A chegada das marcas automotivas chinesas no Brasil

A chegada das marcas automotivas chinesas no Brasil e as cinco chaves para uma estratégia de sucesso

*Por Filippo Vidal, Diretor e sócio FutureBrand

Quando chegaram ao Brasil, as marcas chinesas de automóveis sofreram com o preconceito dos consumidores. Havia uma razão para isso. As montadoras traziam para cá modelos de qualidade questionável – com exceção da CAOA Chery e da JAC Motors, que fizeram um bom trabalho desde o início. Hoje, no entanto, vemos nossas ruas “invadidas” por novas marcas, como a BYD e a GWM, que estão conquistando a confiança e até a admiração dos brasileiros a um ritmo assustador.

Cerca de três anos atrás, quando me perguntavam sobre a presença dos carros elétricos no Brasil, eu respondia cético que iria demorar vinte anos para vingarem por aqui. Queimei a língua, evidentemente. E as marcas da China vêm cumprindo um importante papel nesse movimento. Vale a pena refletir, portanto, sobre as chaves do sucesso das marcas chinesas.

Produto no centro

Para quem tem um mínimo de embasamento de marketing, não é surpreendente constatar que empresas que se concentram na qualidade do produto podem melhorar a satisfação do cliente, a reputação da marca, a percepção de preço e a fidelidade do cliente. Nesse aspecto, as marcas chinesas fizeram o trabalho direitinho.

Essa é uma antiga regra de qualquer mercado, que foi esquecida por diversas empresas que operam no Brasil há muito mais tempo. Pois é, as novas marcas chinesas entenderam que o consumidor brasileiro é cada vez mais informado e exigente, principalmente aquele que está disposto a desembolsar valores superiores a R$ 150.000,00 para a compra de um carro.

CAOA Chery, BYD e GWM entenderam a importância de trazer produtos com plataformas de última geração, tecnologia de ponta, acabamento primoroso e motores confiáveis (não vamos esquecer que os modelos que são trazidos por aqui já rodam na China – maior mercado automotivo do mundo – há alguns anos). É só entrar em uma concessionária dessas marcas, testar os carros e “sentir” a qualidade com as próprias mãos. Como prova disso, essas marcas oferecem condições de garantia acima da média do mercado, demonstrando ter grande confiança em suas próprias qualidades.

Aposta elétrica

Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o mercado de veículos eletrificados leves no Brasil atingiu um total de 49.052 unidades vendidas nos primeiros oito meses de 2023, um aumento de 76% em relação ao mesmo período de 2022, quando foram emplacados 27.812 automóveis. Grande parte desse crescimento deve-se à chegada das novas marcas chinesas. Basta pensar que o BYD Dolphin é hoje o veículo elétrico mais vendido do país.

Só em outubro de 2023 emplacou 1366 unidades. Em um mercado em que as marcas europeias, japonesas e norte-americanas já estavam oferecendo modelos elétricos ou híbridos com um posicionamento premium de nicho (alguns exemplos são BMW i3, Peugeot e208, Renault Zoe, Lexus UX, Volvo C40, Nissan Leaf, entre outros), as marcas chinesas como BYD e GWM chegaram com a ousadia de oferecer linhas completamente eletrificadas, não apostando em nenhum modelo 100% a combustão. Isso fez com que essas marcas trabalhassem um posicionamento de “especialista em elétricos” no Brasil, conquistando um segmento de mercado que nenhuma outra marca teve a coragem de ocupar antes.

Fizeram isso apostando em uma posição vanguardista na descarbonização graças às altas tecnologias aplicadas nos modelos. Por exemplo, a BYD criou uma tecnologia própria à base de lítio: as baterias Blade revolucionaram a indústria de veículos elétricos por terem um carregamento mais rápido, mais autonomia e mais potência, ocupando menos espaço e com a maior durabilidade do mercado. Não é à toa que a BYD fornece suas baterias para nada mais, nada menos que a Tesla.

Design como aspiração

Se olhamos os modelos dessas marcas, todos proporcionam design de última geração. A BYD tem modelos como o Seal e o Dolphin, da linha “Ocean”, inspirada nos animais marinhos e no oceano pelo contorno sofisticado da carroceria, com linhas retas e formas fluidas, inspiração que chega até no naming dos modelos. A GWM trouxe modelos como o ORA GT, criado por Emanuel Derta, designer que antes trabalhava na Porsche (a inspiração é bastante visível…).

Mas o design não se limita só aos carros, e sim envolve a experiência de marca como um todo. Além da interface digital dos carros proporcionar user experiences responsivas e intuitivas, as concessionárias também trazem um novo ar para o mercado automotivo brasileiro, com ambientes minimalistas e contemporâneos que colocam a interação com os carros no centro da experiência, bem como áreas de lazer e interação com a marca.

BYD e GWM, principalmente, entenderam muito bem que é preciso fazer com que o processo de compra se torne cada vez mais simples e prático para o cliente final. Esse foco no design de experiência foi um dos principais fatores que fizeram com que essas marcas se tornassem aspiracionais no Brasil, roubando até clientes de marcas muito respeitadas como Toyota e Honda.

Estratégia comerciais valentes

Parece mais tempo, mas a BYD e a GWM chegaram no mercado automotivo brasileiro só em 2021 (na verdade a BYD já atuava no país antes, com sua linha de veículos comerciais).

Desde aquele ano, se apresentaram com uma estratégia comercial bastante agressiva, investindo em garantir boa capilaridade das concessionárias disponíveis nos principais polos econômicos do país, bem como em uma estratégia de precificação corajosa. Por exemplo, o lançamento do BYD Dolphin por R$ 149.800 no final de junho de 2023 provocou os concorrentes, que se viram forçados a baixar o preço de seus carros elétricos de entrada e, assim, todo o mercado de eletrificados sofreu um reajuste para baixo, favorecendo o consumidor brasileiro.

Essa “guerra de preços” intensificou-se ainda mais no final de 2023, em vista da volta do imposto para veículos elétricos e híbridos a partir de janeiro de 2024. As marcas chinesas também não são nada tímidas em lançamentos de novos modelos, contribuindo para trazer uma imagem mais fresca para suas marcas: se a BYD em um ano lançou o Yuan Plus, o Dolphin e o Seal; a GWM estreou com o Haval H6, o Haval H6 GT PHEV e o Ora, trazendo um line-up completo para o panorama automotivo brasileiro desde seu primeiro momento no Brasil.

A CAOA Chery também trouxe o Tiggo 8 Plug-in, promovendo também constantes atualizações em sua linha de carros. Além disso, se a CAOA Chery já tem fábrica em Anápolis e Jacareí, a BYD e a GWM também terão fábricas no país – a BYD comprou a unidade de Camaçari na Bahia que antes era da Ford, enquanto a GWM assumiu a antiga fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP).

Entendimento do consumidor brasileiro

Às vezes um dos fatores mais decisivos para esse sucesso é até o mais óbvio e que deveria ser aplicado por qualquer empresa que quer operar em um país: a necessidade de entender as dores e os desejos do cliente local. Segundo uma pesquisa da Bain & Company, um quarto dos proprietários de carros no Brasil consideraria migrar para um veículo elétrico.

O custo da gasolina/etanol, o impacto no meio ambiente e o interesse em novas tecnologias são as principais razões para a mudança, enquanto os obstáculos são o preço, a rede de recarga pouco capilar e a falta de clareza sobre a tecnologia embarcada nos carros. CAOA Chery, BYD e GWM entenderam muito bem a paixão que o brasileiro tem pelo setor automotivo, bem como a frustração de décadas por não ter acesso a modelos que se encontram fora do país e que tem qualidade superior.

Em um cenário em que os carros vendidos no Brasil passavam por uma “tropicalização” (principalmente falando dos modelos mais caros produzidos por montadoras instaladas no país), que implicava na maioria dos casos simplificação de projetos, as marcas chinesas mantiveram a mesma qualidade oferecida fora do país, além de investir pesadamente em acessibilidade para que o brasileiro médio ganhasse familiaridade com a tecnologia e, assim, o boca a boca fizesse o resto do trabalho. Além disso, essas marcas estão cientes das principais ansiedades do brasileiro relacionadas à compra de um veículo elétrico e, por isso, estão investindo em providenciar mais acesso à recarga e ao entendimento de suas tecnologias. Basta pensar que em 2023 a GWM Brasil fechou uma parceria com a WEG para o desenvolvimento de uma rede de recarga rápida para carros elétricos no Brasil.

Então, o que vai acontecer nos próximos anos?

Para imaginar isso é só olharmos para alguns números. Em 2022 foram vendidos 26,8 milhões de carros novos na China. Lá são produzidos automóveis com mais de 150 marcas diferentes. Existe uma oferta enorme de novas marcas e modelos de carros chineses, que além disso sofrem facelifts a cada dois anos e cada geração tem uma vida útil de 4 anos.

No Brasil, marcas como Seres (já oferecida no país) e a próxima a chegar Omoda, serão provavelmente entre os novos protagonistas de 2024 ao lado de CAOA Chery, BYD e GWM que já têm planos bem agressivos. A BYD, por exemplo, lançará o Mini Dolphin (Seagull fora do Brasil) logo no início do ano a um preço próximo dos R$ 100.000,00. Tudo indica que, se os players mencionados obtiverem sucesso duradouro, novas marcas chegarão.

 

Filippo Vidal, diretor e sócio da FutureBrand São Paulo
Crédito: Pedro Saad

*Filippo Vidal é nascido e criado na Itália. Construiu uma extensa carreira internacional, vivendo em países como África do Sul, China, Espanha e agora no Brasil. Chegou na FutureBrand São Paulo, em 2018, trazendo um olhar estratégico para projetos locais e internacionais. Em 2020 foi nomeado diretor. Responsável por aprimorar a conexão da consultoria com os outros escritórios da FutureBrand ao redor do mundo. Além disso,  liderando o processo de internacionalização de diversas marcas nacionais e internacionais.

A chegada das marcas automotivas chinesas no Brasil e as cinco chaves para uma estratégia de sucesso

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