Mitos e verdades sobre o amaciamento do motor

Os motores de hoje realmente são fabricados com muito mais precisão do que no passado, mas isso não impede que eles ainda recebam das fábricas recomendações para obedecer um período de “acomodação” das peças.
“Por melhores que sejam os sistemas atuais de manufatura, com acabamento a laser e usinagem de alta precisão, e por menores que sejam as tolerâncias, todas as peças móveis precisam se conformar às outras. É um ajuste fino, que não prejudica o correto funcionamento, como era no passado, mas é melhor que ele seja feito”, explica Henrique Pereira, membro da Comissão Técnica de Motores da SAE Brasil.
“Antigamente, os montadores de motor precisavam escolher os pistões que se encaixavam melhor nos cilindros. Hoje, eles sabem que qualquer um vai servir”, explica.
O que deixou de existir, de fato, é o amaciamento do qual o motor dependia para não quebrar. Sem ele, o risco era grande. Se você entende que esse procedimento é o cuidado que era exigido para que o motor não tivesse óleo com limalhas (partículas metálicas) para diminuir sua vida útil, ele real­mente não é mais necessário.
Mas se entender como um assentamento das peças, ele continua a existir. E é até chamado de amaciamento nos manuais do proprietário de marcas, como Ford, Honda e Volks. O objetivo é o mesmo: assegurar o perfeito funcionamento dos sistemas e, o mais importante, aumentar sua vida útil.
Isso é tão verdade que a maioria dos fabricantes tem suas recomendações de uso inicial do veículo nos manuais (veja quadro mais abaixo). Algumas são tão inusitadas que na prática impedem, por exemplo, de se viajar em estradas por meses após a compra do carro – a Hyundai pede para não rodar em velocidade constante até os 2.500 km.
E muitas vezes trazem termos bem imprecisos, como “não rodar em marchas baixas por muito tempo”.
Mas em geral essas orientações são parecidas entre as marcas, variando mais na quilometragem. “Na média, nos primeiros 400 ou 500 km, deve-se evitar subidas de giro ou acelerações além das rotações máximas indicadas pelo fabricante. Não só porque as peças requerem alguma acomodação, mas porque os sistemas de injeção aprendem o modo de dirigir de cada motorista. Isso contribui para uma melhor eficiência energética, economizando combustível e poluindo menos o ar”, diz Nilton Monteiro, diretor executivo da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA).
E nessa lista de cuidados também entram os freios. “A acomodação de pastilhas novas contra discos novos leva muito menos tempo do que quando se trocam as pastilhas gastas. Mesmo assim, um carro novo não vai frear tão bem quanto depois que as peças já estiverem acomodadas umas às outras”, diz Pereira.
O período para que as peças do freio assentem fica em torno de 300 km, ou “um tanque de combustível”, mas o ideal é sempre seguir a recomendação do fabricante.
José Loureiro, gerente executivo de desenvolvimento da VW, lembra que pneus e câmbio também exigem cuidado extra. “Para que os pneus fiquem em sua condição ideal de trabalho e aderência, é preciso rodar entre 500 e 600 km. E a transmissão manual fica com o comando mais gostoso de usar de 200 a 300 km depois, com engates mais suaves.”
No caso dos pneus, a falta da aderência adequada prejudica não apenas as frenagens, mas também a estabilidade, deixando o veículo mais exposto a derrapagens, por exemplo.
Portanto, se você estiver prestes a comprar um carro novo, lembre-se de ler as recomendações de uso inicial no seu manual. Elas podem fazer a diferença em consumo, segurança e manutenções futuras.
PASSADO SEVERO
Antigamente, o amaciamento não era só uma recomendação, era quase obrigação – e muito mais severa. O manual do proprietário da Rural Willys 1968, por exemplo, pedia para não ultrapassar 70 km/h nos primeiros 500 km. De 500 a 1.300 km, o motorista podia gradativamente, chegar a 80 km/h. A partir dos 1.300 km, a restrição a velocidades maiores deixava de existir, mas estas não podiam ser mantidas por muito tempo até que o carro atingisse 6.000 km.
O manual também ressalta que a lubrificação tinha de ser “perfeita”. Na página 41, entende-se a razão: após 500 km a até 70 km/h, o óleo deveria ser todo drenado. No fundo do cárter, uma peça denunciava a necessidade da troca tão prematura: um “bujão magnético de escoamento”. Nele, grudavam as limalhas formadas pelo atrito dos pistões com as paredes dos cilindros.
As recomendações de cada montadora
Chevrolet Não rebocar, não acelerar totalmente em marcha lenta, não arrancar forte nem acelerar subitamente ou frear forte nos 100 km iniciais
Fiat Não frear forte nem exigir o máximo do veículo nos primeiros 1.600 km, nem manter o motor em alta rotação por longos períodos
Ford Evitar velocidades muito altas nos primeiros 1.500 km, variar a velocidade com frequência nesse intervalo e não elevar demais a rotação
Honda Não acelerar bruscamente nos primeiros 1.000 km e evitar frenagens bruscas até os 300 km
Hyundai Não forçar o motor ou manter velocidades constantes por longos períodos até os 1.000 km (HB20) ou 2.500 km (importados e produção Caoa). Não usar reboque nos primeiros 2.500 km
Land Rover Nos 3.000 km iniciais, evitar altas rotações. Evitar partidas a frio para percursos curtos
Mercedes-Benz Evitar a rotação máxima nos 1.500 km iniciais e frenagens fortes nos 200 km
Nissan Evitar arrancadas, rotações acima de 4.000 rpm e longos períodos em velocidade constante até os 2.000 km. Não rebocar até os 800 km e depois rebocar só a até 80 km/h por mais 800 km
Peugeot Não frear forte nos 300 km iniciais
Renault Não passar de 3.500 rpm nos 1.000 km iniciais
Toyota e Lexus Evitar acelerações bruscas, rodar na mesma velocidade constantemente ou em marchas baixas por muito tempo até os 1.000 km (Hilux, Corolla, RAV4), 1.600 km (Etios e Prius) ou 2.000 km (RX350). Evitar frenagens súbitas pelos primeiros 300 km
Volkswagen Até os 1.000 km, não acelerar ao máximo ou rebocar. Daí até 1.500 km pode-se elevar rotação e velocidade gradualmente. Evitar frenagens fortes até 300 km
Volvo Não puxar reboque nos primeiros 1.000 km
Jeep, Chrysler, Dodge, Kia, Citroën e Chery Sem recomendações.
Por Gustavo Henrique Ruffo, Da Revista Quatro Rodas.

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