria. Eu sei, portanto, onde o carro está e onde ele foi eventualmente furtado ou roubado. São as formas que a gente usa para evitar fraudes e roubos e, assim, amortizar as perdas.
CM: QUEM SÃO OS PRINCIPAIS CLIENTES DA LOCALIZA?
EM: Temos clientes corporativos (empresas que alugam carros para seus colaboradores); pessoas físicas em viagem a lazer e a negócios; e os motoristas de aplicativos, que usam carros para poder prestar serviços para Uber, 99 etc.
CM: COMO ENXERGA O PAPEL DO SEU NEGÓCIO NESSA NOVA ECONOMIA DE COMPARTILHAMENTO?
EM: Cada dia mais as pessoas estão se desapegando da posse do carro. Existem pessoas que adoram ter um carro diferente, com performance, mas a maioria usa como mobilidade. Na medida em que o transporte púbico brasileiro não tem uma abrangência tão grande e com a aparição de aplicativos, as pessoas passaram a ter a mobilidade em qualquer lugar a partir do celular. Por isso, as pessoas passaram a fazer a conta e viram que é mais barato utilizar um carro da Uber, durante a semana para ir trabalhar, e alugar um carro no fim de semana, quando fizer uma viagem, do que ter um carro próprio. O aluguel mensal também passou a fazer sentido para as pessoas porque elas consideram hoje ter um carro mais barato. Para outras, é interessante pedir um carro por aplicativo durante a semana e usar o carro próprio apenas para lazer.
CM: APPS COMO UBER E 99 VÊM AJUDANDO A IMPULSIONAR OS NEGÓCIOS DA LOCALIZA?
EM: Essas startups de mobilidade e as empresas de aluguel de carro têm uma sinergia. Nós alugamos carros novos, bem-conservados e limpos, que dão confiança a quem dirige e a quem está sendo transportado. E as empresas de aplicativo precisam de veículos nessas condições. Nós oferecemos para o motorista uma opção de ter o carro alugado com assistência técnica, seguro em caso de acidentes, carro reserva para eventuais quebras e devolução do veículo nas férias. O tempo todo dele é voltado para o trabalho e ele fica muito mais produtivo. E a gente faz o serviço com um custo muito bom, porque somos especializados em contratar esses serviços, como os de manutenção e, em escala, os custos são menores.
CM: COMO AS REDES SOCIAIS IMPACTAM O ATENDIMENTO DA EMPRESA?
EM: Desde os anos 70, quando surgimos, houve uma mudança bastante radical no comportamento do consumidor. Ele está cada dia mais exigente, e não é só com o nível de serviço, mas com a qualidade desse atendimento em todos os pontos de contato. Se ele liga para a empresa, precisa ter velocidade e qualidade, mas isso também no mobile, no site e no presencial. O cliente tem hoje mais poder com as mídias sociais para postar reclamações de todas as ordens. A voz dele tem eco muito forte nesses ambientes.
CM: E COMO AS EMPRESAS DEVEM SE COMPORTAR DIANTE DESSA NOVA REALIDADE?
EM: As empresas têm de se adaptar. No nosso caso, procuramos nos antecipar para não ter a necessidade de reagir. Fazemos isso com um atendimento cada vez mais digital e mais veloz e uso mais prático das ferramentas digitais. É preciso também ter mais confiança no cliente e não o colocar em xeque quando ele está fazendo uma reclamação para outras pessoas. Isso pode afetar a marca.
CM: VOCÊS VÊM TESTANDO OUTROS MODELOS DE NEGÓCIOS?
EM: O aluguel de carros é o compartilhamento de carros mais antigo que existe. Nos modelos de startups, a gente vê que o modelo de compartilhamento de carros, chamado car sharing, ficou difícil de sobreviver depois dos aplicativos, porque serviços de empresas como Uber e 99 são mais baratos e mais cômodos do que o aluguel por hora de um carro. Esse é um segmento que não prosperou por causa dos carros de aplicativo. Sobre iniciativas com outros tipos de veículos, de avião a patinete, a Localiza tem procurado mais se conectar a esse hub de mobilidade do que fazer todos eles. Nós acreditamos que o carro vai mudar para elétrico e autônomo, mas continuará presente em nossa vida por muito tempo. Nós nos manteremos focados na locação de carros. Não estamos nos concentrando em outros modais.
CM: NA ERA DOS DADOS, COMO A LOCALIZA UTILIZA AS INFORMAÇÕES DOS CLIENTES PARA OTIMIZAR SEUS SERVIÇOS?
EM: Nós procuramos medir todos os contatos que temos com o cliente e toda informação que a gente tira da nossa frota. Eu quero saber qual é o carro que o cliente mais gosta, qual modelo tem mais problema e qual tipo de problema é mais recorrente. Para isso, usamos dados dos clientes e dos carros, por telemetria e também por meio de internet das coisas. Por exemplo: se eu tenho a porta de uma van que abre e fecha toda hora, eu consigo predizer quando ela vai dar problema e fazer o reparo preventivo. Isso é fundamental para melhorar a produtividade e a qualidade do atendimento.
CM: VOCÊS USAM ESSAS INFORMAÇÕES EM OUTRAS ETAPAS DO TRABALHO?
EM: Com certeza! Eu tenho uma transportadora que desloca os carros da Localiza e quero saber quando o carro embarcou, onde ele está e quando chega ao destino. Por isso, estou conectado com todos os nossos fornecedores. Se eu mando um carro para a oficina, quero saber quando chegou e quando saiu. Eu consigo fazer todo esse monitoramento.
CM: QUAL SERÁ O FUTURO DA LOCAÇÃO DE AUTOMÓVEIS NO BRASIL?
EM: A frequência do uso vai mudar. Hoje é fácil alugar um carro porque você tem uma distribuição ampla e ele sai barato quando comparado ao táxi, por exemplo, além de trazer conforto e liberdade. A mudança de comportamento da sociedade é mais de uso do que de posse. Por isso, o futuro de locação é promissor. O carro vai evoluir e a tendência, com a redução de preços, é a ampliação do uso.
Fonte: Consumidor Moderno