Semicondutores, esses danadinhos…

A palavra que a gente mais lê e ouve no setor automotivo hoje é semicondutor. O componente se tornou o fantasma da indústria e é o principal responsável pela paralisação das fábricas aqui.

O componente se tornou o fantasma da indústria e é o principal responsável pela paralisação das fábricas aqui. De quebra, é a causa da reviravolta no mercado de veículos do jeito que estávamos acostumados.

Repare como maio foi um período, mais uma vez, totalmente atípico.

O Fiat Argo foi o carro mais vendido do país. Superou até a Strada e o Mobi. Isso depois de Mobi, Hyundai HB20 e Jeep Renegade terem formado um inusitado pódio entre os carros de passeio mais comercializados de abril.

Enquanto isso, o Chevrolet Onix, o modelo mais emplacado em nossas terras nos últimos cinco anos, despenca pelas tabelas em razão dos… semicondutores. Ou melhor, da falta deles. A produção da linha compacta da General Motors em Gravataí (RS) continua paralisada – e ainda sem previsão de retomada.

No acumulado do ano, o Onix até se mantém líder, devido ao seu sempre incrível desempenho comercial em condições normais de temperatura e pressão – que só ocorreram nos três primeiros meses deste ano. Porém, o carro da GM deve perder a ponta já neste mês de junho.

Mas atente para o fato de que a Fiat ficou com as primeiras posições do mercado.

Argo e Mobi até figuravam frequentemente no Top 10 dos emplacamentos da Fenabrave, mas jamais sonharam com a liderança. Não bastasse, em maio a marca italiana anotou 40 mil unidades entregues em um único mês, feito só conseguido em 2016.

Isso resultou em uma participação de mercado de 17,3% entre os automóveis de passeio – pouca coisa atrás da líder Volkswagen – e de quase 50% dos comerciais leves no mês passado. Então, pau que bate em Chico não bate em Francisco? Todo mundo está sem semicondutor, menos a Fiat?

Peitou os gringos

Pesa o fato de que alguns modelos usam mais semicondutores do que outros – um único modelo pode ter até 600 unidades da peça. A GM até alardeou isso em um comunicado recente, ao garantir que o Onix usa o dobro dos semicondutores do que a média da categoria de compactos. Porém a questão da falta destes insumos vai além e passa pela própria estratégia global dos fabricantes.

Conversei com diferentes analistas e consultores de mercado, e das próprias montadoras. O fato é que muitos grupos automotivos priorizaram as matrizes ou mercados estratégicos. Ou seja, foi mandado semicondutor para onde há rentabilidade e competitividade. Infelizmente, o Brasil não se enquadra atualmente nestes dois requisitos, ainda mais com tempos de câmbio desfavorável e incertezas em relação ao combate à pandemia do novo coronavírus.

Porém, algumas marcas amararam bem as estratégias com suas matrizes e asseguraram sua cota de semicondutores.

Uma delas foi a Fiat, que garantiu sua dose de semicondutores para manter as boas vendas no país. Obviamente que o abastecimento irregular afetou algumas linhas, em especial da Strada, que usa mais semicondutores do que outros modelos – a picape tem fila de espera que pode chegar a seis meses.

Pesa a favor da marca, obviamente, o seu retrospecto. A Fiat brasileira por anos “sustentou” o grupo e era uma das poucas filiais a operar no azul nos anos 2000 e início dos 2010. Ainda hoje, é uma das operações mais rentáveis da empresa no mundo e um das grandes responsáveis pelo envio de importantes dividendos à FCA.

Mas tal facilidade de negociação não é tão simples para outras montadoras.

A GM é uma delas, como pode-se verificar. Apesar de ter o carro mais vendido do país, a rentabilidade de uma linha compacta não enche os olhos. E o grupo automotivo está em um momento estratégico em suas operações nos EUA e na China, com novos produtos, em especial de veículos elétricos.

E vai sobrar para outros fabricantes. A Anfavea já traçou um panorama nebuloso de mais interrupções em outras fábricas no Brasil. Um equilíbrio no abastecimento de semicondutores, só em meados de 2022. Um estudo da entidade, inclusive, mostra que a falta dos chips impacta em até 5% a produção global de veículos – o que significa algo próximo a 5 milhões de carros em 2021.

E a Chery…

Os famigerados semicondutores também afetaram pouco a Caoa Chery – pelo menos, até o momento. A marca sino-brasileira foi outra a se destacar em meio à crise do fornecimento dos componentes. A montadora já ocupa a 10a posição entre as mais vendidas no país.

Claro que contribuiu para isso o fim das atividades industriais da Ford no país, que deixou aí um volume de compactos da ordem de 100 mil unidades/ano (mais ou menos o que vendia Ka, Ka Sedan e EcoSport). Tanto que a Ford ficou pouco à frente da Caoa Chery em maio – apenas 400 unidades.

A meta do Grupo Caoa, a propósito, é que a marca chegue perto da participação da Ford atual entre os automóveis de passeio em 2021, algo em torno de 3%. Não é pouco, visto que a Chery tem produção diversificada, porém enxuta em Jacareí (SP) e Anápolis (GO). Curiosamente, o carro mais vendido da montadora, o Tiggo 5x, apareceu na 35a posição dos mais emplacados em maio…

Mas observe que é uma empresa que foca mais na rentabilidade. Os modelos mais vendidos da marca por aqui, Tiggo 5x e Tiggo 8, têm valor agregado maior do que o compacto de entrada Tiggo 2, por exemplo. O que pode explicar o crescimento gradual e bem pontual da Caoa Chery desde que foi formada, em 2017.

Pragmatismo coreano

Outra que vai bem, obrigado, é a Hyundai Brasil. Apesar de ter fechado o terceiro turno em Piracicaba (SP), a sul-coreana consegue equilibrar seus estoques e fornecimento de peças. As vendas do HB20 se mantêm estáveis (foi o segundo entre os carros de passeio). E o Creta teve o melhor desempenho comercial em um mês desde o lançamento, em 2016.

Mas não se surpreenda se o mercado de automóveis brasileiro em 2021 vier com mais surpresas nos próximos meses. Não só na alternância de liderança entre modelos, como entre marcas. Os semicondutores, esses danadinhos, ainda podem pregar muitas peças – com o perdão do trocadilho.

Fonte: Webmotors

Fernando Miragaya.

 

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