MPF apura denúncia de exploração trabalhista pelo Uber
Regulamentado em julho pela Prefeitura de São Paulo, o aplicativo de transporte Uber é alvo de investigações no Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Ministério Público do Trabalho motivadas por denúncias de irregularidades trabalhistas e econômicas. As denúncias foram apresentadas pela Associação dos Motoristas Autônomos por Aplicativos (AMA), presidida pelo economista e ex-parceiro da Uber, Paulo Acras, de 48 anos.
O Ministério Público Federal instaurou procedimento administrativo e criminal para apurar denúncias de dumping social (exploração de trabalhadores para vencer a concorrência), econômico (venda de grande quantidade de produtos ou serviços por preço muito abaixo do mercado para afetar a concorrência) e formação de cartel (aliança irregular entre empresas para fixação de preços, eliminação da concorrência e monopolização do mercado).
O Uber disse que não é a empresa que contrata motoristas, mas os motoristas que a contratam para utilizar o aplicativo para prestar serviço de transporte individual privado de passageiros.
Diz que esses motoristas têm total flexibilidade e independência para fazer seus horários e prestar seus serviços quanto, quando e como quiserem e que a relação com a plataforma é não-exclusiva, por isso os “motoristas parceiros” podem trabalhar usando ou não a plataforma.
Livre concorrência
Na denúncia ao MPF, a Associação dos Motoristas Autônomos pede que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) apure infração à livre concorrência. O MPF informou que faz um estudo de caso inicial e deve ouvir o Uber para saber qual a resposta da empresa a esses questionamentos.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) instaurou inquérito civil para apurar denúncias como submissão de motoristas a servidão por dívida e a horas de trabalho exaustivas. A primeira audiência no MPT ocorreu em 15 de julho para colher depoimentos e provas das supostas irregularidades trabalhistas denunciadas. O MPT afirmou que está apurando os fatos em toda sua extensão para adoção de medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
O Ministério Público Estadual apura a conexão das denúncias de dumping social e econômico com inquéritos já em andamento sobre o mesmo assunto.
Em julho, durante 8 dias, o G1 percorreu 770 km de táxi e Uber, conversou com motoristas, passageiros e especialistas sobre como o aplicativo mudou a maneira das pessoas circularem pela cidade.
A crise econômica e o cadastro mais fácil fizeram crescer o número de motoristas de Uber, mas quem decide entrar pra o negócio precisa rodar muito mais para garantir um faturamente que valha a pena.
O Uber já não é mais a única empresa que administra aplicativos para transporte privado de passageiros em São Paulo. Desde a regulamentação, outras empresas entraram ou estão a caminho de entrar na disputa por clientes e motoristas, entre elas, Cabify Willgo, Televo, Easygo e 99.
Denúncias
Segundo a denúncia ao MPT, a servidão por dívida ocorre porque os motoristas, que não têm vínculo de emprego com o Uber, ficam expostos a contratos com locadoras e financeiras de automóveis, métodos que podem aumentar a dependência e explorar os motoristas, sem que os trabalhadores tenham como questionar direitos trabalhistas ou sequer direito à alimentação. As horas de trabalho exaustivas seriam motivadas pela carga de trabalho a que os motoristas têm de se submeter para alcançar algum lucro na atividade.
Acras, que lidera os motoristas autônomos, diz que trabalhou na Uber por seis meses, de outubro de 2015 a abril de 2016, com um carro na versão black, mais luxuosa, e outro na versão X, mais simples.
“Saí porque bloquearam meus dois carros. Tinha um no Black e um no X. Eu dirigia os dois carros. Fiz a conta e vi que estava sendo enganado. A Uber ilude, engana. O povo brasileiro é muito simples, não sabe fazer nem as quatro operações matemáticas, quanto mais calcular custos fixos e variáveis”, afirmou.
Acras disse que o motorista tem que trabalhar muitas horas para cobrir cerca de R$ 160 por dia com combustível e locação de carros quando esses veículos são alugados por uma empresa que trabalha em parceria com a Uber. “Quem aluga percebe que tem de correr muito para levar algum dinheiro para casa”.
Para ele, a situação de quem usa o carro próprio não é diferente porque os custos com manutenção do veículo se acumulam. “Em dois anos, o motorista vai perder o carro e o trabalho.”
Segundo à denúncia ao MPF e ao MP, a Uber ajusta e manipula um preço único para todos os prestadores de serviços autônomos e controla o preço artificialmente para aumentar lucros ou participação no mercado.
Defesa do Uber
O Uber informou ainda que os passageiros pagam os motoristas por cada viagem, e o motorista paga a Uber para utilizar o aplicativo uma taxa de serviços de 25% (uberX) ou 20% (UberBlack) em relação às viagens realizadas.
Afirmou que “os motoristas parceiros usam a plataforma para benefícios individualizados, de forma independente e autônoma, de acordo com seu interesse e disponibilidade, sendo que não existem taxas extras, diárias ou compromisso com horas trabalhadas – ele pode inclusive ficar meses sem logar-se na plataforma, ou então conectar-se todos os dias.”
Diz ainda que “com base em dados das mais de 400 cidades nas quais atua verificou que ao reduzir os preços, tem como resultado o aumento da demanda por carros. Com isso os motoristas parceiros fazem ainda mais viagens e continuam gerando tanta renda quanto antes, chegando a ganhar mais. O aumento na demanda significa que os parceiros passam a fazer mais viagens por hora e ficam menos tempo rodando entre uma viagem e outra.”
Por Roney Domingos, do G1.