Ministro Joaquim Levy prega fim de créditos subsidiados
De Valor Econômico
Numa concorrida cerimônia de transmissão de cargo que reuniu banqueiros, empresários, políticos e até diplomatas estrangeiros, o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pregou o fim do patrimonialismo que favorece indivíduos e setores por meio de créditos subsidiados, proteção e desonerações e defendeu um sistema que dê igualdade de oportunidade a todos.
Levy indicou que considera aumentos de impostos para cumprir a meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e de 2% do PIB nos dois anos seguintes. Ele mencionou a necessidade de harmonizar a tributação de “veículos de investimentos” para expandir o mercado de capitais e o financiamento voluntário de projetos de infraestrutura.
O novo ministro declarou como urgente a reforma tributária para unificar as alíquotas do ICMS. Numa entrevista coletiva logo após a cerimônia de transmissão de cargo -cuja principal ausência foi o antecessor, Guido Mantega -, Levy esvaziou as chances de o governo regulamentar a lei complementar que permite a redução dos juros pagos por Estados e municípios nas suas dívidas federalizadas, alertando que se deve levar em conta os impactos negativos sobre os indicadores de solvência observados pelas agências de classificação de risco de crédito.
Levy construiu seu discurso com base num pronunciamento feito pela presidente Dilma Rousseff em meados de dezembro, na sua diplomação do segundo mandato pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que afirma que chegou a hora de o Brasil dar um basta ao patrimonialismo. Mas, enquanto Dilma se referia à corrupção, Levy usou o termo para defender uma agenda econômica com cores liberais que representa uma guinada nas políticas adotadas no primeiro mandato de Dilma.
“A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado, nas relações econômicas e na provisão de bens públicos, inclusive os sociais”, disse Levy. A plataforma defendida por ele inclui um freio nas desonerações sem levar em conta a solvência do governo “porque essa seria a fórmula para o baixo crescimento endêmico”. Também contempla desacelerar o crédito subsidiado e reorientar o papel do BNDES e ampliar a competição interna e externa da economia – o que pressupõe um maior grau de abertura da economia, como adiantado por Levy em entrevista ao Valor na semana passada.
A seguir, os principais trechos do discurso de Joaquim Levy e da entrevista coletiva.
Equilíbrio fiscal – O Brasil tem plenas condições de exercitar o equilíbrio fiscal, com disciplina no gasto público e no uso de outros instrumentos econômicos, como os bancos públicos, sem com isso ofender direitos sociais ou deprimir a economia. O reequilíbrio fiscal de 2015 e o cumprimento das metas em 2016 e 2017 serão o fundamento de um novo ciclo de crescimento.
Patrimonialismo – Como salientou, quando diplomada presidente da República, é compromisso da chefe do Executivo e, portanto, de todo o governo, dar um basta ao sistema patrimonialista, e, em suas palavras, à sua “herança nefasta”. O patrimonialismo, como se sabe, é a pior privatização da coisa pública. Ele se desenvolve em um ambiente onde a burocracia se organiza mais por mecanismos de lealdade do que especialização ou capacidade técnica, e os limites do Estado são imprecisos.
Impessoalidade – A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado, nas relações econômicas e na provisão de bens públicos, inclusive os sociais. Essa impessoalidade fixa parâmetros para a economia, protegendo o bem comum e a Fazenda Nacional, a qual então foca sua atividade no estabelecimento de regras gerais e transparentes. O que permite a iniciativa privada e livre se desenvolver melhor. Ela que dá confiança ao empreendedor de que vale a pena trabalhar sem depender, em tudo, do Estado.
Igualdade de oportunidade – A transparência e solidez das contas públicas, a estabilidade regulatória, adaptativa, mas previsível, e o incentivo à concorrência, interna e internacional, são os ingredientes, que já conhecemos bem, para ampliar o número dos que participam, em igualdade de oportunidades, na economia.
Riqueza – Esses princípios também refletem a confiança na capacidade da nossa força de trabalho e nas famílias brasileiras, já que é bem sabido que apenas o trabalho pode gerar riqueza.
Corte de benefícios – Foram aparados os subsídios nos empréstimos do BNDES a setores empresariais, e alinhada com a melhor prática internacional a legislação que rege as pensões pagas pelo setor público e alguns outros programas sociais, o que significa evitar excessos na concessão de novos benefícios e fortalecer o sistema, permitindo que as políticas sociais do país, que tem surpreendido o mundo, possam tornar-se ainda melhores, ao terem eventuais distorções corrigidas.
BNDES – A economia proporcionada por essas medidas, especialmente o alinhamento das taxas de juros dos empréstimos do BNDES às empresas, alcançará bilhões de reais nos próximos anos, e diminuirá a exposição daquele banco ao Tesouro Nacional e a outros riscos, preparando-o para novos papéis.
Contingenciamento – A adequação do Orçamento de 2015 às perspectivas de arrecadação da União se dará nas próximas semanas, de acordo com os ritos da Lei de Responsabilidade Fiscal, e através de mecanismos bem estabelecidos de modulação dos gastos.
Fiscalização do gasto – O rigor de verificação no pagamento dos serviços contratados e de contas diversas apresentadas ao Tesouro acompanhará a tônica do governo no controle e melhora do gasto público, como realçado pelo Ministério do Planejamento, e incluindo, quando for o caso, a parceria com a Controladoria Geral da União – CGU e com o Tribunal de Contas da União, o TCU.
Aumento de impostos – Possíveis ajustes em alguns tributos serão também considerados, especialmente aqueles que tendam a aumentar a poupança doméstica e reduzir desbalanceamentos setoriais da carga tributária. A agenda tributária dos próximos semestres deve ainda considerar medidas de simplificação de tributos e obrigações acessórias, algumas demandadas há bastante tempo.
Tributação de investimentos – A harmonização da tributação dos instrumentos e veículos de investimento, por exemplo, será essencial para a expansão do mercado de capitais e o financiamento em termos voluntários e competitivos da infraestrutura. O tratamento diferenciado às pequenas e médias empresas prosseguirá, com crescente transparência e visão de longo prazo.
Desonerações – Não podemos procurar atalhos e benefícios que impliquem em redução acentuada da tributação para alguns segmentos, por mais atraentes que possam ser, sem considerar seus efeitos na solvência do Estado, face à expansão persistente dos gastos obrigatórios ou não. Porque essa seria a fórmula para o baixo crescimento endêmico. Cabe também lembrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê criteriosa análise e medidas compensatórias para qualquer benefício fiscal ou redução de impostos, assim como para a criação de novas despesas obrigatórias ou continuadas.
ICMS – O Ministério da Fazenda colaborará também no esforço da federação e do Senado em harmonizar o ICMS, especialmente com alíquotas interestaduais que desestimulem a guerra fiscal. Muito já se avançou nesses entendimentos, e o eventual sucesso de um acordo em que o Senado estabeleça trajetórias declinantes para as alíquotas ditas “na origem”, e os Secretários de Fazenda eliminem o risco jurídico de benefícios já concedidos, favorecerá, em muito, a retomada do investimento em todo o país. Tal encaminhamento é ainda mais importante e urgente diante da necessidade de se baixarem custos e se aumentarem as exportações, especialmente aquelas de maior valor agregado, que envolvem cadeias produtivas mais longas.
Tarifas – É uma prioridade o realinhamento dos preços relativos, e daqueles administrados, pois essencial para o bom funcionamento da economia, e exigido para a manutenção da solidez do Tesouro, a redução do seu custo de financiamento doméstico, e o permanente reconhecimento internacional da qualidade e valor da nossa dívida pública. Temos que agir com energia, para balizar as decisões de investimento das empresas, e orientar as escolhas dos consumidores.
Socorro a setores – A ilusão de que a garantia financeira do Tesouro pode ser um manto que suprima, adie, ou contorne a necessidade de se enfrentarem problemas, hiatos ou distorções em qualquer setor não deverá encontrar guarida. Porque essa ilusão apenas enfraqueceria a nossa economia, cujos fundamentos, hoje, são saudáveis.
Crescimento do PIB – É difícil fazer previsão [de crescimento] exata dos próximos dois, três, quatro meses. A economia brasileira tem mostrado muita resiliência. Não acredito que vamos ver uma parada brusca.
Inflação – Eu não vou exatamente me pronunciar sobre meta de inflação. Agora, voltar para a meta, convergir, espero que inflação faça isso muito antes [de 2017].
Carga tributária – A gente só consegue estabilizar carga tributaria à medida que gasto público tiver em trajetória que dê conforto e facilitem o crescimento.
Dívida dos Estados – Certamente dentro do que a lei prevê, da conveniência do setor publico, nós vamos estar fazendo um diálogo possível. Esse é um tema importante acompanhando com atenção até fora do Brasil por conta do seu impacto de modo geral. A gente tem de centrar atenção de maneira a reduzir o custo dívida e garantir reconhecimento internacional. Então as decisões também tem que levar isso em conta, porque o rating da nossa dívida e o custo de financiamento são fatores que têm impacto grande em todo o setor privado.
Proer ao etanol – Acredito que várias das coisas que a gente está fazendo tende a dar um alento nesse setor. Sei que em algumas áreas, inclusive, já há investimentos em novas tecnologias. Primordialmente será organizar, dar sinalização de preço adequado, abertura do mercado. A Fazenda poderá vir a contribuir com medidas microeconômicas que facilitem essa flexibilização do mercado e evolua nesse alinhamento de preços. O setor sucroalcooleiro, com a capacidade que tem, consegue retomar competitividade com bastante vigor.
Lava-Jato -Tenho certeza de que esses episódios todos vão resultar na melhora e fortalecimento das companhias abertas. Elas vão estar sob maior pressão dos mercados que é o que faz uma economia ser forte, ser inovadora. Não tenho como falar de casos específicos e genéricos.
Fonte: ABLA