Investimento só para milionário vai ser liberado para pequeno investidor
Gigantes da Bolsa hoje, como as locadoras Unidas e Movida, receberam investimentos de fundos de private equity antes de lançarem ações.
Investir em empresas que ainda não têm ações na Bolsa ou em projetos que sequer saíram do papel são alguns tipos de investimentos que atualmente só estão disponíveis para quem tem pelo menos R$ 1 milhão para aplicar ou que é profissional de mercado. Mas não por muito tempo. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão do governo responsável pelo mercado de capitais, quer liberar esses negócios também para o pequeno investidor.
Os investimentos que a CVM pretende liberar a pequenos aplicadores incluem os fundos de private equity, que compram participações em empresas de capital fechado, e fundos de títulos de securitização, emitidos para financiar novos projetos ainda em fase inicial nos setores de imóveis, da agropecuária ou de infraestrutura. Veja abaixo o que muda para o pequeno investidor.
Investimentos restritos agora podem ser acessíveis
Esses investimentos são atualmente proibidos para o pequeno investidor porque são considerados mais complexos e arriscados que aplicações disponíveis nos bancos e corretoras para as pessoas em geral. E, por serem mais complicados e mais arriscados, esses produtos são restritos a investidores qualificados.
A CVM está sugerindo uma flexibilização ampla para esses produtos eliminando a chamada arbitragem regulatória, ou seja, quando um investidor pode aplicar numa debênture, por exemplo, mas não pode comprar a cota de um fundo Fip que investe em debêntures de um projeto. Isso não faz sentido.
Bruno Luna, chefe da assessoria de análise econômica e gestão de riscos da CVM
Por que as regras vão mudar agora?
Após concluir um estudo que foi apresentado essa semana, a CVM chegou à conclusão de que há motivos para mudar essas regras. Veja alguns deles.
Mais investidores no mercado: o número de pessoas físicas na Bolsa aumentou de 620 mil, em 2017, para quase 3,5 milhões de investidores atualmente. Há portanto cada vez mais investidores que entendem como funciona os mercados de ações, de títulos de dívida e outros produtos, como BDRs e ETFs.
Desenvolvimento do mercado: o número de empresas e de profissionais de mercado também cresceu nos últimos três anos. O investidor não depende apenas do gerente do banco para se informar sobre investimentos. Aumentou também o número de sites e plataformas de educação financeira, caso do próprio UOL Economia+, que disponibiliza mais informações sobre investimento disponíveis para o pequeno investidor.
Juros baixos: com a taxa básica de juros em níveis mínimos históricos, as aplicações tradicionais como poupança, Tesouro Selic e fundos DI não garantem o futuro de pessoas que investem no longo prazo. Por isso, acredita a CVM, é importante aumentar as opções de aplicações para o investidor comum.
Comparação com outros países: apesar dessas evoluções, o Brasil ainda tem muito dinheiro do pequeno investidor concentrado em aplicações tradicionais de renda fixa, como poupança, títulos do governo e fundos DI, que apresentam baixo rendimento.
Esse processo de acesso do investidor a esses produtos está ocorrendo em todo o mundo. O private equity era um nicho há 20 anos, mas vem se popularizando e isso faz parte do desenvolvimento do mercado de capitais de um país.
Álvaro Gonçalves, sócio-gestor e CEO do Grupo Stratus
Quais investimentos serão liberados?
Fundos de private equity
Esses fundos investem em empresas que pertencem a uma pessoa ou família que buscam crescer, colocando dinheiro na operação antes de uma forte valorização do negócio.
Gigantes da Bolsa hoje, como as locadoras Unidas e Movida, receberam investimentos de fundos de private equity antes de lançarem ações. Quem entrou primeiro teve um ganho maior do quem começou a investir no negócio apenas após o lançamento de ações. Há também fundos de venture capital que investem na nova economia, nas startups, que se valorizam muito antes de chegarem à Bolsa.
Segundo dados da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital), esses fundos receberam R$ 23,6 bilhões ano passado. E apenas no primeiro trimestre deste ano, atraíram mais R$ 10,7 bilhões em recursos de grandes investidores.
Fidcs e Fips
Esses fundos investem em títulos que bancam novos projetos. São os Fidcs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) e os Fips (Fundos de Investimentos em Participações), que hoje financiam projetos que só estão disponíveis para o grande investidor.
A empresa que está criando um novo empreendimento lança títulos. O investidor que aplica nesses títulos então empresta dinheiro ao negócio e ganha um rendimento por isso. Como são projetos em fase inicial, o ganho oferecido é maior, assim como o risco, também maior.
Esses fundos somam atualmente R$ 706 bilhões, o equivalente a 10,5% dos R$ 6,7 trilhões aplicados em fundos de investimentos no Brasil, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
Para quem vale a pena?
Nos Estados Unidos, a lei permite que o pequeno investidor possa ter até 15% de seus investimentos em empresas fechadas, e na Europa, até 10%. A CVM acredita que o Brasil pode seguir um caminho parecido. Ou seja, esses tipos de fundos poderão ser usados pelo pequeno investidor para diversificar parte da carteira.
Esses fundos podem ser opções para investidores de perfil agressivo e arrojado, que investem no longo prazo e que aceitam maior risco. Vai ser uma forma de diversificar a carteira aplicando uma parte do capital em negócios diferentes do que ele já tem, como ações ou fundos.
Rodrigo Franchini, sócio-chefe de produtos da Monte Bravo Investimentos
Existem produtos com algum risco já disponíveis para o pequeno investidor, que entretanto ainda prefere produtos sem risco, como a poupança. Então para esse público, os produtos mais arriscados não devem ter tanto apelo. Mas já com relação ao investidor com mais conhecimento e maior apetite para o risco, cabe sim uma flexibilização das ofertas. Cerca de 90% das operações que faço com os CRIs vão para investidor qualificado. Se houver flexibilização, vou poder acessar mais investidores.
Juliana Melo, sócia da Fortesec-Forte Securitizadora
Quais são os cuidados?
Como esses investimentos apresentam maiores complexidades e riscos, a CVM adianta que serão criadas regras para que o pequeno investidor tenha acesso a mais informações sobre esses produtos no momento em que eles forem oferecidos.
A gente viu com o fundo imobiliário que ao ter cotas negociadas em Bolsa, o investidor tem uma porta de saída para resgatar a aplicação e também aumenta o volume de informações em circulação disponíveis para os aplicadores porque tem analistas escrevendo sobre esses fundos.
Bruno Luna, da CVM
Os fundos de private equity, de Fidcs e de Fips terão, por exemplo, que seguir regras parecidas com as exigidas de empresas que lançam ações. Na hora de oferecer esses produtos, por exemplo, o gestor do fundo terá que fazer oferta pública registrada, ter cotas negociadas no mercado secundário, ou seja, em Bolsa, e divulgar informações de desempenho de forma regular e detalhada.
O caminho de liberar o investimento em private equity para o varejo tem que ser feito om cuidado, tanto na questão da educação do investidor como da regulação. É preciso educar o investidor para que ele entenda que esse tipo de aplicação é de fato diferente, inclusive em relação às ações, por exemplo. É um investimento que se faz no longo prazo, que exige do investidor maturidade e paciência.
Piero Minardi, presidente da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital)
Como vai ser o processo?
Pelos planos da CVM, esses produtos poderão estar disponíveis para o pequeno investidor ao longo dos próximos 18 meses em um processo por etapas.
A autorização para investimentos em Fidcs está mais adiantada. Já passou pela audiência pública —quando a CVM recebe sugestões dos participantes de mercado— e agora falta apenas divulgar as regras finais.
Já para os Fips e fundos de private equity, o processo está mais no começo, ainda na fase de elaboração das regras.
Este material é exclusivamente informativo, e não recomendação de investimento. Aplicações de risco estão sujeitas a perdas. Rentabilidade do passado não garante rentabilidade futura.
Fonte: UOL