Os problemas e as falhas técnicas das rodovias brasileiras
Manhã de sábado no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, tempo bom, trânsito leve no meio de um feriadão. Por volta das 11 horas, movimentação policial junto à mureta de concreto que divide a via. Blocos espalhados no asfalto, um poste curvado e o trânsito bloqueado em uma das pistas no sentido Vitória (ES).
Pouco antes, um Ford Ka da capital mineira foi colhido por um caminhão de Venda Nova do Imigrante (ES): “Antes da barreira eletrônica, ele estava com o pisca-alerta ligado, a 30 km/h, na faixa da esquerda. Passei e voltei para a pista do meio, mas ele acelerou, entrou, bateu na mureta e rodou na minha frente. Aí não deu tempo”, conta o motorista da carreta Edson Castro do Nascimento. “Só para constar, fiz o bafômetro, comprovando que não bebi”, enfatiza. Com ferimentos leves, o motorista do Ka foi levado para o hospital, sem tempo de dar sua versão.
Mas discutir a “culpa” dos motoristas não era a missão, e sim percorrer o Anel Rodoviário, que liga BH a importantes rodovias do Brasil, na companhia de Rogério Mateus, instrutor de direção defensiva da ALC Treinamento, a fim de mostrar falhas de engenharia ao longo de seus 27 km. É raro percorrer o Anel sem ver um acidente, muitas vezes bem mais graves do que o daquele sábado.
Para Mateus, que foi piloto de teste de montadora por 21 anos e hoje dá treinamento de direção defensiva para grandes empresas, o quadro poderia ser diferente caso os responsáveis por construir ou recapear estradas levassem em conta as reações dos veículos. É com esses especialistas que embarcamos em uma intranquila viagem para vermos alguns dos problemas de projeto que causam tragédias no estado com maior malha viária e maior número de mortes nas estradas. Lembrando que esses problemas se repetem em rodovias de todo o Brasil.
Inclinação das muretas “Se o motorista perde o controle na faixa da esquerda do Anel Rodoviário e bate na mureta, a tendência do carro é subir no muro”, diz Mateus, apontando várias marcas fortes de pneu. “O que já vi de carro virado aqui, você não acredita. O que poderia ser uma batida simples e ficar só no prejuízo vira uma tragédia”, continua . O problema está na inclinação na base das muretas, que “deveria ser reta” ou no padrão das muretas New Jersey (criadas no estado americano). Não há uniformidade. No Anel, BR-040 (Belo Horizonte-Rio) e BR-381 (Belo Horizonte-São Paulo), analisando e medindo as muretas foi possível ver a falta de padrão: altura, inclinação, espessura e até textura mudam em metros.
Espaços ao longo das barreiras também guardam riscos. O muro deve ser contínuo para evitar que o veículo “encrave” numa perda de controle. Além disso, os espaços vagos são um perigoso convite à travessia de pedestre na rodovia. Segundo os especialistas consultados, para que ocorra a expansão do calor, é importante haver intervalos nas muretas, porém deve ser imperceptível, apenas para a dilatação do material.
Resistência a impactos A barreira deve ter uma forma que facilite o deslizamento do veículo, reduzindo a desaceleração e a energia transferida aos ocupantes. Só não pode ser uma inclinação excessiva, que induza o carro a subir e romper as muretas”, afirma Decio Luiz Assaf, engenheiro mecânico pós-graduado em engenharia de segurança do trabalho e membro do Comitê de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil). Ou seja, o veículo deve bater a roda e ser reconduzido para a via. Além disso, o material deve ser resistente para que pedaços de concreto não sejam projetados para o outro lado da pista.
Poste e obstáculos Entre essas armadilhas estão os postes de luz com grandes bases de concreto entre as muretas de proteção. “Não concordo com poste nem árvore ‘soltos’ porque causam desaceleração, o que pode matar”, diz Mateus. Para estar instalados corretamente, os postes teriam de ser totalmente envolvidos por muros de proteção, sem quinas ou espaços. “Um choque nesse ponto significa um acidente muito grave, como se a colisão fosse contra um obstáculo rígido fixo, com potencial para desaceleração violenta e a consequente geração de muita energia de deformação do veículo. Ao passo que as barreiras deveriam ser objeto de redirecionamento para a faixa de trânsito, com relativa desaceleração, causada pelo atrito da roda e da lataria contra a mureta”, afirma Santelmo Xavier Filho, engenheiro civil e de segurança e professor aposentado do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.
Resistência a impactos A barreira deve ter uma forma que facilite o deslizamento do veículo, reduzindo a desaceleração e a energia transferida aos ocupantes. Só não pode ser uma inclinação excessiva, que induza o carro a subir e romper as muretas”, afirma Decio Luiz Assaf, engenheiro mecânico pós-graduado em engenharia de segurança do trabalho e membro do Comitê de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil). Ou seja, o veículo deve bater a roda e ser reconduzido para a via. Além disso, o material deve ser resistente para que pedaços de concreto não sejam projetados para o outro lado da pista.
Guardrail Os obstáculos ou pontas vivas nas defensas metálicas, como denomina Rogério Mateus, são outros problemas apontados. “Imagine um aeroporto. A pista é limpa. O avião toca o solo, não tem mais nada. Com as estradas acontece o contrário. Põem tanta coisa que até a proteção vira perigo”, adverte. “Não estou falando de proteger os infratores, mas de minimizar os efeitos de algo que pode acontecer com qualquer um”, completa. A Autopista Fernão Dias responsável pela BR-381 afirma que já está fazendo reparos.
Sarjetas Outro problema sério são as sarjetas próximas às muretas de proteção: o motorista tenta consertar o carro, mas não consegue voltar à pista: “Há outras formas de fazer o escoamento da água. Por exemplo, fazendo a captação por pequenas aberturas sob a mureta para um coletor subterrâneo”, diz Decio Assaf. Para complicar, na BR-381, em algumas situações foi feito um tipo de passeio com meio-fio antes do muro de proteção, que muda totalmente a dinâmica do acidente.
Por Paula Ferreira, do Autoesporte.
Foto Gladyston Rodrigues.