Locamerica + Unidas não arranha a Localiza
Anunciada no apagar das luzes de 2017, a fusão entre Locamerica e Unidas formou a segunda maior companhia de aluguel de automóveis do Brasil em número de veículos.
A fusão é um casamento perfeito: coloca a Locamerica, até então forte na gestão de frotas, no segmento de rent a car — com barreiras de entrada maiores e menos comoditizado — ao mesmo tempo em que amplia seu poder de negociação na compra e venda dos veículos, um ponto crítico para a rentabilidade num setor em que qualquer barbeiragem pode ser fatal.
O mercado reconheceu a beleza da operação — a ação da Locamerica já subiu 22% desde o anúncio — mas não puniu a Localiza, que caiu levemente no pregão esvaziado do dia 28/12, mas já começou o ano com alta de 3%.
A fusão vem num momento em que diversas gestoras focadas em valor tem adicionado a Localiza a seu portfólios, e o papel está na sua máxima histórica. A forma como o mercado deu de ombros mostra como é difícil, mesmo para empresas do ramo e fazendo a fusão mais inteligente possível, replicar a escala e a expertise da Localiza.
O primeiro motivo pelo qual a fusão não arranha a Localiza é que a empresa continua isolada na liderança em termos de escala.
Combinadas, Locamerica e Unidas terão 102,5 mil carros, contra 185 mil da Localiza. Mas apenas 30% deste total está no negócio de rent a car – enquanto na Localiza, o percentual é de 75%. Em outras palavras: a frota disponível para aluguel por diárias na companhia combinada é de 33 mil contra 140 mil da líder.
Se a Movida tivesse levado a noiva, a frota total seria de 130 mil veículos, dos quais mais de 90 mil no segmento de rent a car. “Em teoria, eles ganhariam capilaridade e conseguiriam continuar crescendo a taxas elevadas, com um retorno maior”, diz um outro gestor. “Mas é em teoria. A Localiza tem um histórico de execução e a Movida vem aí, meio aos trancos e barrancos”.
Nos últimos 10 anos, a Localiza — dirigida por dois descendentes de libaneses obcecados com fluxo de caixa e bottom line — tem entregue um ROIC entre 15% e 17%. Nos nove meses até setembro, o ROIC da Movida foi de 8,5%, e o da Unidas, 7,5%.
Além de permanecer isolada na frente em termos de escala, a Localiza — que se financia quase inteiramente no mercado de capitais, com emissões de debêntures e notas promissórias — tem um rating “AAA” das três agências de risco. Num negócio de capital intensivo como o de aluguel de carros, este é outro diferencial difícil de replicar. (A S&P reagiu bem à fusão e disse que pode elevar o rating da Locamerica/Unidas, hoje em “A+”.)
A Movida também manteve negociações avançadas com a Unidas, mas as conversas esfriaram nos últimos meses. “O Fernando [Simões, controlador da JSL e da Movida] estava espremendo muito os fundos da Unidas e eles espanaram”, resume uma fonte que acompanhou de perto as negociações.
Apesar disso, o banco calculava que, caso levasse a Unidas, a Movida aumentaria o mercado endereçável – ou o número de pessoas atingidas pelas lojas – de 66 milhões para 77 milhões.
Além da nova empresa ter uma presença menor que Localiza e Movida no rent a car, gestores apontam que a Unidas tem mais dificuldade de crescer nesse segmento por conta de seu modelo de negócios, apoiado em franquias. “Em momentos de crescimento, eles ficam para trás porque dependem da capacidade financeira do franqueado”, diz um analista. Movida e Localiza operam principalmente com um modelo de lojas próprias.
A Localiza também conversou com a Unidas mas, depois de ter comprado a operação da Hertz no Brasil, dificilmente o CADE aprovaria outra transação.
Na teleconferência para comentar a fusão, a Locamerica sinalizou que pode fazer um nova oferta de ações no médio a longo prazo para reduzir a dívida e capitalizar a companhia. A dívida líquida da empresa resultante é de 4 vezes o EBITDA dos últimos nove meses anualizado. (Na Localiza, a alavancagem é de 2,6 vezes).
Na operação, a Unidas saiu por um valor de equity de R$ 990 milhões, ou 1,25x o valor patrimonial, em linha com a ambição dos fundos de private equity na oferta de ações de fevereiro, que fracassou.
Vinci Partners, Gávea e Kinea – cada um com 15,1% do capital – saíram do negócio por um valor combinado de R$ 398 milhões em cash. Fontes estimam que a taxa interna de retorno dos três fundos, que entraram na Unidas em 2011, foi de 14,8% ao ano.
Os fundos venderam 40,3% do capital da Unidas para a Locamerica, e os 5% restantes para o fundo FitPart, dos ex-sócios do Garantia Eric Hime e Fernando Prado, que levou ainda 4,4% dos papéis que estavam nas mãos dos portugueses do Principal, os maiores acionistas da Unidas, com 34,7% do capital antes da fusão.
O FitPart entrou no negócio como investidor meramente financeiro para evitar um estouro no endividamento da Locamerica — eles não fazem parte do bloco de controle e estão livres para vender as ações da empresa combinada assim que a fusão for concluída. O ex-gerente de relações com investidores da Locamérica e VP do Pátria, Hugo Segré, saiu da Locamerica em julho para se juntar ao time do FitPart.
O restante do capital será alvo de uma troca de ações: 59,7% do capital da Unidas por 29,9% da nova empresa. No fim da transação, farão parte do bloco de controle os atuais controladores da Locamerica – Luiz Fernando Porto, Sergio Resende e a RCC Participações – com 39,2% da companhia e a Enterprise e a Principal, da Unidas, com 10% e 17,4%, respectivamente.
Fonte: Brazil Journal