Localiza cresce R$ 13 bi na Bolsa após anúncio da combinação de negócios

Em setembro de 2020, com o anúncio da compra da Unidas, a Localiza (RENT3) prometeu grandes sinergias e, em definitivo, o domínio do setor de locação de veículos no Brasil – ainda tão pouco explorado, o que levantou dúvidas sobre a viabilidade da operação.

Relembrando

A Localiza comprou a Unidas em 2021 e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, para corrigir uma possível distorção na dinâmica competitiva do mercado, impôs algumas restrições à essa operação de negócios, que tratava da compra de ativos:  venda da marca Unidas e parte da frota ficaria com a Localiza e outros 49 mil veículos deveriam ser vendidos.

Para concluir toda essa operação de negócios, em 2022, o Cade recomendou a aprovação da venda de ativos (49 mil veículos) que eram da Unidas para a gestora canadense Brookfield, que controla a rival Ouro Verde.

Com essa aprovação de negócios, em 03/10/2022, a Ouro Verde e a Unidas combinam os seus negócios sob uma única marca – a Unidas. Esta operação posiciona Grupo Unidas entre os três maiores no setor.

 

Prestes a completar dois anos, a proposta de compra da segunda maior empresa do segmento no país pela Localiza pegou todos de surpresa, já que faz parte de um mercado onde quase 80% do setor é dominado por três companhias.

Entre Localiza e Unidas, tudo foi muito rápido. A aprovação definitiva do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), porém, aconteceu apenas em junho deste ano, mas com a indicação de remédios para que o negócio pudesse sair do papel.

As exigências da autarquia, que já eram esperadas pelo mercado, foram menos agressivas do que o esperado. Dentre elas, a venda de ativos no segmento RAC (rent a car, ou aluguel de veículos, em português) sob posse da Unidas.

A empresa combinada Localiza-Unidas vendeu quase 49 mil veículos, ao preço médio de R$ 71,8 mil por unidade, totalizando R$ 3,57 bilhões, para a gestora Brookfield, controladora da Ouro Verde, locadora especializada em terceirização de frotas.

Para efeito de comparação, o preço médio vendido pela empresa combinada é levemente acima dos R$ 71,6 mil por carro vendido pela Localiza no segundo trimestre deste ano.

Dito tudo isso, será que as perspectivas positivas já estão precificadas nas ações da Localiza? Embora o mercado já tenha antecipado uma parte considerável dos ganhos sinérgicos e de eficiência, o histórico de fusões desta magnitude mostra ainda há o que ser realizado.

Quando a Localiza anunciou a compra da Unidas, em 22 de setembro de 2020, seu valor de mercado era de aproximadamente R$ 39 bilhões. Na conta simples de adição ao valor de mercado da Unidas, o número chegava perto de R$ 50 bilhões.

Atualmente, sua capitalização de mercado, que nada mais é do que o valor atribuído à empresa pelos investidores diariamente, é R$ 13 bilhões maior do que este patamar, estando na casa dos R$ 63 bilhões. Considerando a incorporação da Unidas, o avanço foi de 26% em valor de mercado desde aquele dia.

Em relatório divulgado no início deste ano, o Goldman Sachs enxergava um ganho de sinergias entre R$ 7 bilhões e R$ 20 bilhões ao longo dos anos seguintes. Vale ressaltar, entretanto, que as sinergias operacionais não condizem imediatamente com o valor de mercado ou desempenho dos papéis em Bolsa.

Os papéis da empresa fecharam o pregão da última segunda-feira (12) a exatos R$ 65, alta de 27% no acumulado do ano, um desempenho bem acima do Ibovespa no período, que sobe 7%.

Por que a compra da Unidas

O setor de locação de veículos ainda é altamente subpenetrado no Brasil. Segundo a ABLA (Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis), cerca de 20% das empresas brasileiras possuem frotas terceirizadas, enquanto na Europa a proporção fica entre 55% e 60%.

Nos Estados Unidos, o mercado é igualmente aquecido. Um estudo da Transparency Market Research diz que o segmento deve crescer 6% ao ano no país até 2031, atingindo um mercado de US$ 121,1 bilhões.

Investimentos em tecnologia e oferecimento de serviços adicionais à pura locação de veículos de passeio são uma tendência no setor.

A tese de investimento em companhias do setor no Brasil passa pelo encurtamento da diferença do Brasil para os mercados desenvolvidos, assim como na mudança do comportamento da clientela – como o acesso a veículos por assinatura (algo que o leasing já entrega há décadas nos EUA) e não a compra do produto em si.

Ao mesmo tempo, o Brasil também tem um setor fragmentado.

Em janeiro deste ano, dados da ABLA mostram que existiam mais de 13,9 mil locadoras no Brasil. A frota de 1,13 milhão de carros se divide entre GTF, ou terceirização de frotas (52%), turismo de lazer (32%) e turismo de negócios (16%).

As grandes do setor, Localiza, Unidas e Movida, que até pouco tempo atrás concentravam cerca de 80% do segmento, também visam se aproveitar do aquecimento do turismo no Brasil, uma vez que esse tipo de lazer tem taxas de crescimento acima do PIB (Produto Interno Bruto) anualmente e o dólar pouco convidativo fomenta as viagens dentro das fronteiras.

Com esse viés oportunístico, a Localiza propôs a aquisição da Unidas, que já era forte em GTF e entrava com força nos carros por assinatura.

Antes dos remédios, o Cade via que a junção das duas maiores empresas concentraria 70% de todo o segmento. Em outras palavras, traria maior escala na compra de ativos e maior poder de precificação dos produtos.

Vale dizer, entretanto, que o foco da Localiza pode estar em cada vez mais ganhar participação de mercado com as diversas soluções em seu ecossistema, e não necessariamente fazer uma guerra de preços com a Movida.

A tese da fusão, além do maior potencial de faturamento, também viria em redução de custos e despesas. Funções seriam sobrepostas e cortes de despesas administrativas, de vendas e gerais seriam drasticamente reduzidas, na ordem de bilhões de reais.

Do lado comercial, a empresa combinada pode surfar uma retomada da produção de veículos zero e utilizar sua escala para comprar veículos mais baratos, podendo ter melhor gestão do ticket médio tanto do aluguel como na venda de seminovos.

Em agosto, a produção de veículos no Brasil subiu 8,7% ante o mês anterior, para 238 mil unidades, segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).

No fim das contas, a fusão pode fazer com que a Localiza acelere a geração de valor aos acionistas. A mensuração do sucesso disso é apresentada pelas empresas do setor pela diferença entre o ROIC (Retorno sobre Capital Investido) e o custo da dívida.

Nos últimos 12 meses, no caso da Localiza, esta diferença era de 11,6 p.p (pontos percentuais), com sólido retorno sobre capital de 18,1%. A dívida tem crescido em maior proporção, o que gera um desconforto e pode desacelerar os resultados da fusão.

Riscos para a Localiza

O mercado já adiantou boa parte das sinergias da fusão em valor de mercado da Localiza, mas os ganhos operacionais podem demorar a aparecer.

Guardadas as devidas proporções, tanto em termos de mercado, concorrências e conjunturais, os investidores têm observado com ceticismo até agora o negócio entre Hapvida (HAPV3) e NotreDame Intermédica.

No segundo trimestre deste ano, o primeiro em que os números das empresas foram compilados, os custos mais do que dobraram e o lucro caiu. O relatório, porém, acabou agradando o mercado com adição de vidas seguradas nos planos, a despeito da resiliente sinistralidade.

O setor de saúde e serviços médicos têm enxergado no processo de fusões e aquisições uma forma de ganhar eficiência para crescer e enfrentar uma guerra de preços inevitável entre elas. Ou seja, a junção de modelos de negócio complementares já está intrínseca às atividades.

Uma fusão desta magnitude entre Localiza e Unidas nunca foi realizada por nenhuma delas e pode custar alguns trimestres de ajustes e encontro de culturas e precificação de produtos.

Enquanto as sinergias administrativas não forem concluídas, podem existir pressões de custos relevantes, além de maiores despesas financeiras e aumento da dívida.

Nos 12 meses encerrados em junho deste ano, a dívida da empresa cresceu 28,3%, em R$ 1,98 bilhão, totalizando R$ 9 bilhões. A Localiza, assim como todas as empresas de seu setor, é intensiva em capital, portanto, precisa ter disponibilidades para adquirir novos carros e fazer o negócio girar.

Desde 2020, a locadora acessou recursos de sete maneiras diferentes.

Foram quatro debêntures (todas ligadas ao CDI mais uma taxa igual ou maior que 1%), além de empréstimos em moeda estrangeira e dinheiro para capital de giro e um CRI.

Com a disparada do CDI médio, o endividamento naturalmente cresceu e trouxe maior peso sobre o saldo médio da dívida líquida, impactando o custo de carrego da dívida da companhia.

Há ainda outras preocupações, como a tendência secular de que os seminovos devem ver seus preços arrefecidos conforme a produção de veículos zero se normaliza e uma eventual decisão sobre a incidência de ICMS na revenda dos carros, como mostrado pela Agência TradeMap.

Os ganhos que a fusão traria para a empresa vieram em Bolsa antes da entrega operacional de fato, embora a companhia esteja apresentando desempenho satisfatório.

Hoje, a Localiza negocia a múltiplos maiores do que sua média histórica, mas ainda abaixo de seu topo histórico, atingido no fim de 2020. Para os especialistas consultados pela Refinitiv, porém, a empresa ainda tem valor a desbravar.

Localiza cresce R$ 13 bi após anúncio de fusão
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