Emissão de CNH caminha para 4º ano seguido de recuo

Movimento começa a preocupar indústria automotiva

A emissão de carteiras de motorista no Brasil deve cair pelo quarto ano seguido em 2018, em um movimento que começa a causar preocupação na indústria de veículos e que é fomentado não só pelo custo elevado de obtenção do documento, como também por uma grande mudança nos hábitos de locomoção das novas gerações, principalmente em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro.

De 2014 a 2018, a média mensal de emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) caiu 32%, para cerca de 170 mil documentos. Em 2014, essa média era de 250 mil emissões por mês, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) compilados pela Reuters.

De olho na queda de emissão de novas carteiras de motorista, a associação nacional de fabricantes de veículos, Anfavea, decidiu pela primeira vez contratar uma pesquisa para saber o nível de interesse dos jovens em comprar seu primeiro carro. A pesquisa, realizada pela startup Spry e publicada no início do mês, mostrou que os jovens de até 25 anos de idade, que formam a chamada “geração Z”, estão utilizando outros meios de locomoção, como metrô, bicicleta e aplicativos de transporte, de forma mais intensa que as gerações anteriores e, consequentemente, usando menos carros particulares.

O levantamento da Spry apontou que 25% dos entrevistados da geração Z utilizam aplicativos de transporte como Uber, 99 ou Cabify, uma ou duas vezes na semana e 13% afirmam utilizar sempre.

Em linha com a pesquisa, as emissões de CNHs entre esse público caíram 24,8% este ano, depois de já terem recuado 7% em 2017. “Não acho que as pessoas estão desistindo, mas postergando o ato de tirar carta e isso se deve tanto pela questão da demora que o processo de emitir o documento possui, quanto pelo custo”, disse a pesquisadora da Unicamp.

O investimento médio para tirar a primeira habilitação no Estado de São Paulo varia entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil, podendo divergir entre a capital e as cidades do interior, segundo o sindicato paulista de auto escolas e centros de formação de condutores (Sindautoescola). O custo se compara ao rendimento médio dos trabalhadores do Estado, de cerca de R$ 2,8 mil mensais, segundo dados do terceiro trimestre da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (Pnad).

Aos 21 anos, Giovana Silva, estudante de psicologia, é um exemplo do perfil indicado pela pesquisa da Spry. A jovem afirma não ter interesse em tirar carteira de motorista por causa do custo e diz usar o transporte público e aplicativos de transporte para se locomover pela cidade de São Pulo.

“Não é só o custo da carta que é envolvido. É o valor da compra de um carro, gasolina, seguro, aluguel de vaga na garagem do prédio, é muita coisa. Por enquanto, ter um carro não é necessário para mim”, disse Giovana. “Se eu tenho outras formas de me locomover que são mais baratas, por que eu faria um investimento tão alto agora?”

O presidente do Sindautoescola, Magnelson Carlos de Souza, concorda. “Se o jovem tiver acesso a um transporte público de qualidade e outros modais, a pessoa não vai considerar ter um gasto maior com o documento.”

Novo conceito

A queda do número de novas CNHs vista a partir de 2014 pode ser associada à crise econômica do país, afirmou Flávia, da Unicamp. “Hoje é muito mais caro tirar carta do que era há 18 anos… Acho que o que está acontecendo é uma falta de interesse de quem compõe esse número e quem realmente precisa ficar atenta a isso é a indústria de veículos.”

Para Pedro Facchini, diretor da Spry, as gerações mais novas continuam tendo desejo por ter carro, o conceito de propriedade se transformou ao longo dos últimos anos. “O sentimento de posse mudou muito. Os mais novos entendem hoje que têm um carro quando apenas têm acesso a um veículo de alguma forma”, disse ele, referindo-se a situações em que o carro da família é considerado como de propriedade pelo jovem. “Hoje, ter carro não é mais sinal de status ao longo das gerações”, acrescentou.

As vendas de veículos novos no Brasil neste ano devem subir cerca de 14%, para 2,5 milhões de unidades, com boa parte desses emplacamentos sendo registrada por empresas frotistas, como locadoras de veículos. Apesar do crescimento, a indústria ainda está longe do pico atingido em 2012, ano em que foram vendidos no país 3,6 milhões de carros, picapes, utilitários e veículos comerciais leves e em que os aplicativos de transporte ainda não estavam estabelecidos no país.

Já as vendas de usados, que costumam marcar o primeiro veículo de um consumidor, acumulam desde o início do ano até o final do mês passado alta de apenas 0,55%, para 972 mil unidades, segundo números da associação de concessionários de veículos, Fenabrave.

Falta de acesso

Em alguns Estados menos urbanizados, no entanto, a média do número de emissões de CNHs aumentou neste ano em comparação a 2017 -como o Acre, que apresentou aumento de quase 10%, fato que, segundo a especialista em mobilidade urbana e professora da Universidade de São Paulo (USP) Andreina Nigriello, pode ser associado à falta de investimento em transporte público.

“É fácil abrir mão de um carro quando você tem alternativas que conseguem suprir a necessidade de transporte, mas e quem não tem? O mesmo acontece em São Paulo, por exemplo, onde o transporte público funciona nas principais regiões da cidade, mas quem mora nas periferias sofre com a falta de investimento”, disse a professora.

A falta de variedade de modais de transporte em determinados Estados também foi considerada pela pesquisa realizada pela Spry. “A população urbana é quem acaba ditando as tendências, mas as pessoas que moram em regiões muito afastadas não possuem muitas alternativas, como metrô e aplicativos de transporte, então não temos como encarar que esses números (da pesquisa) são iguais para todas as regiões do país”, disse Facchini, da Spry.

“Esse público (moradores da periferia) não tem condições de se transportar entre seu local de trabalho e sua casa todos os dias com transporte público, então eles continuam comprando seus próprios veículos”, completou Andreina, afirmando que, enquanto não houver investimento e melhoria no transporte público de maneira uniforme, o número de CNHs deve continuar a subir nessas regiões.

Voltando aos grandes centros, para Souza, do Sindautoescola, a adaptação às mudanças pelas quais a sociedade e a indústria de veículos estão passando é questão de sobrevivência.

“Daqui a 10 anos o assunto vai ser carros autônomos e onde as autoescolas entram nisso? Quando algum carro autônomo dá problema, quem assume é o ser humano e ele precisa saber digirir”, disse Souza, que também é vice-presidente da Confederação Ibero-Americana de Centros de Formação de Condutores e Formação em Segurança Viária.

“Eu acredito que nosso setor vai sentir um grande impacto com as inovações tecnológicas que vão surgir e, se não assumirmos nosso papel como educadores, no futuro, nós podemos desaparecer”, acrescentou.

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