Economia: Vai melhorar e já está melhorando
Os investimentos voltaram. As empresas e os consumidores estão mais otimistas. O mercado de ações quebra recordes. Depois da longa recessão, os indicadores mostram que a economia brasileira recupera o fôlego e que o País está pronto para sair do marasmo
Na quarta-feira 19, o Brasil começou oficialmente a sair do fundo do poço. Depois de 4 anos sem o registro de uma única queda, o Banco Central anunciou o corte de 0,25 ponto percentual da taxa básica de juros, a Selic, que agora está em 14% ao ano. Não é preciso muito esforço para entender a importância da medida. Juros menores levam à diminuição do custo de empréstimos oferecidos por instituições financeiras. Diante de condições melhores de financiamento, o consumidor muda de comportamento. Em vez de recuar, ele parte para o ataque, comprando uma casa, um carro ou um simples eletrodoméstico. Quanto mais gente estiver disposta a abrir a carteira, mais as empresas terão que produzir. Para acelerar suas fábricas, elas contratam funcionários. Quem está empregado tem dinheiro para consumir. Assim, o processo se retroalimenta. E a economia respira. Para que o Banco Central tenha margem para cortar a Selic, exige-se outra condição essencial: que a inflação esteja sob controle. É o caso brasileiro. Depois de um longo período de disparada, os preços estão finalmente estáveis. Em alguns setores, eles até recuaram. Em setembro, a inflação foi de 0,08%, a mais baixa para o mês desde 1998. “A evolução dos preços evidencia o processo de desinflação e a perspectiva é de continuidade nos próximos trimestres”, diz Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central. Conclusão: pela primeira vez em muito tempo o Brasil está pronto para sair do marasmo.
Por mais que os pessimistas digam o contrário (e eles ganharam voz com a divulgação, na semana passada, da prévia do PIB de agosto, que foi ruim), a economia brasileira vai, sim, melhorar. Na verdade, ela já está melhorando. Primeiro, para analisar a questão de forma desapaixonada, é recomendável deixar questões políticas e ideológicas de lado. Esqueça o governo A ou B, o partido C ou D, e vá direto aos números. Eles estão aí para revelar a verdade. Para compreender o segundo ponto, é útil fazer uma analogia entre a situação econômica do País e uma pessoa enferma. Não existe fórmula mágica, não há remédio milagroso. Antes de recuperar a saúde, é preciso que o paciente pare de piorar. Não vai ser de uma hora para outra que o doente deixará de respirar por aparelhos. Isso é feito de forma progressiva, até que ele tenha força suficiente para deixar o hospital. Algo parecido vem acontecendo com a atividade econômica brasileira. Ela estava na UTI. Nos últimos meses, começou, mesmo que lentamente, a sair do coma. Há algumas semanas, acordou. De uns dias para cá, arriscou uma breve caminhada. Logo estará pronta para dar passos mais ambiciosos. No ano que vem, quem sabe antes disso, talvez tenha fôlego para ir longe. “Toda recessão tem começo, meio e fim”, diz o economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. “O fim desta que é a maior da história brasileira está próximo.”
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Pec dos gastos
O remédio da recuperação passa por uma série de medidas. Uma das mais importantes é usar os recursos públicos com equilíbrio. Nesse aspecto, a aprovação da PEC dos Gastos, que não é outra coisa a não ser obrigar o governo a gastar apenas o que tem e nenhum centavo a mais, pode fazer a diferença a favor da economia brasileira. A propalada austeridade, defendida dia e noite pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é outro ponto fundamental. Se você desperdiça dinheiro, se não é cioso de suas contas, nunca terá saldo suficiente para realizar os seus sonhos. Na esfera pública, é a mesma coisa. “Passamos por uma recessão muito grave”, diz Meirelles. “As causas estão sendo enfrentadas e muitos setores começam a dar sinais de estabilização”.
Agora vamos voltar aos números. Um dos quadros desta reportagem apresenta dez razões para acreditar na retomada econômica. Há indicadores bons demais para serem desprezados. Na economia, confiança é tudo. Sem ela, as empresas não investem, as pessoas não consomem. “A economia é um estado de espírito”, diz Roberto Dumas Damas, professor do Insper. “Nota-se agora no País uma mudança de perspectiva.” Todos os dados do nível de confiança (na indústria, no comércio ou relativos aos consumidores) estão em alta. O Brasil, portanto, deixou de ser o vizinho indesejado, percepção que pode facilmente ser comprovada por uma série de indicadores. Em agosto, atraímos US$ 7,2 bilhões de investimentos diretos, aqueles destinados ao setor produtivo. Trata-se de um volume quase 40% superior ao registrado um ano atrás. Convenhamos, não é pouca coisa. As empresas, e isso é óbvio, só investem de forma intensiva quando acreditam que terão um retorno satisfatório para o seu desembolso.
10 motivos para a retomada
Indicadores mostram que o pior já passou
1. O Brasil atraiu, em agosto, US$ 7,2 bilhões de investimentos destinados ao setor produtivo. O volume é 37,3% maior que o registrado no mesmo mês do ano passado
2. Os R$ 67 bilhões de investimentos previstos na infraestrutura têm potencial para gerar 2,7 milhões de empregos
3. Em setembro, a balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 3,8 bilhões, o melhor resultado desde 2006
4. Um estudo da Amcham, a Câmara Americana de Comércio, mostrou que 61% das grandes empresas brasileiras retomaram seus investimentos nos últimos dois meses
5. Os níveis de estoques da indústria estão diminuindo. Em setembro, apenas 12% das empresas consideravam seus estoques excessivos – é o percentual mais baixo desde maio de 2013
6. Os economistas projetem alta de 1,1% na produção industrial em 2017 e de 2,25% em 2018
7. Na semana passada, o Ibovespa, o índice da Bolsa de São Paulo, chegou a 64 mil pontos. É o maior nível desde abril de 2012
8. Depois de quatro anos seguidos de queda, o mercado brasileiro de veículos deverá ter crescimento próximo de dois dígitos em 2017
9. Os lançamentos de imóveis aumentaram 70% em agosto na comparação com o mesmo período do ano passado
10. Analistas e bancos apostam na recuperação do crédito em 2017. As projeções indicam uma expansão de 8% no saldo de empréstimos
Há alguns dias, o empresário Abilio Diniz, presidente do conselho de administração da BRF, reuniu-se com investidores em Nova York e deu uma declaração que não teve a atenção merecida. Segundo Abilio, um dos mais bem-sucedidos empreendedores da história brasileira (portanto, profundo conhecedor dos meandros econômicos), a retomada já começou. “O Brasil está de volta aos negócios”, afirmou. “Estamos em um momento ótimo. Não existe no mundo outro país com tantas boas possibilidades para investir do que o Brasil.” Você pode dizer que Abilio está vendendo o seu peixe – é o negócio dele, afinal –, mas ele não faria uma afirmação tão contundente se não tivesse plena convicção no que diz. Vale a pena recorrer de novo aos números. Um estudo divulgado há alguns dias pela Amcham, a Câmara Americana de Comércio, mostrou que 61% das grandes empresas brasileiras retomaram seus investimentos nos últimos dois meses. Outro dado notável que reforça a recuperação da confiança é oferecido pela Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa. Na semana passada, o Ibovespa, o índice que mede o desempenho das ações negociadas, atingiu 64 mil pontos. Trata-se do maior nível desde abril de 2012. No ano, os papéis comercializados pela Bovespa se valorizaram quase 50%, uma das melhores performances do mundo.
Há casos concretos de investimentos recentes feitos no País. Maior rede de fast food especializada em comida mexicana do mundo, a americana Taco Bell assinou uma parceria com o empresário Carlos Wizard, que tornou seu sobrenome famoso graças à rede de idiomas, para injetar R$ 100 milhões no mercado brasileiro. A ideia é abrir, até 2020, 25 lojas no País. “Nós enxergamos o potencial do Brasil e por isso decidimos trazer a marca para cá”, afirma Michel Chain, responsável pela operação nacional. Projetos como esse – e aqui foi citado apenas um caso, mas há muitos outros – geram emprego, e emprego traz renda. Com ela, a economia avança e o PIB sai do atoleiro.
“Passamos por uma recessão muito grave. As causas estão sendo enfrentadas e muitos setores começam a dar sinais de estabilização”
Henrique Meirelles, ministro da Fazenda
Gerar emprego deveria ser a prioridade número 1 de todo e qualquer governo. Nesse aspecto, o Brasil vive uma tragédia. Segundo o IBGE, 12 milhões de brasileiros, o equivalente a uma Bélgica inteira, estão fora do mercado de trabalho. Na lógica econômica, o emprego é o último indicador a se recuperar depois de uma forte recessão. Primeiro, as empresas precisam ressuscitar seus níveis de atividade para só adiante, quando estiverem com fôlego renovado, contratar. Os especialistas calculam que apenas a partir de 2017 a indesejável marca começará a ser reduzida. Para os especialistas, o mais importante é que o caminho está sendo pavimentado. “A queda da inflação e o início da trajetória de derrubada dos juros pelo Banco Central devem dar sua contribuição positiva para a retomada no ano que vem”, afirma Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria.
Projeção do pib
Embora ainda não seja possível afirmar que há uma recuperação conjuntural dos níveis de emprego, a vida real, aquela que diz respeito às dificuldades cotidianas das pessoas, mostra que há bons sinais aqui e ali. O engenheiro naval Felipe Scrivano nunca havia ficado desempregado até a crise varrer suas melhores expectativas. Em março, depois de labutar durante três anos e quatro meses em uma multinacional na área de óleo e gás, Felipe foi demitido. “Fui um dos escolhidos pelo programa de cortes da empresa”, afirma. Nas semanas seguintes, mesmo depois de fazer inúmeros contatos e enviar um sem-número de currículos, o máximo que conseguiu foi uma entrevista de emprego fora do Rio de Janeiro, cidade onde mora. Recentemente, a história começou a mudar. Ofertas interessantes começaram a aparecer. Há duas semanas, ele finalmente foi contratado. “Acho que o Brasil está iniciando um movimento de retomada”, afirma. Outro exemplo interessante é o da empresa de marketing VP Group, que possuiu filiais em Miami e Madri e com sede em São Paulo. Nos últimos dois anos, graças às dificuldades brasileiras, a companhia se viu obrigada a reduzir custos. “A crise econômica afetou os nossos clientes”, diz o presidente, Victor Hugo Piroja. Em outubro, pela primeira vez desde 2014, a empresa contratou. Foram cinco novas vagas. O motivo? “O otimismo voltou ao panorama econômico”, afirma o executivo.
A não ser que aconteça uma tragédia sem precedente, ou se vier uma nova e catastrófica instabilidade política, a economia brasileira vai voltar a crescer em 2017. O desafio agora é projetar a velocidade da recuperação. O FMI e outros organismos internacionais estimam o avanço do PIB entre 0,5% e 1% no ano que vem. É pouco, mas, como foi dito antes, o paciente enfermo demora para se reerguer. Outras instituições, como o Banco Itaú, fazem projeções melhores, com altas que variam de 1,5% a 2%. Seja o que for, a boa notícia é que a tempestade já passou.
“A evolução dos preços evidencia o processo de desinflação e a perspectiva é de continuidade nos próximos trimestres” Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central
Fotos: Felipe Gabriel/Ag. Istoé; Claudio Gatti/Ag. Istoé; Raquel Cunha
Fonte: ISTOÉ – Amauri Segalla e Ludmilla Amaral –