Internet das coisas deve movimentar US$ 7 bi no país em 2020
De O Globo
Revolução vai muito além da casa dos Jetsons e atinge do consumo à indústria
A expressão internet das coisas surgiu em 1999, numa apresentação do britânico Kevin Ashton a executivos da Procter & Gamble. Ele trabalhava no departamento de Marcas da companhia e estudava a etiquetagem eletrônica de produtos no MIT. O termo seria adotado pela indústria de tecnologia para designar toda rede de objetos conectados à internet e capazes de trocar informações entre si sem intervenção humana.
O conceito depende de várias tecnologias para ser aplicado. As principais são os sensores (acelerômetro, termômetros etc.) para gerar dados; a conectividade (Wi-Fi, rede celular etc.) para transportá-los; e softwares capazes de extrair significado da imensa quantidade de dados. Genérica por excelência, a busca por soluções de IoT se espalhou por diversos ambientes, como a fábrica, a casa à la Jetsons, o veículo que anda sem motorista e a cidade inteligente. A premissa é que, quando as máquinas “se falam”, ganha-se em eficiência.
No mundo, já há 12 bilhões de coisas conectadas, e a IDC prevê que o número será de 30 bilhões em 2020, quando movimentará US$ 1,7 trilhão. Grande parte está aplicada em soluções como gestão remota de frota, distribuição inteligente de energia (smart grid) e aparelhos para casa. Em mercados desenvolvidos como os EUA, algumas aplicações domésticas já são populares.
No Brasil, porém, essas aplicações estão longe de serem massificadas, esclarece Samuel Rodrigues, da IDC. Mas há exemplos já aplicados por empresas. A Wyless TM Data, que oferece serviços para ecossistemas conectados, tem 550 clientes no país, conta Sergio Souza, diretor-executivo da companhia. Um cliente fabrica máquinas de corte a laser, cujos contratos de aluguel são baseados na intensividade do uso. Para medir exatamente o quanto as máquinas estão sendo utilizadas, a fabricante instala chips nos aparelhos que transmitem para a nuvem esses dados. Assim, por meio da telemetria remota, a locadora pode cobrar com precisão. Além disso, quando as máquinas apresentam defeitos, elas próprias reportam o problema à fabricante. Outra empresa, de logística, instalou sensores de presença em vagões de trem para evitar que crianças entrem nas composições.
“O mercado brasileiro não é maduro ainda mas ganha tração. O setor logístico, por exemplo, faz uso intensivo de IoT no transporte e armazenamento de cargas. Há também exemplos de soluções smart city, como ônibus conectados em Curitiba e sistemas integrados de gerenciamento de tráfego e segurança em São José dos Campos (SP)”, explica Rodrigues, da IDC. A crise acaba sendo um impulsionador dos investimentos em IoT, dada a pressão por redução de custo e com os fornecedores de tecnologia buscando diversificar receitas. O cenário é positivo.
Chip em toda a frota nacional
O carro é tido por muitos especialistas como a grande fronteira. A Google desenvolve há quase uma década um veículo completamente autônomo, que se locomove sem intervenção humana e interage com outros automóveis e com a infraestrutura de tráfego. Embora ainda existam vários obstáculos de tecnologia e legislação, a frota da Google já andou sozinha quase 2,5 milhões de quilômetros por ruas americanas. No Brasil, três carros desse tipo vêm sendo desenvolvidos por universidades, entre elas a USP. Em paralelo, grandes fabricantes de veículos estão implementando graus crescentes de autonomia em seus modelos atuais.
A Intel está envolvida em solução para o Sistema Nacional de Identificação de Veículos (Siniav), projeto do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) que obrigará a instalação de chips em toda a frota do país. O objetivo é usar dados gerados pelos sensores para gerenciar o tráfego em tempo real, fiscalizar irregularidades e identificar carros roubados. A companhia desenvolveu com a mineira Autofind uma solução completa, que vai desde os chips de identificação por radiofrequência instalados no carro até antenas que “leem” as informações conforme os veículos passam.
Após diversos adiamentos, apenas Roraima começou a testar o Siniav. O Paraná, segundo o Denatran, está prestes a abrir licitação para implantá-lo. O órgão está revendo as normas, e o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tratará do novo prazo em reunião esta semana.
“Essa é uma das áreas de maior potencial de crescimento no Brasil. A solução pode vir a ser complementada no futuro com iniciativas que já estão sendo feitas em redes de postos de gasolina, como Petrobras e Shell”, afirma Max Leite, da Intel, que participa junto com parceiras de um centro de IoT voltado ao agronegócio em Pompeia (SP) com o objetivo de antecipar pragas.
A BR Distribuidora, da Petrobras, criou em parceria com a Intel um posto de gasolina futurista onde todas as etapas — do abastecimento ao pagamento, passando pela loja de conveniência e pelo banheiro — são baseadas em coisas conectadas. O projeto-piloto funciona desde 2011 na Barra da Tijuca.
“Cerca de 40% do tempo que o cliente fica em um posto de gasolina são consumidos pelo processo de pagamento. Esse conceito é único no mundo e abre possibilidade adicionais de modelos de negócios”, acrescenta Leite.
Seguro personalizado
A gestão de frotas é também um dos principais segmentos de atuação da Vivo, que hoje lidera com fatia de 37,8% o mercado de comunicação máquina a máquina (M2M, na sigla em inglês, que usa a rede celular). Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) compilados pela Teleco, existem hoje no Brasil 11,5 milhões de terminais de M2M, 16,5% mais que no fim de 2014.
“Embora implantar a gestão de frota implique um custo, ele se paga rápido pois proporciona redução de combustível de até 15% e protege contra roubos”, observa Surya Mendonça, vice-presidente de serviços corporativos da Vivo.
A Liberty Seguros usa no Brasil a telemetria para oferecer aos motoristas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina preços de apólices personalizados. Os clientes que instalam o chip no carro também podem acompanhar em tempo real, pelo celular, os dados de sua direção, como quantidade de freadas bruscas ou curvas forçadas.
O governo federal quer lançar ainda este semestre consulta pública para um plano nacional de internet das coisas. Segundo Thales Marçal, gerente de projetos do Ministério das Comunicações, a ideia é que ele seja similar ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com a definição de metas para a implementação da tecnologia. Marçal informa que incentivos tributários estão sendo discutidos, mas eles dependerão de outras áreas do governo.
“É uma janela de oportunidades para o Brasil. O país é um dos que mais têm start-ups, e essas empresas desenvolvem soluções que podem ser aplicadas nesse conceito”, diz Marçal. Para o setor público, é uma oportunidade de aumento da eficiência.
Entraves
Embora a IoT tenha alcançado status de panaceia entre entusiastas, muitos entraves permanecem no caminho. A segurança é o mais óbvio. Há menos de dois anos, estudo da HP revelou que 70% das coisas conectadas são vulneráveis a ataques. Recentemente a Comissão Federal de Comércio dos EUA recomendou às empresas reforço na segurança desse ecossistema.
Outra limitação é a necessidade de infraestrutura para lidar com a enorme quantidade de dados gerados pela IoT, tanto pelas redes como pelas empresas que adotam as soluções. Além disso, Max Leite da Intel lembra que hoje existem mais de 3.500 protocolos diferentes entre os objetos conectados, o que gera dificuldades de comunicação. Segundo o executivo, a indústria está se mobilizando para reduzir essa Babel das máquinas. Assim, o amadurecimento do mercado de internet das coisas ainda está distante.
“Uma experiência completa de IoT deve demorar pelo menos uns 20 anos para acontecer”, prevê Peter Middleton, analista da Gartner.
Fonte: Eletrolar.com