Nova lei nesta semana pode afetar apps como Uber em SP; o que está em jogo?
São dois projetos distintos que deverão ser discutidos pelos vereadores: o PL 419/18, de autoria do vereador Adilson Amadeu (DEM), e o PL 421/2015, do vereador José Police Neto (PSD). O projeto de Amadeu é o mais polêmico e tem medidas mais restritivas contra os apps e motoristas, enquanto o de Police Neto ocasionaria menos mudanças para os serviços na cidade de São Paulo.
A tramitação das regulamentações contra a Uber ocorre há meses na Câmara e foi adiada para março, com a promessa do presidente da casa de que ambos os projetos seriam colocados em discussão. Na prática, o projeto de Police Neto, mais antigo, é uma resposta à tentativa de restrição buscada por Amadeu, vereador conhecido por defender os taxistas na cidade.
Atualmente, São Paulo já tem um decreto criado pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT) autorizando as plataformas como Uber a operarem na cidade em uma época em que a Câmara se recusou a debater o tema e criando até imposto para o serviço. No início de 2019, uma nova regulamentação feita pela gestão João Doria/Bruno Covas criou novas regras para o setor, com mais exigência para motoristas como o Conduapp (espécie de autorização para trabalhar).
Além delas, existe a lei federal que reconheceu os aplicativos e deu aos municípios o poder de fazer regulamentações próprias.
Entenda abaixo tudo sobre as duas propostas que circulam na Câmara:
PL 419/18: limitação da Uber em SP e favorecimentos aos taxistas
“Eu sou sim defensor dos taxistas, aliás eu considero os taxistas uma profissão nobre. Sou neto de taxista, meu gabinete é temático, tem réplica do ponto do meu avô. Eles (motoristas de apps) entraram em cima de uma profissão acabando com o taxista, que é nobre”, afirmou ao Tilt o vereador.
Os principais pontos da lei proposta por ele são:
- Limitação do número de motoristas de aplicativo ao número total de taxistas em São Paulo (atualmente são cerca de 40 mil taxistas)
- Impedimento da criação de pontos físicos (como os pontos de encontro da Uber em aeroportos)
- Compra e fiscalização dos créditos de quilômetros por parte dos apps (atualmente, empresas já pagam imposto por quilômetro rodado na cidade)
- Motoristas precisam ter um carro licenciado em São Paulo e de sua propriedade
- Regulamentação das caronas solidárias (como Waze Carpool e outros), com empresas tendo que se cadastrar (pagando um preço anual ou mensal à Prefeitura)
- Regulamenta compartilhamento de veículos sem condutor, que é a locação de veículos disponibilizados em vagas de estacionamento ou nas ruas, como alguns apps já fazem. Empresas precisam de outorga e pagar taxa à prefeitura.
Se aprovada, a lei pode afetar drasticamente a frota de aplicativos na cidade, causando perda de renda para motoristas que seriam descredenciados das plataformas. E possivelmente levaria a um preço mais alto para usuários do serviço, já que haveria menor oferta de condutores. A justificativa do vereador é que existe um número exagerado de motoristas de aplicativo na cidade.
“A bagunça que está atualmente não tem condição. O secretário de transporte em uma entrevista diz que tem de 300 mil a 500 mil carros trabalhando em um viário que não comporta isso. E estou cobrando o governo para provar que quem está pagando essa conta é a população. A população está saindo do transporte público e indo para o aplicativo”, alega Adilson Amadeu.
Os principais pontos criticados pela Uber e outros apps, que podem afetar passageiros e motoristas, são a limitação do número de veículos ao número de táxis, a exigência de propriedade do veículo dirigido e o emplacamento no município de São Paulo. A Uber faz os seguintes cálculos para os três cenários, caso a lei seja aprovada:
- Limitação dos veículos aos taxistas: 70% dos motoristas sem renda, 1,9 milhão de usuários sem serem atendidos por mês principalmente na periferia e R$ 109,5 milhões de perda de renda para a cidade em ISS e Preço Público
- Proibição de carros licenciados fora de São Paulo: 44% dos motoristas sem renda, 1,3 milhão de usuários sem serem atendidos por mês principalmente em regiões próximas a outras cidades da Grande São Paulo e R$ 73 milhões de perda de renda para a cidade em ISS e Preço Público
- Obrigação do motorista ser proprietário dos veículos: 65% dos motoristas sem renda e R$ 108 milhões de perda de renda para a cidade em ISS e Preço Público
Ao Tilt, o vereador disse que um número ideal na capital seria elevar os taxistas para 60 mil na cidade e diminuir o número de carros de aplicativo para 60 mil. O secretário de transporte Edson Caram diz ter 500 mil condutores de apps cadastrados para atuar na cidade, mas nem todos estão ativos.
As justificativas que o vereador apresenta para sua lei são dados da ANTP (Associação Nacional dos Transporte Públicos), que aliam uma queda no uso de transporte público ao surgimento de modalidades como Uber Juntos. Há quem critique o estudo, apontando o aumento do desemprego e da economia no período como algo importante no cenário.
Já a alegação para permitir apenas carros emplacados em São Paulo é de que existem muitos carros de locadoras nas ruas, emplacados em outros Estados e sem pagar imposto na cidade. Essa medida pode afetar motoristas da Grande São Paulo que acabam pegando corridas para a capital.
O vereador lembra ainda que diferentes países e cidades do mundo já colocaram restrições para a Uber por diferentes razões. Entre os casos citados, estão Nova York (Estados Unidos), Londres (Inglaterra), Colômbia e Alemanha.
Em entrevista à CBN, o atual secretário de Transportes da cidade, Edson Caram, se mostrou inclinado a uma limitação no número de carros ofertados pelos aplicativos atualmente na capital, citando um número aceitável entre 50 mil e 60 mil.
“O aplicativo é um grande ganho para a população, mas precisamos de organização. Fiz um levantamento e temos mais de 500 mil carros inscritos na Secretaria da Fazenda. Tem no mínimo 80 mil a 100 mil carros por dia rodando na cidade de São Paulo, às vezes vazio. Tem que ter uma organização. O aplicativo é muito bem vindo, mas precisamos colocar regras que muitas vezes não são aceitas por eles. Se você trabalhar com um limite de até 50 mil ou 60 mil carros, é aceitável”, disse o secretário.
Mas, uma lei nesse sentido pode nascer inconstitucional: o próprio STF (Supremo Tribunal Federal) já afirmou que cidades não podem limitar o número de motoristas em suas regulamentações.
PL 421/15: poucas mudanças nos apps e foco no compartilhamento
“Se pautam uma lei que destrói o sistema, preciso repautar uma que reconstrói. A regulamentação da cidade já é eficiente. Pode melhorar com elementos de política pública para preencher mais os carros. É a seguinte lógica: como não consigo capturar todo mundo no transporte público porque não tem volume nem qualidade, precisa usar o carro com eficiência e compartilhar, seja no modelo da Uber ou do Waze Carpool”, explica ao Tilt.
Os principais pontos da lei proposta por Police Neto são:
- Não impõe restrição de números de veículos em aplicativos, nem sobre licenciamento em São Paulo. Carros podem ser dos condutores ou de outra pessoa.
- Obrigação dos condutores serem cadastrados como MEI ou Simples Nacional
- Empresas devem bloquear os condutores do aplicativo por ao menos 11 horas. O período de bloqueio pode ser fracionado, desde que seja garantido um período de oito horas seguidas.
- Regulamenta compartilhamento de automóveis sem condutor (aluguel de carros por apps), estabelecendo regras de estacionamento desses automóveis em vagas específicas na rua ou nos estacionamentos privados da cidade
- Cria a “Faixa de Alta Ocupação”: em vias com três ou mais faixas de rolamento não exclusivas para o transporte público coletivo, uma será destinada a automóveis com três ou mais ocupantes (incluindo menores), em período integral ou horário de pico. Motos e carros classificados como elétricos ou híbridos podem circular nas faixas de alta ocupação, mesmo que com um ocupante.
Para Police, o projeto do vereador Adilson Amadeu diminui a concorrência na cidade e a ampliação espacial que apps como Uber fizeram na periferia, onde táxis pouco chegavam. Police lembra que os apps pagaram R$ 500 milhões em impostos para a cidade no último ano e que os táxis não foram afetados, como é alegado pela categoria – de fato, estudo do Cade nega que os aplicativos tenham “matado” os taxistas e que ocorre um equilíbrio natural nas cidades.
Para o vereador, a discussão sobre a mobilidade em São Paulo está voltando a um ponto antigo, quando já deveria estar sendo discutido pela Câmara outros elementos.
“A gente devia discutir ônibus por demanda, como já tem em Goiânia, em Brasília. A gente parou numa discussão estérea de que o taxista devia ter uma reserva de mercado, mas não existe mais reserva de mercado em nada. Existe investir em sistemas inteligentes. Também já ficou perfeita a regulamentação de segurança. Sou a favor de criar modelo matemático para calcular o preço público, com carro com mais de três passageiros não pagando porque tira dois carros da rua. A gente devia estar em um processo de evolução”, aponta.
A alegação de críticos do atual sistema dos apps de transporte —incluindo o secretário municipal— é que mais carros estão circulando nas ruas da cidade por causa dos veículos alugados. No entanto, Police aponta que esses veículos também tiram outros da rua, e que não há registros de aumento no trânsito da capital significativo nos últimos anos.
“Não tivemos nenhuma evolução de congestionamento. Poderíamos ter uma política de carros elétricos no app pagarem metade do preço público, incentivo a tirar o carbono. Se não tivesse ninguém circulando com seu carro particular e todos locados, não teria mais carro parado na rua, as vias seriam só para circulação de carros. A tese do secretário é inversa: quanto menos gente comprando carro, mais espaço para carros teríamos. Esses carros de apps estão transportando pessoas que iriam de carro para os destinos”, alega.
Police ainda aponta que o que limita o número de carros no município não é o desejo de alguém, mas a lei de oferta e demanda —além dos motoristas cadastrados não estarem sempre circulando e esse número flutuar muito. O vereador ainda defende que os apps complementam o transporte público e não tiram passageiros do sistema.
O que os apps dizem
“Regulações modernas e justas usam a tecnologia para o bem das pessoas e das cidades. Esse projeto de lei vai na contramão disso e pode, da noite para o dia, ser um retrocesso para São Paulo”, aponta.
Já a 99 apontou que, sobre o PL 419/18, o STF já considerou que “proibir ou restringir o uso de aplicativos de mobilidade é inconstitucional e fere princípios como a livre iniciativa e a concorrência”. A empresa lembra que “em vez de modernizar a legislação que regulamenta o serviço de táxi na cidade, a proposta do projeto burocratiza o serviço por aplicativo e impõe regras ultrapassadas”.
A 99 diz que, caso aprovado, o projeto “tirará 70% dos motoristas autônomos do mercado, impactando a renda de centenas de milhares de famílias, além do direito dos paulistanos de escolher como desejam se locomover”. Também diz que que serão retirados R$ 280 milhões dos cofres públicos pela redução dos impostos pagos pelas empresas. Segundo o app, somente em 2019 foram repassados R$ 6,5 bilhões aos motoristas do aplicativo, o que equivale ao orçamento projetado para capitais como Fortaleza e Porto Alegre. A empresa afirma ainda estar aberta ao diálogo com o governo.
A Cabify, por sua vez, se limitou a dizer que está “em diálogo com as autoridades municipais e com o setor e que aguarda pela votação para demais ações”.
FONTE: UOL – Tilt