Por que 2020 é o ano crucial para os carros andarem sozinhos
Responda: dirigir é algo divertido? Eu e toda pessoa viciada na cultura de carros diríamos rapidamente que sim. Agora pense no seu trajeto diário de ida e volta ao trabalho e tente responder de novo: se você perde cerca de duas horas por dia a bordo de um automóvel no trânsito das grandes cidades do Brasil e do mundo, certamente sua resposta será um sonoro não.
Adicione à linha de raciocínio os efeitos colaterais do trânsito complicado: poluição do ar, acidentes de trânsito (que matam quase 1,5 milhão de pessoas a cada ano em todo o planeta, 90% disso em países em desenvolvimento, segundo pesquisa da Universidade de Washington a pedido do Banco Mundial), o custo crescente para se usar um carro nas regiões centrais das grandes metrópoles (vagas menores, estacionamento mais caro, rodízio, pedágio, multas e impostos). O resultado é a noção de que a saída para tornar a tarefa de se conduzir um carro menos penosa talvez seja radical: não dirigir um carro.
Como é tarefa da indústria de transportes/automotiva achar soluções para que seu processo não seja extinto — e porque a tecnologia atual já permite –, ganha força a ideia de que abrir mão de guiar não significa abrir mão de ter o carro. Assim, veículos autônomos, que dispensam a ação do motorista ao volante, seriam o futuro. Mas a ideia vai além: o homem seria dispensado até mesmo da supervisão, ficando apenas no papel de passageiro. E não no futuro distante, mas em seis anos.
Esta é a primeira reportagem da série especial sobre carros autônomos e conta porque 2020 é a data estabelecida para que os primeiros carros sem motorista ao volante ganhem as ruas.
O ELO FRACO
Por que não dirigir? Pelo teclado frio da calculadora, a decisão de “eliminar” o homem do processo parece ser justificável. Até 95% dos acidentes de carros são provocados por alguma falha humana — da imperícia ao volante (motorista) à falha no projeto do veículo ou da pista (engenheiros). Assim, “eliminar as falhas humanas parece ser a forma mais segura de fazer o carro chegar inteiro ao destino”, afirmou com leve ironia o responsável pelo desenvolvimento de tecnologias de segurança e apoio ao motorista da Volvo, Eric Coelingh, na última semana, em Gotemburgo, na Suécia.
Mas a ideia de abrir mão do volante já faz parte do cotidiano de muitos jovens e parece… prazerosa. A imagem de diversão ao dirigir e da necessidade de se ter o carro próprio surgiram no século passado, cresceram a partir dos anos 1960 e se disseminaram pelo mundo até o começo do século 21. Tudo isso, porém, dá sinais de enfraquecimento.
Principalmente nos centros mais ricos, adolescentes e jovens acham o carro zero um “aparelho” chato e caro e preferem ter gadgets novos com conectividade e interação com amigos e parentes em 100% do tempo; o “vício” no ronco de motores potentes e do cheiro de gasolina é trocado pela noção de práticas saudáveis para o corpo e para o ambiente; a ideia de que o automóvel é um meio seguro e confortável para seguir de um lugar a outro mirra presa no tráfego pesado, enquanto o ideal de que o tempo é valioso e deve ser bem gasto com atividades diversas ganha força.
Seja pelos cálculos ou pelas ações, sem a “peça atrás do volante”, só haveria ganhos: menos acidentes (menos mortos e feridos) e nenhum grau de indecisão nos trajetos. Com isso, cairiam também o tempo de trajeto, o total de vias congestionadas, o consumo de combustível dos carros, o nível de poluição gerada e até o dinheiro gasto em placas e sinais de trânsito que ficam obsoletos cada vez mais rápido.
2020 É LOGO ALI
A ficção científica sempre retratou o futuro em livros e filmes com carros rodando por conta. Há casos hilários como o de “Se meu Fusca falasse” (1968), que imortalizou o fanfarrão Herbie e o numeral 53 como sinônimos de humor e adoração sobre rodas. Mas lembre de blockbusters como “O Vingador do Futuro” (filme de 1990, com regravação de 2012, que mostra a sociedade do ano de 2084); “Minority Report: A Nova Lei” (de 2002, expondo histórias e trânsito de 2054); e “Eu, Robô” (2004, narrando o mundo de 2035). O que há em comum nos três? Primeiramente, em todos, o protagonista acaba tendo algum problema com a direção autônoma e precisa assumir o comando. Fora esse “temor quanto ao desconhecido”, é possível perceber que quanto mais recente o filme, menor a distância para o futuro do carro que se guia sozinho.
Na vida real, os estudos sobre o assunto — inclusive com conglomerados de empresas e blocos de países, para reduzir custos — já tem cerca de 30 anos. Mas o prazo final é menor do que o visto nos filmes: conforme UOL Carros já apontou, o tempo se encerra em 2020. Por quê? Porque esta foi a primeira data definida por uma empresa: o ano em que a Mercedes-Benz decidiu lançar a próxima geração do sedã de luxo Classe S, primeiro de seus modelos comerciais a dispensar o condutor da tarefa.
“Nós já temos protótipos que podem se mover muito mais autonomamente do que é permitido hoje nas vias públicas. A aprovação de regras para a condução totalmente autônoma não acontecerá da noite para o dia, mas se mantém como nossa meta, e é por isso que estamos trabalhando nesse assunto junto aos legisladores”, afirmou Oliver Löcher, executivo da Mercedes, em 15 de julho — há quase um ano, portanto — em discurso acompanhado por UOL Carros em Toronto, no Canadá.
Este foi o primeiro anúncio claro — mas não o único — de carros que não precisam de motoristas. De lá para cá, mesmo empresas externas ao setor automotivo, caso do Google, têm confirmado prazos similares para que carros circulem sem o comando de motoristas.
QUEM TEM
Sem necessidade de mostrar um “produto” — um carro para lojas e concessionários –, o conglomerado tecnológico americano Google não diz a que vem, apenas afirma que seu carro sem condutor pode facilitar a vida em cidades caóticas. Como usa protótipos de diferentes montadoras com sua aparelhagem gigante, é provável que nem haja um carro, mas um “app” aplicável a diversas marcas para “breve”. A alemã Audi (marca de luxo da Volkswagen) também mostrou não um carro, mas uma solução para que o motorista não seja mais obrigado a estacionar seu carro.
Já a japonesa Nissan decidiu focalizar suas ações no mote da segurança, com carros que possam realizar manobras sem riscos a seus ocupantes e a terceiros. Esse é o caminho adotado também pela Volvo, que é o padrão automotivo quando o assunto é ter os veículos mais seguros do mundo (UOL Carros explicará melhor a iniciativa da marca sueca no próximo capítulo deste série). O ano para as duas é 2020.
A Toyota vai além e promete fazer dos Jogos Olímpicos de Tóquio — que acontecem em 2020 — sua grande vitrine para “mobilidade urbana individual segura, com acidente zero e emissões poluentes quase zero também”.
O assunto é tema até de novela da Globo, com a trama de “Geração Brasil” (das 19h) mostrando a história de Jonas Marra (Murilo Benício), um empresário do setor tecnológico vidrado em carros e que desenvolve um projeto de direção autônoma.
Claro, mesmo, apenas o anúncio da alemã Mercedes-Benz feito em agosto de 2013: tecnologia e leis estariam prontas para permitir o uso de carros sem um ser humano no comando dentro de seis anos. Blefe ou não, impulsionou todos as demais montadoras a adiantarem seus projetos e se adequarem à data-limite, ainda que com caras diferentes, como nos relatou uma fonte (que será mantida em sigilo) ligada a uma das fabricantes citadas: “Direção autônoma é segurança e essa é nossa bandeira, então temos de ter nossa solução também nesse prazo”.
Prazo acertado, tempo correndo, uma coisa é certa: dirigir pode até seguir sendo divertido, mas em breve deixará de ser necessário.
Por Eugênio Augusto Brito, do Uol.