Compra da Unidas pela Localiza ainda gera incertezas sobre o aluguel de carros no Brasil
Compra da Unidas pela Localiza
O carioca Marcus Quintella é casado com uma professora que trabalha em Brasília. Diretor do centro de estudos FGV Transportes, ele vive na ponte aérea. Aluga sempre um carro para se locomover na capital federal, onde as opções de mobilidade são reduzidas.
Quintella já está preocupado com os possíveis efeitos da fusão entre Localiza e Unidas, as duas maiores locadoras de veículos do país. Em setembro receberam da Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o aval para seguirem com o negócio. A decisão final sobre a compra da Unidas pela Localiza, porém, compete ao Tribunal do Cade,. Na terça-feira (5) pediu prorrogação do prazo para julgar o caso. O veredito só deve sair no início de janeiro.
“É um movimento que diminui a concorrência no setor, em um momento em que o transporte individual é muito demandado. Por conta da crise sanitária e da precariedade cada vez maior do transporte público”, diz Quintella.
O mercado de locação de veículos e gestão de frota terceirizada (quando as empresas alugam veículos para as suas atividades) faturou R$ 17,6 bilhões no ano passado.
Desse total, R$ 7,8 bilhões correspondem ao aluguel de carros para pessoas físicas. O que inclui motoristas de aplicativo, segundo dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla).
Para se ter uma ideia da concentração, no mercado de locação para pessoa física, chamado de RAC pelas empresas (do inglês rent a car), foram vendidas 21,4 milhões de diárias no ano passado. Desse total, a Localiza respondeu por 67,8%, a Movida por 23,6% e, a Unidas, por 4,1%. Segundo o analista Marcelo Balloti Monteiro, da Lafis Consultoria.
“Ou seja, Localiza e Unidas juntas representam 72% do mercado RAC”, diz Monteiro. “A empresa resultante da fusão tende a ditar os preços e as regras para as demais que, com exceção da Movida, são de pequeno porte”.
Compra da Unidas pela Localiza
O poderio da fusão, anunciada em setembro do ano passado, mas só apresentada ao Cade em fevereiro deste ano, já foi percebido pelos motoristas de aplicativo.
Este grupo responde por mais de um terço (35,5%) da frota destinada ao RAC no país, estimada em 480 mil veículos.
“Desde fevereiro, o preço médio pago pelo aluguel de veículos subiu de R$ 1,4 mil em fevereiro para R$ 2 mil agora”, afirma Eduardo Lima, presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo (Amasp), que reúne 37 mil trabalhadores no estado. “Isso é só uma palhinha do que vem pela frente, já que a fusão nem foi aprovada ainda”, afirma.
Segundo Lima, cerca de 70% dos motoristas que entram nas principais plataformas de aplicativos, 99 e Uber, optam pela locação. Preferem em vez da compra do carro, por conta da desvalorização muito rápida do veículo. Ao final de um ano, o carro já rodou de 150 mil a 200 mil quilômetros, o que torna inviável a sua venda, diz Lima.
“O motorista de aplicativo já tem bastante pressão de todo lado: o preço do combustível que disparou, a plataforma que já fica com até 40% do valor da corrida, não tem como a gente arcar com mais este custo, de aumento do aluguel do carro”, afirma Lima, que está costurando uma união entre as associações estaduais dos motoristas de aplicativos a fim de criar uma federação nacional para a categoria.
De acordo com a Abla, a associação das locadoras, o aumento de 43% no preço do aluguel de carros este ano, relatado pela Amasp, está mais relacionado com à alta do preço dos veículos do que ao ensaio da fusão entre Localiza e Unidas.
“Um carro básico da Volkswagen, por exemplo, um Gol 1.0, poderia ser adquirido a R$ 45 mil em 2019. Agora, ele custa R$ 65 mil, uma valorização de quase 45%”, diz Paulo Miguel Jr., presidente da Abla.
“O mercado precisaria de 800 mil novos carros para renovar a frota este ano, atingindo 1,4 milhão de veículos. Mas, com muito custo, vai chegar a 1,1 milhão, justamente pela dificuldade das montadoras de atenderem a demanda, tendo em vista a crise no setor de semicondutores”, diz Miguel Jr.
Seminovos
A venda de carros seminovos, por sinal, é um dos negócios das três grandes locadoras do setor –Localiza, Unidas e Movida– para além da locação às pessoas físicas e jurídicas. A venda de veículos usados ganhou forte impulso, justamente com a falta de modelos zero quilômetro.
Este é outro ponto em que a concentração de mercado entre Localiza e Unidas pode atrapalhar muito a concorrência. A frota das locadoras está estimada em 1 milhão de veículos hoje. Deste total, cerca de 28% são da Localiza, 14% da Unidas e 12% da Movida. Ou seja, Localiza e Unidas somadas atingem 42% da frota do setor, o que representa um grande poder de barganha na negociação com as montadoras.
“As três são as únicas no mercado que somam mais de 100 mil carros cada uma”, diz Miguel Jr.
Os 46% restantes estão divididos entre 15 empresas de médio porte, como a Ouro Verde, com frotas de 15 mil a 50 mil veículos, e cerca de 11 mil pequenas, com atuação local.
“O grupo resultante da união de Localiza e Unidas teria um poder de mercado avassalador, principalmente no aluguel de carros”, diz Luiz Caetano, analista da Planner Corretora. Teria vantagens enormes, não só em relação à então segunda colocada, a Movida, a maior prejudicada, mas quanto à aquisição de veículos, com enorme poder na negociação com as montadoras, afirma. “Seria uma concorrência quase desleal”.
Caetano lembra que, no mês passado, quando a Superintendência do Cade deu parecer favorável à continuidade do negócio, determinou também a aplicação de alguns “remédios” para evitar a concentração. Entre eles, estaria a venda de parte da frota e das lojas da Unidas, com número não divulgado. “Acredito que o Tribunal do Cade vai tomar medidas mais fortes do que as sugeridas pela Superintendência, principalmente no RAC, para garantir a competição”, afirma Caetano. O remédio seria vender o equivalente a 12% da frota da empresa resultante da fusão.
Na opinião do analista, se a operação for aprovada em janeiro, vai mover todo o mercado de locação.
“Todos terão que se mexer para responder ao novo gigante, seja comprando parte da frota deles, ou promovendo novas fusões”, afirma. Para Caetano, certamente a Movida, controlada pela JSL, deve partir para novas compras no setor.
Tanto a Movida quanto a Ouro Verde, assim como a Fleetzil (da Volkswagen) e a Ald Automotive (do francês Société Générale), entraram como terceiras interessadas no processo que corre no Cade, indicando o risco de concentração.
Procuradas pela reportagem, Localiza, Unidas e Movida não quiseram se pronunciar sobre o caso. A Ouro Verde informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que “do ponto de vista da análise concorrencial, a aquisição da Unidas pela Localiza não tem benefícios aos consumidores e/ou à dinâmica competitiva”. No último dia 8, a Ouro Verde protocolou junto ao Cade um novo parecer contra a fusão. Afirma que não há “remédio” para o caso.