Nano locação: aluguel de carro por algumas horas ou minutos

Nano locação: aluguel de carro por algumas horas ou minutos

Em um fim de tarde de véspera de feriado, o custo para sair do centro de São Paulo e ir até a Vila Olímpia, na zona sul da cidade, era de ao menos R$ 35 em um aplicativo de transporte. Para alugar um carro durante uma hora, tempo suficiente para chegar ao bairro empresarial, seria possível pagar metade do preço, cerca de R$ 17, com um serviço de nanolocação.

A modalidade de aluguel costuma ser oferecida por meio de aplicativos. Os carros ficam espalhados por vários pontos da cidade e podem ser locados por minutos, horas ou dias. Para isso, é preciso se cadastrar na plataforma, definir o período em que ficará com o veículo e encontrar o ponto de retirada do carro.

O valor de usar um carro alugado para ocasiões pontuais — como viagens curtas e deslocamentos dentro da cidade — é um dos atrativos do serviço. O mercado, que chegou a dar os primeiros passos antes da pandemia, agora atrai novas startups de mobilidade e até grandes montadoras.

Nos últimos anos, ao menos quatro plataformas lançaram a modalidade no Brasil, a maior parte delas em São Paulo. Algumas, como a Flou e a Kinto, operam com gigantes do setor automobilístico, como Peugeot e Toyota.


Modelo ‘patinetes’ para carros

Uma das novatas do mercado brasileiro é a Awto, que começou a operar no país em dezembro do ano passado. Prestes a completar um ano de vida, a empresa conta com uma rede de 500 veículos, entre motos e carros, espalhados por São Paulo e Barueri. O plano de expansão envolve chegar a 1,7 mil carros para locação na capital paulista e em mais cinco cidades brasileiras até 2025. No Chile, de onde vem a empresa, a frota tem 1,2 mil carros.

Quem acompanhou o período de febre dos patinetes na capital paulista vai reconhecer a dinâmica de funcionamento da Awto. Os carros disponíveis para locação ficam na rua, assim como ficavam os patinetes. Para localizá-los, o usuário usa um mapa do aplicativo que mostra onde estão as unidades disponíveis. O desbloqueio do veículo é feito pelo aplicativo. As chaves ficam guardadas no porta-luvas.

O usuário do serviço, depois de rodar, pode deixar o automóvel em qualquer ponto dentro do raio delimitado pela Awto, o que inclui vagas na rua e também em estacionamentos parceiros da empresa. Uma equipe fica responsável pela manutenção da frota, limpeza e abastecimento.— Temos uma equipe de monitoria que trabalha 24/7 (24 horas por dia, sete dias por semana) e nos ajuda a fazer o disparo de equipes in loco, seja para recuperação de um veículo ou para manutenção — explica Fernando Freitas, diretor de estratégia da Awto.

Choque da pandemia na nano locação

Uma das apostas da nanolocação está em atrair aquelas pessoas que não podem, não querem ou nem sempre têm um carro à disposição. Mas que eventualmente precisam dele para se deslocar.

O médico de família Matheus Colares, de 27 anos, é uma dessas pessoas. Há dois anos em São Paulo, ele não tem e nem pretende ter um carro próprio no futuro próximo. O gasto envolvido na compra e manutenção do veículo é um fator. Além dos apps de transporte e do metrô, ele costuma usar a nanolocação para situações mais específicas, como uma viagem curta e até uma mudança de casa.— Na maioria das vezes que a gente usou (a nano locação) conseguimos ir a pé até o ponto onde estava o carro. No caso da nossa mudança, o grosso foi feito com um frete.

Mas, para levar outras coisas, alugamos um carro e fomos levando aos poucos — conta Colares, que usou o serviço da Turbi, startup que conta com cerca de 3,7 mil veículos em circulação na grande São Paulo.

Europa: onde o negócio surgiu

O mercado europeu foi o pioneiro no modelo, com empresas que começaram a oferecer o serviço há mais de uma década, algumas focadas em veículos elétricos. Uma delas foi a Autolib, operada pela prefeitura de Paris, e que ofertava o aluguel de pequenos carros 100% elétricos pela cidade. A operação funcionou até 2018, quando vários impasses operacionais levaram ao fim da empresa. O modelo, no entanto, cresceu no setor privado.

Daniel Bittencourt, diretor regional da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA), explica que, no Brasil, a pandemia — que secou o caixa de startups e congelou os deslocamentos de usuários — foi um dos fatores que fez o modelo de nano locação se tornar quase operacionalmente inviável no país.— Essa foi uma linha de corte importante. Os custos dos carros e tudo que envolve a manutenção dos veículos disparou de forma totalmente descontrolada de 2020 até recentemente. Faltou carro no mercado, o preço de custo aumentou, o preço de financiamento subiu. Investir em locação ficou muito inviável — avalia Bittencourt.

Ele lembra ainda que a fuga de capital de risco, durante a pandemia, atingiu em cheio empresas de tecnologia, incluindo as de mobilidade.

Montadoras investem no modelo

O retorno do serviço, no Brasil, vem acompanhando a retomada do mercado de aluguel de veículos no pós-pandemia. No ano passado, o faturamento líquido do setor cresceu 55,73% em relação a 2021, para R$ 32,1 bilhões, de acordo com a ABLA. O número de usuários também aumentou: de 50,1 milhões para 69,3 milhões. O balanço do setor para 2023 será divulgado no fim de novembro.

A volta do mercado de nano locação acompanha também uma tendência de grandes montadoras buscarem alternativas para o mercado de mobilidade. Para além de produzir e vender carros, elas buscam se posicionar como empresas de serviços, como lembra Roger Armellini, diretor comercial da Kinto e diretor de mobilidade da Toyota para a América Latina e Caribe.

Desde 2018, a Toyota abandonou a definição de uma montadora de veículos para se colocar no mercado como uma empresa de mobilidade.

Além da nanolocação, a gigante japonesa também trabalha com o desenvolvimento de robôs, carros autônomos e infraestrutura urbana de transporte.

Dentro da nova estratégia, a companhia criou a Kinto, braço que oferece a nanolocação de carros. Os veículos podem ser retirados em qualquer concessionária da empresa. Em 2023, no Brasil, foram 20 mil aluguéis do tipo. Na América Latina, foram 40 mil locações.

“Temos dois tipos de clientes que são os mais comuns: o cliente Toyota, que deixa o carro na concessionária para realizar algum serviço e precisa se locomover nesse tempo, e aquele que usa a locação para complementar sua mobilidade, para uma viagem ou uma necessidade específica”,  explica Armellini.

Para Marcus Ayres, CEO do Sensa Partners, a retomada da locação vem também em um momento em que os veículos elétricos começam a ganhar mais espaço no mercado local. Ele diz que a oferta desse tipo de carro no serviço de nanolocação é uma forma das montadoras entenderem melhor as demandas e formas de adesão dos consumidores.

“A nanolocação é ótima, entre outras coisas, para as montadoras testarem novos produtos e novos modelos de negócio. Elas oferecem, para locação, não necessariamente os carros best sellers, mas aqueles que ela quer testar”,  diz Ayres.

Impulso para o mercado de elétricos

Fazer com que uma locação se torne uma venda ou uma assinatura de longo prazo é um dos focos da Osten GO Carsharing, serviço de compartilhamento do grupo Osten que opera com carros Mini Cooper e BMW i3. O serviço, que tem uma frota de 20 veículos 100% elétricos, está disponível apenas para São Paulo.

“Nosso modelo de nanolocação tem o objetivo de proporcionar aos clientes a oportunidade de conhecerem modelos diferentes de veículos elétricos, promovendo a experiência aprofundada do que ele teria com um test drive convencional”, afirma Liandra Boschiero, Chief Operating Offices da Osten GO.

No caso da Flou, plataforma de nanolocação que opera com veículos da Peugeot, Jaguar e Land Rover, os dados coletados com a operação da plataforma ajudam as marcas a entender o perfil de consumo dos carros. A empresa, que oferece aluguel por períodos curtos e em pontos descentralizados, opera somente com veículos elétricos.

“No final da corrida, o usuário tem a opção de compra do veículo ou locação por mais tempo. Nossa plataforma acaba se tornando uma grande plataforma de experimentação de veículos elétricos, acaba sendo um fio condutor para que o consumidor tome a decisão de fazer uma compra ou assinatura”,  diz Guilherme Cavalcante, CEO e fundador da UCorp Mobilidade, dona da Flou.

Com operação em seis cidades brasileiras e uma base ativa de 2,5 mil usuários, a Flou começou a estruturar duas novas operações. Sendo uma em Florianópolis e outra em Curitiba, para 2024. São 25 veículos eletrificados oferecidos pelo aplicativo.

 

Fonte: oglobo.globo.com

 

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