Os planos da Grow para crescer no Brasil e na AL

StartSe entrevistou Marcelo Loureiro, cofundador da Grow, sobre os planos da empresa para montar sua fábrica de patinetes elétricos no Brasil em 2020, as ações da Grow Comunidades, que leva micromobilidade à periferia, e do esforço para recuperar patinetes e bicicletas

Há dois anos, as empresas de micromobilidade começaram a expandir seus negócios no Brasil. A aposta no compartilhamento de modais sustentáveis, que promovem novas formas de relacionamento com a cidade e uma vida mais saudável tem conquistado novos adeptos a cada mês. E para além dos grandes centros.

Mas sempre houve (e ainda há) alguém para dizer: não vai dar certo, vai quebrar. A desigualdade social no país e a proposta de deixar os veículos espalhados (dockless) pelas vias de cidades de grande e médio porte sob o risco de serem avariados e/ou furtados ainda gera desconfiança.

No Brasil e na América Latina, a Grow domina esse mercado. A startup – que nasceu da fusão entre a Yellow (bikes) e a Grin (patinetes elétricos) em janeiro de 2019 –, no entanto, criou um conceito estratégico para mudar esse quadro adverso de perdas e promover maior integração social entre o centro e a periferia: “mobilidade humana”.

“A Grow é a consequência de acreditarmos na mudança de comportamento das pessoas, em como elas se movimentam pela cidade. E se tornou uma empresa com propósito social bem definido, que cria a oportunidade para empregar a mão de obra do primeiro emprego, os desalentados ou ainda promover a reinserção social dos egressos do sistema prisional. O desafio no Brasil é a desigualdade social. Para deixarmos nossos veículos sem estação, precisávamos entender das ruas. E trazer pessoas que conhecem e habitam as ruas era importante para o negócio”, define Marcelo Loureiro, cofundador e vice-presidente da empresa no Brasil.

A companhia possui uma vertical chamada Grow Comunidades para coordenar todas ações de cidadania e projetos sociais, que exercem duas funções prioritárias: seguir resolvendo o problema da mobilidade urbana para curtas distâncias e incluir pessoas das camadas mais vulneráveis no mercado de trabalho.

“Essa força de trabalho, além de trabalhar com energia redobrada, protege nossos veículos nas ruas ou nas comunidades, e eventualmente quando eles são subtraídos ou vandalizados”, conta Loureiro.

“Eu não posso revelar qual é a margem de perda por roubo ou avaria, isso está no meu plano de negócios. Mas te revelo outro dado interno: a empresa conseguiu reaver 2 mil veículos que foram devolvidos somente em 2019. E não foram recuperados pelo meu departamento de segurança, foram devolvidos através do relacionamento social feito pelo meu time de comunidades”, diz.

A Grow está presente em presente em 23 cidades de Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile, Peru e Uruguai. A operação brasileira emprega 1.300 funcionários (em toda América Latina são 2.300), dentre os quais, 1.000 são oriundos de comunidades da periferia – e 61 são egressos do sistema prisional, uma parceria com o Instituto Responsa. Eles trabalham com o recolhimento e manutenção mecânica dos veículos. Os salários giram em torno de R$ 2.500 com registro CLT.

Rede de mobilidade humana: as ações de cidadania

Para além da geração de empregos, a companhia promove ações de cidadania em bairros da periferia. Em São Paulo, por exemplo, muitas atividades de formação, treinamento e cursos de capacitação da mão de obra ocorrem no extremo sul, no bairro do Capão Redondo, onde a empresa conta com o apoio do escritor Ferréz (Capão Pecado, 2000), que se tornou o “mentor urbano” da Grow.

“Eu conheci o Ferrez há mais de 15 anos, quando fazia trabalho social na periferia. Quando ele me viu a primeira vez, falou: ‘o que esse playboyzinho tá fazendo aqui?’ Depois me disse que estava fazendo um projeto com o Mano Brown (rapper dos Racionais MCs) para tirar um ponto de venda de drogas da Favela Godoy e construir uma biblioteca. Se eu quisesse ajudar, essa era a missão. Então chamei o Ciro Pirondi, arquiteto da Escola da Cidade, comprei os materiais e o pessoal da Cúpula Negredo, que organiza o Festival 100% Favela, construiu o espaço. Ali eu ganhei a confiança dele”, conta Loureiro.

Essa confiança na parceria social foi resgatada quando o empreendedor voltou ao Brasil, após uma temporada de quase 10 anos nos Estados Unidos, para fundar a Ride, a startup pioneira em patinetes elétricos, que depois foi comprada pela mexicana Grin, pouco antes da fusão com a Yellow.

“Não dá para fechar os olhos para a desigualdade social. E também não dá para deixar de empreender porque existe violência. Tem muita gente boa e é a maioria. E a maioria quer utilizar os produtos e serviços. Quando eu fui criar a Ride, pensei: eu vou envolver a periferia nessa história. Não vai ser bom só para mim, tem que ser bom para todo mundo. Eu logo pensei em trazer as pessoas das comunidades para trabalhar com a gente. Como existe a operação física, braçal, eu tenho a oportunidade de contratar os caras que mais precisam”, diz.

Grow na periferia

Recentemente, Loureiro e Ferréz levaram a operação da Grow para as regiões do Capão Redondo, Jardim São Luiz e bairro Santo Antônio (extremo sul da capital paulista), com uma nova forma de locação dos patinetes verdes e bicicletas amarelas, que podem ser feitos através da compra de créditos no comércio local.

Assim, além de integrar pessoas sem acesso aos serviços bancários, aquece a economia local, criando novos embaixadores da marca. Segundo Loureiro, tal medida também fez diminuir em 50% o número de perdas de veículos na região (monitoradas por GPS).

Outras ações da empresa são feitas para conscientizar sobre a proposta de micromobilidade urbana e a proteção dos veículos em regiões mais remotas. Em alguns finais de semana, a Grow realiza uma espécie de festival em parceria com centros comunitários e culturais para disponibilizar gratuitamente os veículos aos moradores, sobretudo crianças e jovens.

Loureiro ainda destaca ações pontuais com outros empresários para ofertar cursos técnicos profissionalizantes de mecânica, educação financeira e idiomas para os funcionários.

“Essa função da mentoria urbana é uma missão que outras empresas também precisam encampar. A relação com os líderes comunitários, trazer pessoas das comunidades para dentro dos negócios, que as orientem como se relacionar com seu entorno”, reflete.

Primeiros patinetes em LA

“Eu vi a Bird colocar os 20 primeiros patinetes elétricos na rua em Los Angeles”

Marcelo Loureiro empenhou 500 mil dólares do próprio bolso para fundar a Ride. A inspiração veio do unicórnio dos patinetes elétricos, a norte-americana Bird. “Eu morava em Los Angeles e vi a Bird colocar os primeiros 20 patinetes elétricos na rua. Comecei a buscar muita informação sobre aquele modelo de negócios, tinha amigos lá dentro. E depois eu mesmo fui trabalhar como carregador na Bird e na Lime para entender como funcionava a operação.”

O risco de emular um negócio de patinetes elétricos no Brasil era grande. A Califórnia não é São Paulo. Santa Mônica não é Pinheiros. Mas ele percebeu a ciclovia livre pela frente, quando começou a ser assediado pelas principais empresas de micromobilidade, que também observaram um mercado em potencial.

Antes da Grin adquirir a Ride, a própria Bird, a Uber (Jump) e a Lime – concorrente da Grow no Brasil, que chegou ao país em julho de 2019 – tentaram adquirir a operação da Ride, que já estava bem estruturada, aplicativo em funcionamento, importação regular de patinetes da China e público em crescimento.

“Essas empresas entendiam que era um negócio que precisava de expertise local, do hyperlocal, como se fala. Era preciso de alguém que entendesse da dinâmica da cidade, da topografia, das comunidades, do governo. Eles não viriam para o Brasil colocar mil patinetes soltos pelas ruas sem infraestrutura. Seriam roubados. Por isso eu sabia que tinha uma vantagem competitiva. ”

A briga da Ride, convertida em Grin, ia ser mesmo com as bikes e patinetes da Yellow, a charmosa amarela dos fundadores da 99, Ariel Lambrecht e Eduardo Musa. Antes que os primeiros rounds se estabelecessem, o fundo Monashees, que investia em ambas, indicou a fusão a partir de um entendimento de consolidação do mercado de micromobilidade. 150 milhões de dólares foram aportados pelos fundos investidores das duas companhias. E a Grow logo pedalou rápido para tomar o mercado latino-americano.

“Vimos complementariedade nos times. A Grin tinha um financeiro e operacional muito bom, enquanto a Yellow tinha a relação governamental, a tecnologia. Como startups, eles estavam mais avançados do que a gente. E ambas tinham o entendimento e relacionamento local, e o meu mais profundo com comunidades. Era uma fusão que fazia muito sentido e a gente já tinha os patinetes, que a Yellow não tinha apostado tanto”, explica Loureiro.

2020: fábrica e propaganda nos veículos

Os usuários dos modais da Grow percorrem uma média de 1,6 milhão de quilômetros por mês no Brasil. Para manter a atual vantagem competitiva do negócio, a Grow anunciou a construção de sua fábrica em 2020. Eles já possuem a autorização da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), mas ainda estão numa rodada de captação de investimentos para executar.

A ideia é driblar a alta carga tributária brasileira das importações de patinetes elétricos e equipamentos da China. A redução estimada será de 30 a 40% do custo final dos patinetes elétricos, possibilitando a entrada em novas regiões do país e economia aos consumidores.

Os veículos serão produzidos para a utilização no atual modelo compartilhado, sem a perspectiva de venda para usuário final. Loureiro diz que talvez a Grow possa futuramente vir a exportar para outras empresas pelo mundo. Durante a visita à sede brasileira, a reportagem da StartSe pode observar mais de 10 protótipos diferentes de patinetes em desenvolvimento pela inteligência local da Grow no Brasil, que não puderam ser fotografados ou filmados.

“O objetivo é sair em 2020. A implementação da fábrica começaria em janeiro para ter veículos produzidos em quatro, cinco meses. Mas estamos um pouco atrasados, então deve sair no segundo semestre”, revela. No próximo ano, a Grow também almeja explorar o negócio de publicidade em seus veículos, que ainda dependem de regulamentações locais.

“Quando aprovar, tiver tudo redondo, a gente vai vir muito pesado nessa área de publicidade e propaganda, porque somos muito visíveis”, diz.

Fonte: Startse

 

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