“Para sobreviver, as empresas tradicionais precisarão ser mais rápidas”

Bob Sternfels, sócio da consultoria McKinsey
Bob Sternfels, sócio da consultoria McKinsey ( foto: KEINY ANDRADE)
Como conselheira estratégica de diversas empresas poderosas, a consultoria McKinsey ajudou a moldar o ambiente corporativo global nas últimas décadas. Com acesso direto aos principais executivos e a reputação de influenciar diretamente em reorganizações de grande escala, ela contribuiu para difundir conceitos de eficiência de custos, ganho de escala e fusões estratégicas. A importância da empresa pode ser sentida pela quantidade de ex-funcionários que acabaram sendo convidados para assumir companhias gigantes. Sundar Pichai, do Google, e Sheryl Sandberg, do Facebook, estão entre eles. Para manter esse poder de influência, a empresa de US$ 8,4 bilhões de faturamento e de 11 mil funcionários, busca estar antenada com as novas tendências de negócios e entender como conceitos do mundo digital mudarão as companhias. O responsável por isso e por desenvolver ofertas em áreas de expansão é o sócio Bob Sternfels, o número dois na estrutura da consultoria. Baseado em São Francisco, no epicentro da inovação nos EUA, ele esteve em São Paulo para passar um pouco de suas ideias sobre o mundo digital para clientes brasileiros. “Para sobreviver ao ataque das companhias nativas do mundo digital, as empresas tradicionais precisam ser mais rápidas”, diz. “A revolução digital é mais do que simplesmente de tecnologia. Trata-se de uma verdadeira oportunidade para transformar empresas, tanto do ponto de vista do consumidor quanto do talento e de organização.”
DINHEIRO – As empresas brasileiras podem evoluir no novo mundo digital?
BOB STERNFELS –
 Os dados sobre o Brasil impressionam. O brasileiro permanece, em média, nove horas online por dia. Nos EUA, a média é de seis horas. Então, a importância de as empresas se moverem para o digital está bem estabelecida no Brasil. Basta ver que 99% da população que declara Imposto de Renda entrega o formulário pela internet. Percebemos que é uma população que gosta muito do digital e que tem acesso quase universal à internet. Há ainda muitos players inovadores em diversos setores. Então, acho que há um grande potencial e as empresas podem se mover rapidamente. Mas a dificuldade, em especial nas empresas estabelecidas, está em como fazer essa transformação. Uma coisa é ser uma companhia nativa digital. Mas como uma companhia tradicional faz isso?
DINHEIRO – Essa é uma boa pergunta. Como as empresas estabelecidas podem promover uma grande transformação para o digital?
STERNFELS –
 Muitas pessoas pensam que se trata apenas de Tecnologia da Informação. Mas é muito mais que isso. Será necessária uma mudança completa nas empresas. Elas precisam, antes de tudo, descobrir o valor de ir para o digital. É possível, por exemplo, ampliar o faturamento, com novas fontes de receita e a diminuição da migração de clientes para os concorrentes. Uma operadora de telecomunicações pode criar uma boa experiência com o cliente que vai baixar as chances de ele mudar para o rival. Também é possível melhorar a política de preços e cobrar de forma diferente. E talvez criar novos produtos.
DINHEIRO – Para fazer isso é preciso de uma mudança organizacional?
STERNFELS – 
Essa é a segunda oportunidade. As empresas precisam saber se estão usando a tecnologia para modificar o seu funcionamento. A maioria das companhias é organizada em silos. Elas possuem unidades de negócios, áreas fechadas, em um formato matricial. Se pensarem com uma filosofia digital, podem mudar do formato em matriz para uma empresa baseada em redes. É possível organizar equipes por times, com pessoas de cada área, que vão atrás de resolver um problema particular. Um exemplo é do banco europeu ING, que se transformou de uma estrutura de silos para o que chama de tribos. Assim, pode montar um time com gente de toda a organização: uma pessoa de vendas, uma de crédito e uma de preço, e formar um time horizontal.
DINHEIRO – O que mais pode mudar?
STERNFELS –
 Outra parte da transformação está na contratação de pessoas. Se, com essa mudança digital, a sua empresa não está repensando onde buscar talentos, ela está perdendo a oportunidade. São engenheiros de software, designers digitais, pessoas de análise e arquitetos de dados que podem modificar as organizações. Trazer novos talentos para toda a empresa, em vez de só direcioná-las para a equipe de TI, deve ser o foco. E talvez a último braço de mudanças está na própria tecnologia. A grande novidade da tecnologia é que, por muitos anos, os CEOs pensavam em tecnologia como custo. Eles precisavam fazer implementação de software de gestão da SAP ou colocar um mainframe da IBM para funcionar. Investia-se demais nessas ferramentas e não havia muito retorno aos negócios. A boa notícia do novo mundo digital é que, pensando na computação em nuvem, é possível instalar softwares muito eficientes para operar no topo da arquitetura de dados. E isso traz resultados.
DINHEIRO – Isso exige muito investimento?
STERNFELS –
 Pelo contrário. O investimento necessário para trazer mais valor a uma organização caiu drasticamente em relação à tecnologia antiga, para algo entre 10% a 20% do custo de uma implementação de TI tradicional. Sou da região da Baía de São Francisco, no Vale do Silício. Para o investidor de venture capital, o custo de criar uma startup de software nos anos 1999 e 2000 era de US$ 5 milhões. Hoje é de US$ 50 mil. E a razão, para isso, é que ele pode alugar tudo. Pode alugar recursos de dados na nuvem e pode alugar capacidade de processamento. Em 1999, ele precisaria ter o próprio servidor. Mas a tecnologia não ficou só mais simples, como permite mudanças mais rápidas. Os investimentos costumavam levar anos.
DINHEIRO – E quais serão os resultados efetivos com todas essas transformações?
STERNFELS –
 Os resultados de negócios são bem impressionantes. Começando pela chance de redução de custos dessas tecnologias. Costumávamos pensar em redução de custos de 10% a 15%. Agora, se considera entre 25% a 40% com o uso dessas tecnologias. Como vários setores estão estagnados há anos, essa também é a chance de ampliar a receita entre 2% e 10%. A GE, por exemplo, está criando uma plataforma de negócios que dá a ela uma oportunidade de mudar a razão e o seu valor. Isso tem potencial de até dobrar o valor de mercado de uma empresa. Então, é uma estratégia de crescimento.
DINHEIRO – O que é essa mudança para um modelo de plataformas?
STERNFELS –
 A GE está se reposicionando de uma empresa da era industrial para a digital. Se acompanhar as suas propagandas, você vai notar que ela diz ser uma empresa industrial digital, não uma fabricante de produtos. Historicamente, o negócio da GE era vender o aparelho. Ela negocia um aparelho de eletrocardiograma para hospitais, e, de vez em quando, faz alguma manutenção. Mas, se ela monitorar os dados gerados, que vão e voltam dos aparelhos, pode oferecer tratamento médico baseado em dados e cobrar por isso. Dessa forma, muda de um negócio de produto para um modelo de plataforma tecnológica. Outro exemplo é a venda de turbinas de aviões da GE. Ela costumava vender a turbina. Agora, monitora a turbina, faz a manutenção e garante à empresa aérea o desempenho do motor. Ela chama esse modelo de “poder por hora”.
DINHEIRO – Mas por que essa revolução assusta tantas empresas?
STERNFELS – 
Muitas empresas estão preocupadas. São as que percebem novos modelos como uma ameaça de disrupção a seus negócios. As empresas devem ser ao mesmo tempo temerosas e agressivas com o mundo digital. É só olhar para setores maduros e altamente competitivos, como o varejo, que estão acompanhando as empresas nativas digitais mudarem o mercado. Você vê Amazon e Alibaba se tornando dominantes. E elas chegam a novos mercados com grandes bases de consumidores, ocupam um novo espaço e ganham escala muito rapidamente. Um exemplo é o da chinesa Alibaba. Ela decidiu, quatro anos atrás, que queria ir para o negócio de bancos. Agora, já tem US$ 100 bilhões de ativos em gestão, porque atinge uma base 500 milhões de assinantes.
DINHEIRO – Como uma empresa tradicional pode se proteger desse tipo de ameaça atingir o seu setor?
STERNFELS – 
É preciso ter medo de ver o seu negócio modificado, mas, por outro lado, há oportunidades para as companhias tradicionais se moverem rápido. Elas possuem uma posição privilegiada, por causa da base de clientes. Podem buscar se mover para uma abordagem de muitos canais e atingir o consumidor por todos eles. As empresas nativas digitais só têm um canal e sofrem para chegar a outros. Para sobreviver no mundo digital, as tradicionais precisam ser mais rápidas.
DINHEIRO – Vai fazer diferença ser a empresa que lida melhor com a massa de dados criada na internet?
STERNFELS – 
Existem hoje seis bilhões de aparelhos conectados e isso cresce 30% a cada ano, produzindo novas informações. Numa fábrica, cada máquina provê informação. O carro cria informação, e não só para a montadora e para o cliente. Mas também para empresas de seguros. Nos EUA, há uma empresa de seguros chamada Progressive, que, com o consentimento do consumidor, grava todas as características do motorista. Baseada em dados como a força usada para brecar ou acelerar e que hora do dia ele usa o carro, a empresa muda a taxa cobrada. E essas taxas são alteradas a cada seis meses. Para a maior parte das pessoas, o custo do seguro caiu 25%. A empresa percebeu que eram motoristas seguros.
DINHEIRO – Quem mais usa bem essas estratégias de dados?
STERNFELS –
 Os varejistas também estão tentando mudar as barreiras da natureza do relacionamento que têm com os clientes. Eles querem ficar mais próximos. Um caso que gosto é o que a Nike tenta fazer. Ela entrou com tudo na experiência online. O objetivo é pegar informações pela internet e fazer as pessoas usarem uma pulseira conectada à sua conta online. Com isso, a Nike tem informação do comportamento do consumidor e pode oferecer artigos mais adequados. Também acaba conectando o cliente com experts de fitness que recomendam produtos da Nike mais interessantes para cada pessoa. A empresa também começa a experimentar a impressão 3D. Ela vai te dizer “fique online e desenhe o seu tênis ideal, e então você poderá ter ele na próxima semana”. O produto pode ser criado por uma impressora 3D. É muito diferente de ir à loja e escolher o seu Nike. As empresas tentam crescer múltiplas vezes o tráfico online ao seu site, ao fazer isso. Mas o que a Nike realmente ama nisso é que agora o cliente se torna muito mais leal à marca, por estar ligado a uma experiência holística de relacionamento.
DINHEIRO – O que pode dar errado?
STERNFELS – 
Acho que as empresas estão errando ao não conseguir montar a arquitetura de dados certa. Primeiramente, porque não estão conseguindo acesso aos dados. Ou não estão adotando a abordagem de criação de valor como prioridade para as suas pesquisas de dados. A mágica disso é a empresa conhecer o que, de fato, cria valor para seu consumidor ou cliente. E então pode buscar o dado já com uma hipótese na cabeça. Muitas vezes, elas rodam questões aleatórias, em vez de atacar diretamente um problema, como a perda de clientes ou o tempo longo de manutenção de um ambiente de capital intensivo. Muitas empresas que fazem experiências de software de análises ficam frustradas. Um exemplo de destaque é o da Coca-Cola, que encerrou contrato com a sua empresa de análise de dados sofisticados. Parte da razão da separação é que não estavam tendo uma abordagem específica. E, com isso, não estavam tendo impacto rápido. Uma das coisas mágicas de atuar com análise de dados é conectar a abordagem com as hipóteses relevantes para se chegar a um impacto de negócios.
Fonte: ISTOÉ Dinheiro
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